“Reconhecer a ancestralidade é tornar sagrada a vida e todos os seres vivos que fazem parte da natureza” destaca a Agenda 2030 dos Povos de Terreiros, que traduz a cosmovisão das comunidades tradicionais indo ao encontro com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

Por Flaviana Serafim I Jubileu Sul Brasil

Na luta por justiça climática e visando contribuir para o alcance das 17 metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela Organização das Nações Unidas, o Instituto Terreiro Sustentável lançou a “Agenda 2030 dos Povos de Terreiros”.  O documento traduz e adequa os ODS a partir da cosmovisão dos povos e comunidades tradicionais de terreiros, e pontua: “Reconhecer a ancestralidade é tornar sagrada a vida e todos os seres vivos que fazem parte da natureza”.

A expectativa dessa iniciativa é demonstrar como os terreiros se organizam a nível local e atuam como polos de sustentabilidade, prestando apoio às comunidades do seu entorno e promovendo a luta por direitos desde suas práticas.

Levando em conta que os terreiros são quilombos urbanos e abrigam também pessoas em vulnerabilidade social, a agenda promove uma aproximação com os 17 ODS potencializando saberes e fazeres tradicionais dos povos de terreiro, com vocabulário adequado, além de uma metodologia e aplicação a partir dessa cosmovisão. O processo foi de construção coletiva, a partir de relatos e rodas de conversa virtuais, contemplando terreiros de todas as regiões do Brasil.

Considerando um dos objetivos monitorados pelo Jubileu Sul Brasil no âmbito do projeto Protagonismo da Sociedade Civil nas Políticas Macroeconômicas, o ODS 2 – “Fome zero e agricultura sustentável” – é, por exemplo, traduzido no documento na figura da divindade Obá, yabá guerreira que traz a cozinha como trincheira, a fim de promover a soberania alimentar, assim como a recuperação das plantas alimentícias não convencionais (PANCs) para o prato do povo, o reaproveitamento integral de alimento e o incentivo à criação de hortas nos terreiros.

O ODS 3 – “Saúde e bem estar” se conecta ao orixá “Obaluwaiye – Rei e senhor da cura”, que como a meta, tem o dever de promover os saberes e fazeres de terreiros em relação ao uso de plantas medicinais. Ações de combate à violência doméstica e feminicídios no entorno dos terreiros e comunidades é uma das metas do ODS 5 – Igualdade de gênero, associado a “Oxumaré, a serpente arco-íris”.

Já o ODS 13 – Ação contra a mudança global do clima é traduzido na divindade “Iroko/Tempo – senhor dos Tempos e do Clima”, propondo entre as metas para a diminuição da “pegada ecológica” dos terreiros e o combate ao descaso em relação à falta de auxílio às comunidades vítimas de desastres naturais. 

A “pegada ecológica” é uma metodologia de contabilidade ambiental para analisar os impactos do consumo das populações sobre os recursos ambientais. Criada por pesquisadores da Global Footprint Network (GFN), é uma ferramenta que permite repensar esse consumo para que possa ser readequado respeitando a capacidade dos recursos naturais da Mãe Terra.

Povos de terreiros e mudanças climáticas

Os povos de terreiros desde a ECO-92 têm participado ativamente do debate em torno das mudanças climáticas, engajamento que se aprofundou a partir da Cúpula dos Povos na Rio +20, onde defenderam os bens comuns e o embate à mercantilização da vida.

Nesse sentido, a defesa de um eixo específico contemplando a cosmovisão dos povos vem da necessidade de avanços na salvaguarda e proteção das comunidades tradicionais, aliada ao enfrentamento da intolerância religiosa, do silenciamento e da falta de políticas públicas a essa população.

“Discutir a Agenda 2030 a partir da realidade e da cosmovisão dos povos de terreiro é fundamental para tornar popular e acessível esse debate e colocá-lo à serviço das populações e comunidades que de fato são as mais impactadas por esse modelo de desenvolvimento hegemônico racista e patriarcal. Sobretudo garantir a proteção dos povos que, com sua resistência ancestral, garantiram a perpetuação das espécies e da biodiversidade, a preservação da memória e territorialidades e, portanto, a reprodução da vida” afirma Aline Lima, umbandista e coordenadora geral do Instituto PACS.

Confira a íntegra da Agenda 2030 dos Povos de Terreiros:

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