Lançada em fevereiro de 2021, a pesquisa “A dimensão de gênero no Big Push para a Sustentabilidade no Brasil: As mulheres no contexto da transformação social e ecológica da economia brasileira” (confira a íntegra clicando aqui) realizada pela CEPAL e Fundação Friedrich Ebert, tem como objetivo contribuir para o debate crítico sobre as políticas de enfrentamento às mudanças climáticas que colaborem também para alcançar a igualdade de gênero no Brasil.
Nesse contexto, entrevistamos uma das autoras do estudo, Letícia Graça, internacionalista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisadora decolonial sobre a economia e o protagonismo das mulheres em resistência ao capitalismo. Letícia integra o (Núcleo de Estudos e Pesquisas de Economia e Feminismos (NUEFEM) da UFRJ e é militante da Marcha Mundial das Mulheres. Confira nossa conversa realizada pela equipe da Rede Jubileu Sul Brasil, Raíssa Lazarini, Thayane Queiroz e Yasmin Bitencourt.
Como foi para você, e para a equipe também, desenvolver o trabalho sobre a dimensão de gênero no big push para a sustentabilidade no Brasil, nesse período de pandemia… nesse formato à distância em que estamos vivendo?
Letícia Graça: O estudo é uma agenda puxada pela CEPAL Brasil, conectada à CEPAL América Latina, e pela FES Brasil. Eles já vêm desenvolvendo a questão de usar a teoria do big push há um tempo, mas foi a primeira vez que eles quiseram expandir para a dimensão de gênero. Então foi uma consultoria pensada já dentro da pandemia, mas muito no começo; então, se pensou que o final do estudo, por exemplo, o relatório final poderia ser feito presencialmente, que as etapas das oficinas também, e não foi. Primeiro de tudo: foi muito interessante que ao longo do desenvolvimento do estudo, a equipe de consultoras – que sou eu, a Margarita Olivera, a Maria Cecília Lustosa e a Maria Gabriela Podcameni, a gente ia se deparando, principalmente na discussão da lente feminista, com muitas questões que estávamos vivendo naquele momento. Então, a pandemia sempre esteve como pano de fundo, tanto pela nossa experiência pessoal, do que estávamos vivendo, como também por entender que a pandemia não trouxe novos problemas para a vida das mulheres, ela na verdade escancarou e intensificou, de uma forma absurda, as brechas estruturais de gênero que já existiam.
Acho legal explicar que a teoria do big push para a sustentabilidade é um resgate da teoria estruturalista e desenvolvimentista cepalina que surgiu nos anos 1950. Em particular, o big push atual foca nos grandes investimentos, como elementos centrais para mudar as estruturas produtivas na América Latina, mas incluindo um olhar desde a sustentabilidade e agora também o gênero. Então, o estudo parte muito da necessidade de pensar quais são os investimentos que são necessários para que a gente possa pensar em sustentabilidade, de forma que contribua para a diminuição das opressões, diminuição das brechas socioeconômicas e também ambientais. O estudo partiu muito desse lugar. E é interessante falar aqui que, por ser desenvolvido dentro da pandemia, totalmente virtual, foi muito ruim porque a gente esperava ter um contato maior com algumas lideranças feministas, uma proximidade maior… Desenvolver um estudo que não fosse tão teórico, mas também teve esse lado de, por exemplo, na oficina (que foi um dos produtos da consultoria), a gente ter a presença de mulheres de todo o Brasil – que é uma coisa que a pandemia trouxe muito para a gente, de poder conectar pessoas que antes seria uma dificuldade para estar juntas. A oficina havia sido pensada para um número e aí depois que se percebeu que ia ter de ser virtual, ela se expandiu muito, e isso foi muito rico para o processo; porque a gente teve uma presença muito diversa da sociedade civil, que eu acho que foi o mais rico, mas também das instituições governamentais e do setor privado. Então, óbvio: a gente tem nossas limitações, enquanto pesquisadoras, mas o nosso lugar enquanto ativistas fez com que a gente pudesse incluir mais outras visões.
