Flaviana Serafim (Jubileu Sul Brasil) e Glery Silva (Jubileu Sul/Américas)
Membro da Acción Ecológica (Equador), Patricia Tuqueres é uma perita comunitária especialista em investigação e defesa da natureza. É equatoriana, da província de Imbabura, a 114 km da capital Quito. Mulher quéchua do povo indígena de Otavalo, originário das montanhas de Imbabura, pertencente à comunidade San Juan de Inguincho, na área rural de Quichinche.
Em entrevista ao Jubileu Sul/Américas, Patricia compartilha sua experiência como perita ambiental, relata os desafios e fortalezas de seu trabalho nas comunidades equatorianas e seu papel na defesa dos direitos dos povos, seus territórios e da natureza. A formação da perita ambiental ocorreu numa parceria da Acción Ecológica, organização membro da Rede Jubileu Sul/Américas, e a Universidade Andina Simón Bolívar.
“O processo de acompanhamento é diário, observando, trabalhando dia a dia com as comunidades, vendo como é o seu cotidiano, como se reúnem, como se cultivam, como se organizam”, pontuou.
Patrícia destacou a importância de os peritos ambientais fazerem parte da própria comunidade, participando do cotidiano, ainda que sua atuação tenha que ser “neutra” ou “imparcial” para demonstrar os conflitos nos territórios.
1. Em que contexto/cenário ocorre a formação de peritos ambientais?
Patricia Tuqueres: O contexto em que ocorre a formação de peritos ambientais é, sobretudo, quando se percebe a necessidade de que as comunidades sejam ouvidas e analisadas pelas pessoas que já viveram nas comunidades. Podem estar próximas ou podem até mesmo ter os mesmos problemas da comunidade afetada para a qual a opinião do perito ambiental é solicitada.
A Acción Ecológica, com a Universidade Andina Simón Bolívar, viu a necessidade dos pareceres periciais às comunidades, nesse caso pareceres vistos por colegas de diferentes comunidades, de diferentes povos e nacionalidades, é que isso se faz. Acima de tudo, é ter uma forma de defender e demonstrar a vida real da comunidade, fazendo uma investigação do cotidiano de trabalho da comunidade em geral.
2. Como é a experiência de organização e acompanhamento neste processo?
O processo de acompanhamento é diário, observando, trabalhando dia a dia com as comunidades, vendo como é o seu cotidiano, como se reúnem, cultivam, se organizam. Vendo como trabalham e quem está envolvido no trabalho de organização em campo, e também quem é o responsável pela casa e pelo cuidado das crianças e dos idosos.
3. Quais seriam os próximos passos para a realização da atividade de perito especialista em questões ambientais?
Para atuar como perito dentro da comunidade a perícia deve ser solicitada pela mesma comunidade em conflito. Neste caso, depois de ter feito a investigação, de ter feito a análise e ter partilhado com a comunidade no dia a dia, a pesquisa é apresentado ao Ministério Público, à Controladoria, ao Tribunal ou a onde quer que nos chamem, visto que atualmente temos que apresentá-la como parte de um amicus de investigação, um amicus curiae (no termo jurídico, como parte imparcial ou neutra) que esperamos que, com o passar do tempo, possamos atuar legalmente da mesma forma que um advogado.
4. Quais desafios e pontos fortes você compartilha sobre o processo de planejamento, organização operacional e a contribuição para a construção da justiça socioecológica?
O maior desafio nisso é que nossas companheiras sejam participantes, para tirar o medo de falar sobre onde estão, que estão preocupadas, desesperadas, ameaçadas. Muitas vezes, mesmo sendo da mesma nacionalidade – somos indígenas, de comunidades próximas ou da mesma comunidade – elas não falam facilmente. Portanto, temos que ter uma noção disso para poder quebrar o gelo dentro da comunidade.
Um dos grandes pontos fortes é a vivência, e muitos de nós dos peritos somos defensores da natureza, então isso ajuda para que nossa atividade não seja tão complicada como é para um advogado, para um delegado, nesse caso o governo que entra, só olha e vai embora. O que fazemos em vez disso é atuar a partir de uma investigação de campo, da vida diária da comunidade, de seu caminhar e do compartilhar com eles. Essa é a nossa maior força: compartilhar, divulgar e demonstrar que esta é uma forma de apoiar para defender e continuar a defender territórios, comunidades, povos e nacionalidades.
5. E como é desempenhada a atividade das peritas e peritos ambientais?
Por mais que nos sintamos parte dessa denúncia, que nos sintamos afetados, que façamos parte ou coincidimos nos efeitos sofridos pelas companheiras e companheiros nas comunidades, temos que ser totalmente neutros e apenas demonstrar uma observação como peritos. Demonstrar literalmente o problema, o conflito que está ocorrendo dentro da comunidade, bem como demonstrar os fatos reais por que e para que a comunidade defende seu território.
Por exemplo, em um dos laudos periciais que tivemos que fazer, neste caso em uma comunidade ancestral chamada La Toglla. A comunidade defende muito a jurisdição comunal e o Cerro del Ilaló, então cabe a nós aí demonstrar porque Ilaló é importante para a comunidade e porque a comunidade quer manter a jurisdição comunal ancestral, ser autônoma, com sua própria justiça indígena, com governo próprio e não fazendo parte de um distrito, de uma área urbana em que perdem o morro que é sagrado para eles.
Então, nisso temos que demonstrar a importância do Cerro e desde quando, desde quando cultuam e quais foram os rituais, como tem sido o trabalho dentro da comunidade. É preciso ver tudo isso para que a perícia seja aprovada, mas da mesma forma temos que ser totalmente neutros. A única coisa que nos perguntam, o que podemos dar do nosso lado são recomendações, nada mais.