Enquanto o governo ameaça os territórios com mudança na legislação de demarcação de terras, ações dão suporte às comunidades indígenas na recuperação de seu lugar de direito
Por Marcos Vinicius dos Santos* | Jubileu Sul Brasil
O direito à terra é uma prioridade na luta dos povos originários no Brasil. Vivemos em um país onde os ataques são constantes e, portanto, a atuação para a resistência dos indígenas é fundamental. Inserida nesse cenário, a ação Articulando povos indígenas e rurais para resistência ativa, realizada numa parceria do Centro de Pesquisa e Assessoria – Esplar, a Rede Jubileu Sul/Américas e Jubileu Sul Brasil, trabalha para mobilizar os povos indígenas, em especial os Tapebas, nas comunidades de Caucaia, município na Região Metropolitana de Fortaleza (CE), e os trabalhadores rurais de Choró, na mesorregião dos sertões cearenses.
A ação tem duração de um ano, até o final de setembro próximo, e como parte das atividades será lançado o estudo “Quanto vale uma vida?”, que exige a reparação das dívidas ecológicas que o projeto de desenvolvimento capitalista tem com os povos originários e trabalhadoras e trabalhadores do campo.
Em um primeiro momento, a ação se destinava também a realizar tribunais populares, porém as restrições impostas pela pandemia da Covid-19 forçaram os articuladores a adiar os julgamentos. Segundo a advogada Magnólia Said, educadora feminista e técnica do Esplar, os processos virtuais não teriam o mesmo efeito que a realização dos eventos presenciais.
“Um tribunal do júri está intimamente relacionado com a palavra, com o corpo, o movimento, e com a empatia com o público para que se produza um convencimento do que pretendemos almejar, que nesse caso é a possibilidade de criar um sentimento na sociedade acerca da demanda dos povos rurais e indígenas. Esperamos poder realizar esses tribunais até o final do próximo ano”, explica Magnólia Said. O principal objetivo é criar uma consciência coletiva sobre a posição do Estado como devedor, e devedor de uma dívida que só tem crescido, ressalta a advogada.
Atividades produtivas
Com a possibilidade de tribunais presenciais adiada por enquanto, a alternativa definida pelas organizações foram atividades para resistência ativa frente às perdas que o campo tem tido ao longo dos anos em função do descaso do Estado.
As agricultoras e agricultores familiares optaram por ampliar as suas atividades de apicultura (criação de abelhas com ferrão) e meliponicultura (criação de abelhas sem ferrão), estendendo o alcance da ação para mais famílias. O responsável pela iniciativa é o Grupo Apícola do Riacho do Meio, que produz mel há mais de dez anos.
Apesar dessa experiência, os últimos equipamentos adquiridos pelo grupo são de 2009 e não atendem mais ao aumento da demanda na produção do mel. Ao todo, neste ano foram produzidos mais de 500 litros de mel, esses já praticamente esgotados. O sistema possui 16 famílias envolvidas no grupo, além das que são beneficiadas indiretamente.
Em paralelo à produção de mel, os Tapebas utilizaram os recursos para desenvolver atividades voltadas para suas atividades produtivas e que são imprescindíveis na preservação dos recursos ambientais e sociais. Um exemplo é do replantio da mata nativa e o apoio às retomadas de territórios, que são necessários ao bem-estar das famílias e a sua cultura.
Os Tapebas
A retomada de territórios ainda não demarcados é parte importante do cotidiano dos Tapebas, que lutam há mais de 40 anos por uma demarcação justa. Os limites de seus territórios ainda são questionados na justiça por latifundiários e posseiros, sendo necessário ocupar esses territórios até que o Estado reconheça as terras indígenas, para evitar uma posse indevida.
O povo Tapeba é uma das 14 etnias indígenas do Ceará, que estão espalhadas por 18 municípios. Segundo Rosa Nobre, uma das articuladoras do Esplar, “o projeto trouxe a possibilidade de divulgar mais amplamente como vive a comunidade Tapeba no estado e a falta de apoio do poder público à manutenção de sua existência”, concluiu Rosa Nobre.
O Centro de Pesquisa e Assessoria – Esplar atua há mais de 45 anos na articulação conjunta em busca de fortalecimento das organizações de trabalhadoras e trabalhadores rurais, e no combate à qualquer tipo de discriminação de raça ou etnia, sempre em defesa do direito à terra, por isso a sua relação próxima com os trabalhadores do campo e povos originários do Ceará.
A iniciativa “Articulando povos indígenas e rurais para resistência ativa” é financiada com recursos da União Europeia por meio da Ajuda a Terceiros, no âmbito da ação Fortalecimiento de la Red Jubileo Sur / Américas en el logro del desarrollo y de la soberanía de los pueblos latinoamericanos y caribeños.
*Com supervisão de Jucelene Rocha