Nos últimos dois anos, a Associação de Preservação do Meio Ambiente e dos Rios Amazônicos (APREMARA) tem lutado contra a construção de mais duas hidrelétricas no Rio Madeira, que divide fronteiras entre Rondônia e a Bolívia
*por Marcos Vinicius dos Santos
Em atuação conjunta com a Associação de Preservação do Meio Ambiente e dos Rios Amazônicos (APREMARA), a Rede Jubileu Sul somou forças à ação “Nenhuma Hidrelétricas a mais na Amazônia: Contra as barragens, em defesa da vida!”.
A iniciativa da APREMARA, realizada de 2020 até 2022, busca apoiar as lideranças locais e auxiliar na organização dos moradores para enfrentar a construção do sistema de hidrelétricas Tabajara, no Rio Machado, em Machadinho D’Oeste, e Ribeirão, em Guajará-Mirim, no Rio Madeira. Visa fortalecer a resistência popular nos territórios frente aos projetos hidrelétricos e garantir os direitos das populações.
Os megaprojetos na Amazônia carregam muito mais do que a construção das duas hidrelétricas, como explicou Francisco Kelvim, articulador da APREMARA e coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB). “Os estudos feitos na região Binacional estão numa lógica de redução das áreas de conservação da região. O Tabajara, por exemplo, se encontra em uma região que tem mais reservas extrativistas. Por isso tem uma lógica de um plano de desenvolvimento muito ligada ao plano de expansão da produção de commodities”, pondera.
A região de Machadinho d’Oeste é um dos territórios com mais conflitos de terra do país e sofre com a atuação dos grileiros. Além disso, o município de Candeia do Jamari é rota do tráfico internacional de drogas. Apesar dos desafios, a articulação da APREMARA conseguiu levantar um debate sobre os novos projetos para o Rio Madeira.
Nesses dois anos de mobilização conjunta, a principal preocupação foi difundir informações sobre os efeitos nocivos do projeto, especialmente no período em que a pandemia esteve mais aguda. Francisco Kelvim vê se repetir a estratégia usada na construção das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio (RO).
“Foi feita uma grande propaganda, uma grande promessa de energia barata e de qualidade do Estado, além de crescimento econômico com emprego, e isso não aconteceu. Nessa região de Machadinho do Oeste, o município onde vai ser implantado a Hidrelétrica do Tabajara tem mais de 40 mil habitantes e não é ligado ao Sistema Interligado Nacional de Energia. Imagine 40 mil pessoas e uma qualidade péssima da energia. Mesmo após a concessão do que seria a quarta ou quinta maior geradora de energia elétrica no Brasil, em Rondônia, no estado do Rio Madeira, e do lado dessas regiões, as pessoas não têm acesso à eletricidade”, explica.
As observações são feitas a partir da experiência relatada sobre a construção de Jirau e Santo Antônio na mesma bacia hidrográfica. Ambas construções passaram por cima de diversas leis ambientais, removendo os moradores e sem o retorno propagado. A região continuou fora do plano nacional de energia elétrica e não se gerou mais empregos, mas sim uma série de desastres ambientais, com a cheia de 2014 e 2015 no Rio Madeira.
Na época, após o início do funcionamento em Santo Antônio, a região sofreu com uma cheia histórica no Rio Madeira, resultado da superacumulação de água – acima do permitido por lei – nos lagos das represas, para maximizar a taxa de lucro das empresas. A construção modificou a região, fazendo com que a população perdesse os seus territórios, sem nenhum tipo de compensação.
Ação durante a pandemia
O descaso do governo federal com a pandemia de corona vírus deixou o Norte do país em estado crítico. Os esforços do movimento se concentraram em auxiliar os territórios com a distribuição de cestas de alimentos, de máscaras e kits de higiene às famílias atingidas e ameaçadas por barragens.
Ao todo foram entregues mais de 2.400 cestas de alimentos, 3.400 máscaras, 2.275 kits de limpeza nestes dois anos. Esse processo permitiu uma maior aproximação com diversas regiões, expandindo a ação que atuou em sete municípios de Rondônia, entre os quais distritos de Porto Velho, as comunidades Jaci-Paraná, Brasileira e Bom Será, no baixo Madeira, nos bairros urbanos dos municípios de Candeias do Jamari, Itapuã do Oeste, Nova Mamoré e Guajará-Mirim.
Essa aproximação com a ação Nenhuma Hidrelétricas a mais na Amazônia, em conjunto com estudos de especialistas, mudou a percepção das comunidades sobre a presença das empresas investidoras nesses territórios. Segundo o coordenador do MAB, as corporações se aproveitaram da pandemia e instauraram seus escritórios para mapear a região, muitas vezes sem o consentimento até das prefeituras.
É nesse ponto que Francisco Kelvim destaca a importância da ação, já que o apoio à difusão de informações garantiu que muitos moradores – que viam os estudos sendo realizados, suas terras sendo demarcadas, mas sem saber o porquê – pudessem conhecer a estratégia de implementação desses megaempreendimentos. O resultado disso foi o recuo de algumas empresas interessadas em investir na região, que acabaram por remover seus escritórios dos municípios e se recusam a discutir com a APREMARA sobre os estudos de impacto ambiental desses megaprojetos.
“A única forma de garantir a participação daqueles que vão ser atingidos com esses projetos, garantir que os seus interesses, das comunidades, dos coletivos sejam levados em consideração é com essas pessoas organizadas. Só assim que a gente consegue balancear essa luta contra as grandes empresas desse projeto na Amazônia, no Brasil”, concluiu.
A iniciativa, realizada desde março de 2020, integra a ação de ajuda a terceiros do Jubileu Sul/Américas e Jubileu Sul Brasil no âmbito do projeto Fortalecimiento de la Red Jubileo Sur/Américas en el logro del desarrollo y de la soberanía de los pueblos latinoamericanos y caribeños, cofinanciado pela União Europeia.
*com a supervisão de Flaviana Serafim
**O conteúdo dessa reportagem é de responsabilidade exclusiva da Rede Jubileu Sul Brasil e não representa necessariamente o ponto de vista da União Europeia.