E, por último, foi um processo muito legal no acompanhamento que tivemos com a CEPAL da América Latina e ONU Mulheres, regional e local. Então, isso enriqueceu bastante, foram muitas trocas. A grande maioria dessas trocas por mulheres, vivendo aquelas questões que a pandemia trouxe e acirrou. E a oficina, essa que eu falei, foi um momento de troca muito rico, porque justamente por ter um olhar feminista muito claro, as mulheres se sentiram muito à vontade para contar experiências pessoais e sempre muito conectadas ao que a gente estava tentando trazer. Foi mais ou menos essa a construção.
O estudo evidencia que as mudanças climáticas têm impactos diferenciados sobre os corpos feminizados. Quais seriam eles?
Letícia: A gente partiu, como hipótese inicial, muito do olhar da divisão sexual do trabalho na vida das mulheres, entendendo que essa divisão – e aí resgatamos, durante o estudo, todo o processo de ascensão do capitalismo e como isso fez com que as mulheres fossem subalternizadas a partir de serem colocadas no lugar da responsabilidade apenas pelo trabalho reprodutivo e, quando trabalhos remunerados, estarem ocupando setores da economia do cuidado (pode ser remunerados ou não)… a gente partiu da hipótese de que essa divisão coloca as mulheres e dissidências, os corpos feminizados, em um lugar de vulnerabilidade que é diferenciado do dos homens.
Só um parêntese: esse lugar de vulnerabilidade, a gente entende muito no estudo, que não é um lugar de passividade, como se essas mulheres ocupassem um lugar em condição de vítimas. Isso também faz parte da hipótese, porque a gente quis entender como elas estão nesse lugar e, por serem protagonistas das resistências e das soluções, elas precisam ser incluídas para pensar também nos investimentos, dentro do âmbito do Estado ou não, que precisam ser incentivados para que as mulheres sejam menos afetadas em suas vidas.
E aí focando no câmbio climático, a gente se deparou com várias questões, mais específicas da vida das mulheres, como por exemplo os eventos drásticos, os eventos extremos… como que afetam mais a vida das mulheres, que estão nesse lugar de responsáveis pela reprodução da vida. Então, por exemplo, a segurança alimentar… a gente sabe que as mulheres, na maioria dos lares, são responsáveis por garantir principalmente a alimentação, a segurança nutricional alimentar. E aí, quando a gente pensa principalmente nas mulheres do campo, como elas se expõem mais, como as mudanças climáticas vão trazer uma sobrecarga de trabalho de cuidado… como, por exemplo, em lugares onde se tem fortes secas, como elas vão precisar andar muito mais para conseguir acesso à água, a busca pela lenha, e como isso também vai trazer uma sobrecarga na vida delas. E pensando também no âmbito urbano, a gente tem mulheres diariamente muito mais expostas ao contágio por Covid, mas também por outras enfermidades. E é sempre importante frisar que não estamos falando de mulheres como uma categoria única, mas sim as mulheres em suas múltiplas existências.
Outro ponto importante é a questão da perspectiva de que as mulheres historicamente estão nesse lugar, não de uma perspectiva ecofeminista, de que elas têm uma inclinação biológica ou algo do tipo, mas sim pela divisão sexual do trabalho, que faz com que elas tenham uma ligação muito forte com seus territórios – porque historicamente elas são responsáveis pela manutenção da vida. Então, isso as coloca na linha de frente tanto em receber esse impacto mais forte, como também de produzir soluções.
Pensando mais na perspectiva nacional…dentro do estudo quais limitações vocês observaram na formulação e implementação das políticas brasileiras relacionadas ao clima?
Letícia: Uma coisa que eu gostaria de ter falado na primeira pergunta é que, na construção do estudo, a gente enfrentou muitas limitações, não só pela pandemia, limitações de construção, mas eu acho que uma limitação muito importante de se falar é a limitação de dados, a ausência de dados – o que por si só é um dado. Então, quando a gente estava construindo a nossa perspectiva, a gente sentiu muita falta de dados que pudessem interseccionar socialmente, ambientalmente, economicamente, e dados mais específicos sobre mulheres e corpos feminizados, mulheres e dissidências em sua diversidade. Então a gente sentiu uma falta absurda de dados sobre mulheres indígenas, quilombolas, mais dados sobre mulheres pretas e pardas… então, isso foi uma coisa que influenciou muito no estudo e que é importante da gente estar pautando, porque esses dados precisam ser construídos. Foi uma coisa que a gente apontou nas recomendações finais de políticas públicas, que a gente precisa pensar em como construir esses dados.
