Em debate sobre o G20, Dario Bossi (CEEM-CNBB) defendeu o “multilateralismo a partir de baixo”, das comunidades na crise climática

Por Flaviana Serafim – Jubileu Sul Brasil

Na avaliação do padre Dario Bossi, assessor da Comissão para a Ecologia Integral e Mineração da Confederação Nacional de Bispos do Brasil (CEEM-CNBB), “não estão funcionando” os mecanismos de cúpulas internacionais, como a do Grupo dos 20 países entre as maiores economias globais, a Cúpula de líderes do G20 que ocorre em novembro próximo, no Rio de Janeiro (RJ). No último dia 24, ele participou como painelista convidado do debate “Austeridade, dívidas sociais e climáticas e a relação G20-FMI/Banco Mundial”, terceiro encontro do ciclo virtual “A Cúpula dos Povos: de pé frente ao G20”, iniciado em julho.  

“Estamos em um tempo profundamente grave, de crise de governança global, mas acabam representando os interesses de poucos. Institucionalizam, unindo a relação dos Estados com a relação das corporações. São espaços onde a lobby, o controle das corporações se tornou tão grande que as próprias empresas financiam estes grandes encontros e, portanto, determinam também seus desenvolvimentos e processos”, afirma.

Na exposição, Bossi fez uma análise crítica sobre o descumprimento, pelos países do G20, das metas do Acordo de Paris, tratado que estabelece medidas para reduzir o aquecimento global. Foi acordado em 2015, por 195 países signatários durante a 21ª Conferência das Partes (COP21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC).

Segundo Bossi, “o grande sucesso que se deu em Paris, em 2015, na verdade está se revelando uma falência, pois em 2024 os países já superaram o limite de 1,5 graus de aquecimento acima da média pré-industrial, “e a temperatura pode subir até 3º, 5º graus ainda neste século. É dramático”.

É por que isso está acontecendo? “Junto com a crise da governança global, é como o Papa Francisco já falava: as falsas soluções, que são de fato a ilusão posta em muitas das nossas comunidades, de que isso dá para ser resolvido a partir do poder das próprias corporações, dos investimentos do próprio sistema capitalista”, ressalta. 

Entre os exemplos, ele citou os mercados de carbono, “que na Amazônia demonstraram que não são monitorados, não são mensurados, não estão funcionando e se impõem nos territórios acima dos planos das comunidades”; e a transição energética:

“Vimos que se tornou um modelo muito teórico, pouco efetivo. Se quiséssemos de fato alcançar zero emissões de carbono até 2050, como é dito com o método da transição, já deveríamos deixar de investir hoje em petróleo. Ao contrário, a partir do Acordo de Paris, o Banco Mundial investiu bilhões de dólares em combustíveis fósseis, e os 60 maiores bancos do mundo investem trilhões de dólares, assim como o próprio G20 acabou investindo mais em fósseis. A transição é uma fábula”, afirma.

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Da Comissão Ecologia Integral e Mineração da CNBB, o padre Dario Bossi no debate transmitido ao vivo.

Multilateralismo a partir de baixo

Sobre a crise da governança global, Bossi retomou as palavras de Papa Francisco, defendendo um “multilateralismo a partir de baixo”, numa aliança “que venha das comunidades e dos territórios. Dizemos frequentemente que se muda a história do clima a partir dos territórios. Porque a partir de uma nova relação com os territórios, com os bens comuns que temos em cada região, e a partir de uma aliança estratégica entre comunidades que existem, é que se pode sim montar uma nova proposta que seja efetiva”, pontuou.

Bossi defendeu ainda “ousadia e o direito à exigência de destinação dos fundos de investimento financeiro”. Ele recordou que no Acordo de Paris os países firmaram compromisso de destinar 100 bilhões de dólares por ano para ajudar os povos em desenvolvimento na crise climática, mas que até agora os recursos não são aplicados como previsto.

“Esses fundos até agora não foram de forma alguma destinados. Outra questão é que esses fundos precisam ser distribuídos de maneira descentralizada, a partir de baixo”.

O debate “Austeridade, dívidas sociais e climáticas e a relação G20-FMI/Banco Mundial” também teve como convidadas Johana Peña, da Censat Agua Viva (Colômbia), Sonia Mara Maranho, do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB e Sandra Quintela, da Rede Jubileu Sul Brasil, com moderação de Beverly Keene, do Diálogo 2000 (Argentina), e transmissão ao vivo no canal da Tarima Digital (Paraguai).

Ao final, a moderadora Beverly Keene falou sobre os próximos passos das organizações e movimentos populares, incluindo o fortalecimento da educação ambiental popular e a expansão da denúncia de mecanismos como a troca de dívida por natureza ou a ação. Segundo a representante do Diálogo 2000, “fazem parte das falsas soluções promovidas pelo grande capital, através do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. Será um dos eixos a discutir no Tribunal dos Povos e da Natureza contra estas instituições”, que se reunirá no âmbito da Cúpula dos Povos frente ao G20, no dia 16 de novembro e 17, no Rio de Janeiro, uma iniciativa coletiva que acontece paralelamente ao calendário oficial do encontro de líderes do Grupo dos 20.

Assista:

Ciclo continua até novembro

Os debates ocorrem mensalmente até 26 de novembro, sempre na última terça-feira de cada mês, com transmissão ao vivo no canal da Tarima Digital e na página do Jubileu Sul Brasil.

Iniciado em julho, o ciclo A Cúpula dos Povos: de pé frente ao G20 tem o objetivo de aprofundar o debate sobre temas que estão em pauta na Cúpula de líderes do G20 (combate à pobreza, crise do clima, dívida, desenvolvimento sustentável, governança global e soberania), que ocorre em novembro próximo, no Rio de Janeiro. Por isso, a série de debates dá ênfase à perspectiva dos povos e territórios do Sul global nestas discussões.

A série de debates também visa fortalecer a mobilização popular e a reflexão sobre como as decisões da Cúpula do G20 afetam a vida cotidiana, uma vez que os chefes de Estado e de governo dos países do grupo decidem os rumos da política econômica e do neoliberalismo global.

Reserve a data dos próximos encontros virtuais:
29/10 – “Justiça e reparação: colonialismo, escravidão, genocídio”, com a economista e educadora popular Sandra Quintela, do Jubileu Sul Brasil, e Camille Chalmers, da Plataforma para o Desenvolvimento Alternativo do Haiti (PAPDA), professor na Universidade do Estado do Haiti e dirigente do partido Rasin Kan Pèp la.
26/11- Balanço: como seguimos?

O ciclo A Cúpula dos Povos: de pé frente é uma iniciativa da articulação do Cone Sul na Rede Jubileu Sul/Américas, em parceria com a Rede Jubileu Sul Brasil, Alba Movimientos, Diálogo 2000 (Argentina), Tarima Digital, Campanha Itaipu Causa Nacional (Paraguai), Conselho de Educação Popular da América Latina e Caribe – CEAAL e a Jornada Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo.

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