As comunidades que fazem parte do Movimento dos Conselhos Populares (MCP) em Fortaleza, no Ceará, se reuniram ontem, dia 27 de setembro, na comunidade Raízes da Praia, em uma oficina onde puderam conhecer mais os efeitos das mudanças climáticas e sobre o direito à comunicação. Participaram da atividade moradores/as do Planalto Pici, Conjunto Palmeira e Raízes da Praia.
Cecília Feitoza, bióloga e militante ambiental, do partido Socialismo e Liberdade (PSOL) foi uma das assessoras para a conversa sobre mitigação, adaptação e incidência. A proposta foi fazer um diálogo inicial sobre o que são esses conceitos, dando alguns exemplos e ressaltando as consequências disto para o planeta, que já sofre drasticamente com os efeitos do aquecimento global – tema que norteou a conversa.
Antes de tudo, Cecília explicou que todas essas questões climáticas passam por um crivo classista. “Há uma injustiça ambiental. Entendemos que o sistema não é utilizado da maneira igual para todos E, geralmente, quem paga por essas consequências são as populações pobres”, afirmou.
Para citar um exemplo próximo da região Nordeste, Cecília citou o exemplo da seca, que há anos afeta milhares de famílias por conta da falta de água. De acordo com ela, a crise hídrica não é só um problema climático, mas de gestão também “Quanto mais aquecido estiver o planeta menos água vamos ter”, comentou.
O aquecimento global é uma realidade – disse – e as consequências estão aí. A emissão de gases sem nenhum controle tem consequências terríveis. “A queima as substâncias que estão no solo, como é o caso do petróleo, precisa ter um controle. Está tudo aqui onde estamos, nessas cadeiras em que estamos sentados, nas canetas que estamos usando. Nesse século XXI tivemos um consumo intenso de petróleo e, com isso, mais emissão de gases”, explicou.
Acrescentou que o mercado do petróleo é que mais lucra. Há concentração de riqueza e poder em cinco corporações. O sistema capitalista é responsável pelo que está acontecendo. Essas corporações ainda conseguem isenção fiscal e enquanto o aquecimento global aumenta é a classe trabalhadora quem paga e quem sofre as consequências.
“Um exemplo claro dessas consequências são as pessoas que moram em zonas de praia – pescadores, ribeirinhos – que dependem muito dessa relação estabelecida com a natureza historicamente. Os mares são os pulmões do mundo. Existe um equilíbrio dinâmico. O aquecimento global submete, dentro dessa lógica de mercado capitalista, as pessoas mais afetadas, são elas as vulnerabilizadas por esse sistema”, afirmou.
Pecém, um problema
No Ceará, a Usina Termelétrica Energia Pecém, no município de São Gonçalo do Amarante, expropriou várias famílias que, mesmo distantes de seus locais de origem sofrem os efeitos da da usina. O pior, coloca Cecília, é que nosso Estado aceita. “Precisamos parar o Pecém por todo o prejuízo que causa. Há um roubo da água. Para queimar o carvão são necessários 1000 litros de água por segundo. Isso vai diretamente pro ar, aquecendo mais o planeta.
“Queremos que essas multinacionais parem já. Precisa parar essa produção. Já bastam tantas isenções de impostos. Por isso é importante haver uma auditoria da dívida. De onde vem essa dívida pública? Estamos pagando o que não devemos”, afirmou Cecília.
Mitigação
Segundo Cecília Feitosa no momento em que se mobiliza em torno dessas lutas, seja por moradia ou para interferir num projeto que só causa prejuízo ao meio ambiente, se está claramente fazendo mitigação. “O movimento organizado, unido e fortalecido é uma das melhores formas de mitigação para mudar uma situação injusta provocada pela ação humana e por interesses que não são para o coletivo”, disse.
A reforma agrária, acrescentou, nesse cenário de luta de classes, é também uma forma de mitigação. “A distribuição de terra é essencial para garantir o trabalho dos pequenos agricultores. A produção em larga escala do grande latifúndio, com a criação de gados, se fosse reduzida também reduziria a emissão de gases, diminuindo o aquecimento global”.
Na área urbana, ela citou a qualidade do transporte público de Fortaleza. De acordo com ela, a mitigação pode estar em pontos que às vezes passam sem ser notados, mas fazem muita diferença. A poluição emitida por tantos carros poderia ser reduzida se tivéssemos um projeto de transporte público que atendesse realmente as demandas da população. “Como não temos o que acontece é que se parte para o individualismo e cada pessoa tem que usar o seu carro quando se tivéssemos um serviço público de qualidade isso não seria necessário”, comentou.
Dando um exemplo mais prático, já que a oficina aconteceu na comunidade Raízes da Praia, que resiste ha 6 anos depois da ocupação de um terreno sem função social, em plena beira mar de Fortaleza, Cecília apontou como solução o uso de placas solares para que a comunidade fizesse um uso natural da energia solar ao invés de pagar contas para a companhia de energia do Estado. “Elas [as placas] não são caras. É um investimento e muito viável para áreas como ocupações”, ressaltou.
Ainda para conter o avanço do aquecimento global, a assessora sugeriu que se plantassem mais árvores. Em 2013, manifestantes de diversos movimentos sociais organizados em Fortaleza ocuparam uma área do Parque do Cocó, uma das poucas áreas verdes da capital cearense. O protesto aconteceu por causa do anúncio da construção de um viaduto para melhorar o tráfego de carros. A ocupação conseguiu impedir o corte de, pelo menos, 70 espécies de árvores. A recordação trazida por Cecília, mais uma vez, coloca a mitigação como luta, mobilização e direito.
Comunicação popular
“A gente entende que comunicação precisa ser um direito. Que não podemos nos guiar pelo que essas grandes emissoras dizem”. A fala é de Cícera Martins, moradora do Planalto Pici, logo após exibição do vídeo “Levante sua voz”, uma realização do Coletivo Intervozes, que abordou o tema sobre o direito à comunicação e de como a informação veiculadas pelas emissoras influenciam de forma negativa a população.
A assessoria da oficina foi feita pelos/as comunicadores/as Amanda Sampaio e Elitiel Guedes. Amanda falou sobre a importância de as comunidades terem voz sobretudo num cenário midiático dominado por interesses que ignoram os problemas das população, marginalizando movimentos, impedindo a efetivação de um direito básico.
Se falou bastante sobre como a mídia estimula de forma demasiada o consumo e de como a concentração de um monopólio de comunicação em mãos de pouco pode ter consequências graves para a democracia.
Após o debate, o grupo se reuniu para fazer um jornal mural, como parte prática da oficina. A proposta foi fazer com que a comunidade tenha conhecimento de que ela mesma pode fazer seu meio de comunicação de forma livre e independente. Assim, orientados por Amanda Sampaio, foram colocado vários temas que fazem parte do dia a dia dos/as moradores/as do Planalto Pici, Palmeira e Raízes da Praia.
O vídeo exibido pode ser visto aqui:
AnotE/Jubileu: Material produzido com o apoio do Fundo Especial Clima e Desenvolvimento (Brot für Alle e Fastenopfer)”