Indo para sua pergunta, a gente tem um capítulo no estudo que é basicamente só sobre isso, o capítulo 2, que é a construção de um mapeamento das políticas climáticas e ambientais, um mapeamento da implementação dessas políticas no Brasil, e se elas mencionam gênero, se não mencionam, se há essa transversalização em matéria de gênero. E aí a gente nem avançou muito em que gênero seria esse, porque realmente – e aí falando do resultado -, a gente diagnosticou que há uma ausência enorme do olhar de gênero, da transversalização. E, como é conhecido, o Brasil tem uma capacidade técnica boa, positiva, mas não tão aplicada, de formulação de políticas públicas. Então, a grande maioria dos documentos que mencionava gênero ou populações vulneráveis, que aí incluía mulheres e dissidências… mencionava, mas não tinha mecanismos de implementação dessas políticas. Então a gente vê que, principalmente nas políticas focadas em clima, há um tecnicismo enorme: são políticas completamente afastadas da realidade, em que vemos claramente uma ausência de participação política de corpos feminizados, de mulheres; porque vemos, claramente, que são políticas que não foram feitas por elas e nem para elas.[1]
A gente focou na INDC brasileira, que é a Contribuição Nacionalmente Determinada… a gente focou nos ODS, na implementação da Agenda 2030, que a nível de Brasil e a nível regional – e aí tem essa conexão regional que é muito importante: o Brasil é um dos países que menos está implementando a Estratégia de Montevideo e o Acordo de Santiago, que são alguns dos acordos que o Brasil ratificou. E tem também o Acordo de Escazú, que é um acordo muito importante ao pensarmos em sustentabilidade, que o Brasil nem sequer ratificou. E também a gente fez uma análise do Acordo de Paris, que orienta a INDC. E aí a conclusão foi esta: há pouca menção a gênero, foi bem técnica essa parte, e quando há não tem um sistema de implementação bem formulado. Então, isso é um reflexo muito claro. Sem contar que menciona gênero sem entrar em detalhes sobre mulheres indígenas, quilombolas, pesqueiras, ribeirinhas… geralmente é gênero como categoria vazia. E foi um pouco isso, esse marco regulatório que a gente fez. Então mostra que, principalmente de uns tempos para cá, tem tido uma redução enorme da implementação dessas políticas ambientais.
Não é novidade, mas quando estávamos fazendo o mapeamento foi um pouco chocante, porque com toda a problemática em cima disso, a gente esperava que gênero já estivesse mais estabelecido como lente de análise. E aí, ao ver a fundo, não está. A mesma coisa com os dados também. Os dados são super difíceis, inclusive o relatório tem alguns dados inéditos que foram levantados, mas assim: muito difícil, foi uma parte muito difícil. Qual é a solução para a gente continuar pesquisando?
Yasmin: E não tem como a gente construir, só a gente, esses dados. A gente precisa de outras estruturas para tê-los, que não estão avançando para construí-los, nem nas ideias que permitam um dia construí-los.
Raíssa: Pelo contrário, a gente está tendo desmonte. É um apagão de dados o que a gente vem sofrendo de 2018 para cá…
Letícia Graça: Sim, e aí acho que a gente tem algumas respostas a nível micro como, por exemplo, a cartografia social e o incentivo à produção de dados locais. Mas, uma coisa que eu aprendi, que eu não sabia, mas que estando muito em contato com essas economistas, é que dado é macro e precisa de estrutura macro. Não adianta – ainda mais pensando em níveis de Brasil e América Latina e Caribe, não adianta assim…
Você fala – no início, logo apresentando um pouco estudo – que vocês trazem esse impacto nos corpos feminizados, sem colocar as mulheres em uma posição passiva; colocam, pelo contrário, que há resistência, essa luta cotidiana, organizada por vezes, frente a todo esse avanço do sistema capitalista, heteropatriarcal e extrativista. Acho que seria legal trazer um pouco dessas experiências, de como tem sido o protagonismo das mulheres nessas resistências e defesa dos comuns; as inspirações desde o feminismo comunitário etc.
