O encontro gerou escuta e possibilitou descobertas sobre o direito à moradia digna e o respeito pela luta das mulheres nas comunidades.
Por Cláudia Pereira
“Eu acabei de descobrir, agora neste momento, que sofri a violência patrimonial. Fui obrigada a vir morar na ocupação em razão do meu ex-marido que me perseguia. A carga pesada fica nas costas de nós mulheres, nós é que ficamos com os filhos e todas as outras responsabilidades”, disse Cícera, uma das participantes do primeiro Seminário Nacional Seminário Sinergia Popular: Direito à moradia e à cidade.
O evento virtual reuniu mais de 70 participantes com o objetivo de fortalecer as iniciativas territoriais existentes nas capitais dos estados do Amazonas, Ceará e Rio de Janeiro. O Seminário foi o primeiro de uma série de três e integra as atividades da ação Sinergia Popular, iniciativa coordenada pelo Jubileu Sul Brasil (JSB), 6ª Semana Social Brasileira (SSB) e Central de Movimentos Populares (CMP).
Mesmo com as dificuldades e limitações de acesso à internet, as comunidades de Vito Giannotti, Zona Portuária do Rio de Janeiro (RJ), Planalto do Pici, Raízes da Praia, em Fortaleza (CE), e a comunidade do Cemitério dos Indígenas, em Manaus (AM) conseguiram se organizar para que todas e todos pudessem participar. Obedecendo ao protocolo de saúde da Covid-19, usando EPIs e respeitando o distanciamento necessário, reuniram aproximadamente 15 companheiras e companheiros em cada comunidade para participar do debate.
Neste primeiro seminário, a reflexão foi em torno da temática da moradia no Brasil, a partir do direito à cidade, na ótica das mulheres. Seguindo uma metodologia popular de aprendizagem, a arquiteta urbanista Raquel Ludermir, que é mestre e doutora em desenvolvimento urbano, partilhou o que é direito à moradia, as várias formas de ameaças diante ao direito constitucional de ter uma casa e um lugar digno para viver.
Raquel destacou ainda aspectos como a importância da moradia adequada, a crise habitacional que tem crescido consideravelmente no país nos últimos anos, sobretudo a desigualdade do direito à moradia para as mulheres. A urbanista pontuou também as consequências da violência doméstica em torno da moradia causada pela ineficiência das medidas protetivas para as mulheres no país e a violência patrimonial. “Perder os bens na separação e herança, também é violência doméstica”, destacou.
O encontro proporcionou também a partilha de experiências. As formas de violências estruturais e institucionalizadas que são vivenciadas nos territórios caracterizam as falas. Foram várias manifestações, relatos e sugestões sobre a questão da violência contra a mulher e os direitos de moradia negados ou negligenciados.
“Nas vilas e vielas as mulheres sofrem muito mais, aqui em fortaleza a realidade é a mesma de todos os centros urbanos, com a pandemia essas violações são ainda maiores”, compartilhou Beth Silva, de Fortaleza (CE).
Cristiane Malungo, do fórum de mulheres negras do Rio de Janeiro que participava do seminário, frisou que é preciso incluir as violações de direitos a moradia para mulheres e homens trans, travestis que não são prioridades em políticas públicas e sofrem com a falta de moradia digna.
“Precisamos refletir todas as formas de violência, temos homens inseridos dentro das nossas comunidades que são ativistas e são machistas. A maioria das lideranças das comunidades são mulheres e sofrem opressões e machismo. Eu penso que nós deveríamos educá-los e propor cursos de formação política. Precisamos respeitar a todos e isso evita conflitos internos e a luta pode ser mais harmoniosa nesta causa”, propôs Ana Leone, do Rio de Janeiro.
“Eu acabei de conhecer os direitos e violências que eu desconhecia. Meu Deus, como eu venci tudo isso? Eu perdi muitas coisas, eu sofri muitas agressões físicas, perdi moradia porque eu não sabia lutar e nem tinha esse conhecimento que acabo de saber com o Sinergia Popular”, refletiu Cristiane Miranda, da ocupação Alcir Matos, em Manaus (AM).
Ao encerrar o seminário a arquiteta urbanista Raquel Ludermir destacou que a melhor conclusão é saber que ninguém está só nos territórios e pontuou passos de como fortalecer as reflexões da moradia nas comunidades. “O primeiro ponto, nós precisamos conhecer os nossos direitos quanto mulheres, cidadãs e pessoas que vivem na cidade. O segundo, saber onde buscar ajuda, quais são os recursos, quais são as políticas públicas existentes, como funciona as defensorias e participar dos movimentos sociais porque a construção coletiva faz a força”, finalizou a urbanista.
A agenda de atividades da ação Sinergia Popular segue após o seminário com um cronograma de encontros presenciais e virtuais nas comunidades que integram a ação em Fortaleza, Manaus e Rio de janeiro. O objetivo é seguir o processo de articulação e formação sobre a temática do direito à moradia e à cidade.
Nos próximos dias será lançada a cartilha “Direito à moradia e à cidade”. A publicação foi elaborada especialmente como instrumento de reflexão e formação nos territórios. Além de ser entregue aos grupos, também ficará disponível na biblioteca do site do Jubileu Sul Brasil.
As iniciativas do Sinergia Popular têm o apoio do Ministério das Relações Exteriores Alemão, que garantiu ao Instituto de Relações Exteriores (IFA) recursos para implementação do Programa de Financiamentos Zivik (Zivik Funding Program) e é cofinanciado pela União Europeia. A ação também faz parte do processo de fortalecimento da Rede Jubileu Sul e das suas organizações membro.