Por Cíntya Feitosa, no Observatório do Clima
A incidência do zika vírus pode ficar tão comum quanto os casos de dengue no Brasil. E os próximos anos podem trazer novas doenças do tipo, por um fator muito simples: o Brasil está num lugar melhor de viver para o mosquito Aedes aegypti. A associação de mudanças climáticas globais, ilhas de calor urbanas, aumento da população e más condições de saneamento forma o combo perfeito para a proliferação da praga.
“O Aedes tomou conta do mundo”, diz o virologista Átila Iamarino, do Instituto de Biociências da USP. Ele explica que o inseto que ficou conhecido como “mosquito da dengue” pode portar diversos outros vírus aparentados com a dengue – os chamados flavivírus, que precisam de vetores como mosquitos e carrapatos. “Se o mosquito tem cada vez mais espaços para circular e está adaptado às cidades, o surgimento de outras doenças é questão de tempo”, alerta Iamarino.
O zika tem esse nome por causa de uma floresta homônima em Uganda, onde foi descoberto na década de 1940. Sua forma de chegada ao Brasil ainda não é consenso entre os pesquisadores. A hipótese mais aceita é que o vírus tenha aportado por aqui durante a Copa do Mundo, quando ocorreu grande circulação de estrangeiros no Brasil. A Copa aconteceu no inverno, período em que, em tese, a circulação de mosquitos no Centro-Sul do país cai devido ao frio. O vírus pode ter incubado na população de mosquitos nesse período, para começar a infectar humanos após o fim da estação seca.
“A dengue já está no país todo, e cresceu em grandes cidades onde antes era mais frio e agora as temperaturas são mais altas”, diz Christovam Barcellos, pesquisador da Fiocruz. Ele afirma que, quanto mais calor, mais as doenças vão se espalhar. “O mosquito se reproduz mais rapidamente em locais de clima quente.” O pesquisador diz que a situação não deve ser controlada tão cedo e que a tendência do zika, assim como ocorreu com a dengue, é se espalhar pelo centro do Brasil.
O mapa abaixo ajuda a entender por quê. Ele mostra que a área de transmissão de dengue no Brasil mais do que triplicou apenas entre 2001 e 2011, de 2 milhões de quilômetros quadrados para 7 milhões de quilômetros quadrados. O número de pessoas em risco dobrou, de 80 milhões para 160 milhões.
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Dados do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, por sua vez, ajudam a explicar o mapa. A maior parte do Brasil esquentou mais do que a média mundial no último século. O Nordeste, o centro do país e partes da Amazônia aqueceram de 1,2ºC a 1,6ºC desde 1960, em média. O número de noites quentes cresceu no país inteiro. Em alguns lugares, as temperaturas mínimas subiram 1,4ºC por década. Temperatura mínima é um parâmetro importante para o mosquito, porque o Aedes precisa de calor e água – e uma série de noites frias pode ser a diferença entre uma nova geração de insetos nascer ou não.
De acordo com o Ministério da Saúde, já há registros do vírus zika em 19 das 27 unidades federativas do país. Ainda não há confirmação do número de casos. Já a dengue teve 1,6 milhão de registros em 2015, 62,2% deles na região Sudeste. O aumento do número de casos em relação a 2014 é de 178%. A febre chikungunya teve, em 2015, 20.661 registros, contra 3.657 no ano anterior.
Os Estados Unidos e países europeus já emitiram alerta, aconselhando seus cidadãos a evitar viagens ao Brasil e outros países da América do Sul, além da América Central, pelo risco de contágio. Já há ocorrência de casos no Reino Unido – importados da América do Sul, de acordo com a imprensa local –, Estados Unidos, Espanha, Itália, México, entre outros.
Um estudo publicado no periódico de saúde The Lancet alerta para o potencial de exportação da epidemia a partir do Brasil. A pesquisa mapeou os destinos finais dos 9,9 milhões de turistas estrangeiros que passaram por áreas de risco no país: 65% deles tinham como destino as Américas, 27% para a Europa e 5% para a Ásia. Os dados são alarmantes: cerca de 60% da população dos EUA, Itália e Argentina – alguns dos países com maior fluxo de turistas para o Brasil – vivem em áreas vulneráveis à transmissão sazonal da doença, considerando condições climáticas e ambientais favoráveis à proliferação do Aedes.
Até 2007, menos de 20 casos de zika eram conhecidos em todo o mundo, na África e na Ásia. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), entre novembro de 2015 e janeiro de 2016, a transmissão local do vírus, os chamados casos autóctones, foi detectada em 14 novos países e territórios.
Iamarino diz que mesmo que haja menos casos em países mais frios, o Aedes albopictus, outro tipo do mosquito, é mais resistente a essas condições climáticas. O virologista fala sobre as viagens do Aedes pelo mundo neste vídeo didático em seu canal no YouTube, o Nerdologia:

Controle do mosquito
O consenso entre os pesquisadores ouvidos pelo Observatório do Clima é que a única forma de evitar epidemias é eliminar o mosquito. “O mosquito sempre foi portador dessas doenças. O problema é que ele se espalhou”, diz Margareth Capurro, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo.
Em locais quentes e com condições sanitárias ruins – cidades secas em que há reservatórios domésticos de água para consumo, por exemplo –, o mosquito encontra o ambiente ideal para se reproduzir. Foi provavelmente o que aconteceu em São Paulo em 2014 e 2015, anos em que o número de casos de dengue foi alto mesmo com um verão muito seco, no qual a população estocou água. Mas a pesquisadora afirma que a adaptação do Aedes ao meio urbano tem facilitado a sua proliferação. “Eu já encontrei larva do mosquito em papel de bala em Porto Velho”, conta.
Capurro diz que o controle do Aedes no Brasil deve considerar todas as alternativas – campanhas educativas, eliminação de focos, controle biológico, fumacê, armadilhas simples para o mosquito, mosquitos transgênicos –, mas que não adianta começar no verão, quando o mosquito já está em grande quantidade. “Tem que pensar no combate ao Aedes como uma guerra e usar todo o arsenal.”

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