Por Cláudia Pereira| Rede Jubileu Sul
Mesmo diante das adversidades, as ocupações de Manaus (AM) inseridas nas ações do Sinergia Popular, possuem força, esperança e engajamento na luta por moradia. Esta é a constatação da coordenação, ao visitar as comunidades no final do mês de julho. Marcelo Braga Edmundo, que pertence à direção da Central de Movimentos Populares (CMP) e integra a coordenação do Sinergia, esteve em Manaus para acompanhar as iniciativas e articulações locais. A visita respeitou todas as orientações de cuidados sanitários, por causa da pandemia de Covid-19.
As ocupações Alcir Matos, Nova Vida e Coliseu II integram o Sinergia Popular e agora mais duas comunidades, Coliseu II e III participam em parte das ações. Nestas ocupações destaca-se o engajamento prioritário das mulheres. Desde o mês de junho elas participam dos encontros de formação e mobilização popular. As ações do Sinergia são uma iniciativa da Rede Jubileu Sul Brasil, 6ª Semana Social Brasileira e Central de Movimentos Populares e tem o objetivo de fortalecer as lutas existentes para a prevenção e mediação de conflitos urbanos.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Manaus possui 43 mil imóveis desocupados em situação de abandono. O Fórum de Reforma Urbana da cidade, aponta que na última década mais de 14 mil famílias sofreram remoções forçadas em três ocupações da capital amazonense. Nos últimos meses uma das ocupações que integra as ações do Sinergia Popular, Alcir Matos, enfrentou pressão da prefeitura com ações que não garantiram direitos para as famílias que optaram por sair e receber auxílio aluguel. A ocupação que surgiu em 2016 abrigou dezenas de famílias remanescentes da remoção da Cidade das Luzes. Localizada em um prédio de 15 andares na área central da cidade, algumas famílias resistiram a ação de saída voluntária e recusaram o auxílio aluguel oferecido pela prefeitura. Dezenove famílias chefiadas por mulheres reorganizaram-se e continuam na luta.
Uma das razões da vista em Manaus, era acompanhar esse momento de conflitos da ocupação. A coordenação do Sinergia Popular visitou as comunidades para apoiar as ações e orientar as organizações e movimentos envolvidos na luta. Marcela Vieira, articuladora local, afirmou que a visita reforça as ações e estimula as comunidades que têm participado cada vez mais e os desdobramentos têm sido bastante qualificados.
Na entrevista abaixo, Marcelo Edmundo falou sobre as perspectivas da luta pela moradia das mulheres da ocupação Alcir Matos e Nova Vida, duas comunidades que conseguiu visitar.
Como é a experiência de visitar essas comunidades e vivenciar o protagonismo dessas mulheres na luta?
Eu encontrei uma grande possibilidade de formação geral das comunidades. Apesar dos momentos que estamos atravessando no país, as mulheres demonstram força. A luta diária dessas mulheres pela sobrevivência é grande e o engajamento delas na luta por moradia é animador. Não é fácil trabalhar para sobreviver no dia a dia e ainda ter que lutar pelo direito da moradia adequada. Nós sabemos que essa luta é difícil, não é nada fácil se organizar e fazer formação de movimento. A situação da ausência do Estado nas questões de moradia e assistência social é um escândalo na cidade de Manaus. O que as mulheres da ocupação Alcir Matos sofreram no dia 20 de julho é um absurdo.
A prefeitura lacrou com concreto as portas dos andares que as famílias saíram. Fechou as portas dos andares com cimento e tijolos. Alguns pertences ficaram presos nos andares porque as moradoras não conseguiram retirar. Eu nunca havia presenciado tamanho absurdo. Concretaram as portas dos andares das 21 famílias que saíram e colocaram as 19 famílias que resistem em dois andares.
O único processo de despejo que havia foi extinto quando a comunidade obteve o direito de transformar o local em moradia social e não existe outra razão para retirar as famílias. O prédio possui boas estruturas e condições para ser moradia. Os problemas de infraestrutura que a prefeitura alega podem ser sanados. O acordo realizado pela prefeitura com as famílias que receberam o auxílio aluguel e saíram do prédio não garante direitos.
As mulheres que permaneceram na luta da ocupação Alcir Matos possuem potencial e saíram do último conflito ainda mais fortes.
Como foi a acolhida e as impressões da comunidade Nova Vida que também vive sob ameaças?
São mais de 900 famílias, boa parte das casas são de alvenaria, são famílias que já passaram por situações de remoções. São três anos de ocupação, ainda estão sob proteção até o final do ano, mas o argumento do poder público é que a ocupação está em área de preservação. Mas vejo um absurdo porque a comunidade que ocupa é indígena e são eles os maiores defensores das causas do meio ambiente e estão sendo expulsos de suas terras.
Percebi que os encontros de formação do Sinergia Popular proporcionaram para a comunidade estímulo e iniciativas. A comunidade pretende formalizar uma associação, fazer uma cozinha coletiva e agregar conhecimentos para reafirmar a luta. Foi um momento muito bom entre eles, falamos da experiência e resistência da comunidade Alcir Matos, da importância da organização popular para garantir os direitos.
Eu saí de Manaus com a impressão de que temos esperanças e a porta de saída para todos esses conflitos é o próprio povo. Como perspectiva, eu vejo que temos uma grande possibilidade de fortalecer as comunidades, muito além de estarmos com elas para apoiá-las. Temos condições de formar estas comunidades para uma maior conscientização popular. O povo precisa ser libertado.