Por Débora Lopes, da Vice
Faz muito calor em Boa Vista, capital de Roraima. Na maioria das esquinas do bairro Caimbé, três ou quatro jovens se reúnem e é comum vê-las jogando o cabelo pro alto da cabeça e se abanando. O clima é úmido e abafado. Essas jovens mulheres venezuelanas, de 18 a 25 anos, encontram na prostituição uma maneira de conseguir dinheiro para se alimentar e pagar o aluguel de uma pensão. Por tomarem as vias do bairro, ficaram conhecidas como “las ochenta”, já que as brasileiras cobram R$ 100 por programa e as venezuelanas, R$ 80.
Exército e a Polícia Federal estimam que 500 imigrantes cruzam a fronteira diariamente. No Brasil, eles fazem tudo o que é possível para sobreviver. Enquanto não conseguem emprego formal, vendem doces e limpam vidros de carro nos semáforos — e boa parte afirma receber ofensas e até mesmo ameaças com armas de fogo de motoristas já enfurecidos com a proliferação de venezuelanos pela cidade.
Na noite da última terça (21), conversei com José Oliveira, professor voluntário da Associação de Bem com a Vida, que, além de dar aulas de português para imigrantes em situação de vulnerabilidade, distribui preservativos concedidos pelo governo entre as jovens profissionais do sexo. Ele explica que, diferente do Brasil, não há distribuição de camisinhas na Venezuela. Por ter muitas alunas que estão na prostituição, José inclui também aulas sobre prevenção de DSTs em sua grade de ensino.
Descemos do carro com uma quantidade generosa de pacotes de preservativos e gel lubrificante dentro de sacolas. O professor improvisa um portunhol: “Hola, somos de la salud. Temos camisinhas.” Elas não hesitam e logo partem em nossa direção. Entregamos cerca de 15 camisinhas para cada. Quando elas veem o gel lubrificante, parecem se animar. “Gel, yo quiero gel”, falam.
Logo na primeira roda de meninas, converso com Daniela*, de 21 anos. Na Venezuela, fazia faculdade de comunicação social, mas explica que o ensino foi decaindo com a crise. Não havia professores, aulas, transporte e a falta de comida dos últimos tempos piorou tudo. Por isso, ela largou o país e veio para o Brasil com a mãe.
Daniela tem um cabelo preto comprido e levemente ondulado. Usa um shorts jeans curto e uma blusinha pink. É extremamente comunicativa e inteligente. Conta que não se prostituía na Venezuela, mas que a situação também não está boa no Brasil.
A mãe sabe da vida profissional da filha, mas não gosta nenhum pouco da ideia. “Mas não tenho outra opção hoje”, desabafa, segurando os pacotes de camisinhas e de gel. “Como pagamos aluguel aqui, ainda não conseguimos juntar dinheiro pra enviar a nossa família na Venezuela.”
Daniela reforça que além de não existir distribuição de camisinha pelo governo, é raro encontrar o produto nas prateleiras das farmácias em seu país natal. E, quando tem, custa caro, assim como a maioria dos produtos diante da hiperinflação de 82.000% no governo de Nicolás Maduro.
Daniela diz que sabe falar um pouco de inglês, mas que gostaria de aprender outras línguas e que queria ser jornalista. O professor José aproveita o gancho e a convida para frequentar as aulas de idiomas da associação em que atua. Daniela se empolga e diz que pela manhã irá encontrar o professor na sala de aula para fazer a inscrição.
Nos despedimos e seguimos pelo bairro. Em todo o trajeto, não vejo clientes, apenas alguns homens de bicicleta que param pra conversar e logo vão embora. Parecem amigos, não clientes. José me conta que muitos deles são traficantes.
Em outra esquina, uma venezuelana me conta que apesar de serem conhecidas como “las ochenta”, têm cobrado R$ 100 pelo programa e que muitos clientes se dispõem a pagar somente R$ 50. “Não vale a pena”, menciona. Pergunto se o movimento está bom e ela diz que não.
O professor diz que algumas mulheres acabam topando um valor mais alto para transar sem camisinha. “Eu sugeri a estratégia de que, nesses casos, elas pelo menos usem a camisinha feminina.”
Quando notei uns preservativos femininos nas sacolas, passei a distribuir para as meninas enquanto perguntava: “Você usa desse aqui?”. A maioria disse que sim, mas muitas nem conheciam. “Obrigada, mi amor”, uma delas me respondeu.
Caimbé é um bairro residencial e José relata que os moradores não gostam da transformação da região em zona de prostituição. “Funciona 24 horas. Se você vier de manhã, vai encontrar várias meninas. Umas viram a noite, outras trabalham de dia.” Questiono se já havia algum lugar assim na cidade antes da chegada das venezuelanas. “Existiam alguns pontos, mas não uma concentração. E as brasileiras não gostam das venezuelanas. Tanto que não se misturam. Brasileiras, travestis e venezuelanas ficam em lugares separados”, pontua.
Continuamos dando voltas pelo bairro de Caimbé até que os preservativos se esgotem. Antes de ir embora, pergunto quantas camisinhas José costuma entregar. “Quatorze mil por mês. Mais que os postos de saúde de Boa Vista”, rebate. No outro dia, me encontro novamente com o professor e pergunto se Daniela foi se inscrever nos cursos de idioma. Ele responde que não.
*O nome da entrevistada foi alterado para preservar sua identidade

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