Letícia Graça: Porque, no início, a gente sentiu muito isso – e por isso que eu marquei bastante na minha fala – um olhar de colocar a mulher em um lugar de vulnerabilidade. É geral, e principalmente nas políticas climáticas, que é uma área de conhecimento construída sempre desde o Norte, são políticas que zero leem a realidade do Brasil e são zero pensadas para a realidade da região – que, inclusive, são as mais atingidas pelas mudanças climáticas. Então, se parte muito de um olhar um pouco liberal sobre as mulheres e dissidências, e sempre querendo colocar a mulher nesse lugar de vulnerabilidade: “as mudanças climáticas vão deixar as mulheres mais vulneráveis, as mulheres que são as mais vulneráveis…”.
E aí a gente começou a se incomodar um pouco com isso e decidiu que no marco teórico a gente ia construir um marco teórico feminista, mas que fosse um feminismo interseccional e que usasse algumas lentes. Então, a gente focou bastante no feminismo decolonial, no ecofeminismo e no feminismo comunitário. E, para dar uma ajuda, a gente puxou também o racismo ambiental, para podermos entender justamente onde essa interseccionalidade poderia conversar mais com as mudanças climáticas e com, enfim, a crise climática e ambiental, no geral. E aí o feminismo comunitário veio muito no trabalho para justamente ler essas soluções, ler essas resistências. A gente partiu da lente econômica, primeiro, de que existem alternativas… na verdade, as mulheres não estão se organizando e construindo resistências, elas sempre estiveram. E essas resistências foram muito invisibilizadas ao longo da história, principalmente com o marco civilizatório do colonialismo e depois da colonialidade. [2]
E essas resistências estão sempre sendo construídas. Então, pegamos essas lentes de análise para poder visibilizar essas resistências, entendendo que esses investimentos ambientais não podem ser pensados… se você, por exemplo, fala em empregos verdes e você vê que a grande maioria que recebe esses postos de trabalho são homens… então, o que adianta? A gente está pensando em empregos verdes, mas, socialmente, que estrutura a gente está mudando? Ou então, investimentos de baixo carbono… quem são os beneficiados? Ou então, vamos construir pensando em matriz elétrica… “vamos pensar em energias renováveis”, quem está construindo essa energia renovável? Quem está se beneficiando?[3] E aí a gente foi muito para essa lógica.
A gente construiu uma visão, dentro do trabalho, de que “os comuns” – por aquilo que a gente já falou antes – as mulheres têm esse lugar de protagonismo, na linha de frente, de defesa dos “comuns”. Então a gente pegou todas essas lentes de análise para falar sobre a economia solidária e pegou o feminismo comunitário para poder falar: olha, esses investimentos ambientais, no geral, estão sendo pensados dentro do capitalismo, dentro de uma lógica produtiva e individualista; e a gente não acredita que a saída estrutural seja por aí. Entende-se que, precisa-se investir sim nesses setores, mas a gente precisa pensar o que está sendo construído fora do capitalismo. Então, como a gente produz riqueza a partir de outra lógica? E aí o feminismo comunitário veio para dar esse apoio e mostrar que não são alternativas específicas, porque a colonialidade quer colocar como “ah, as mulheres pesqueiras lá no interior da Bahia” … “as mulheres que produzem óleo babaçu a partir do coco” … sempre experiências individualizadas. Então, a gente tentou trazer a partir dessa lente como é importante entender que são experiências que, quando tem os investimentos com um olhar correto, podem ser maximizadas; entram no macro, elas não são (apenas) micro. Na verdade, se a gente juntar todas elas e tiver a lente certa, elas são a verdadeira experiência que move o nosso país e a nossa região.[4]
E aí, até no setor de agricultura familiar, por exemplo, a gente levantou o dado de que ¾ dos estabelecimentos da agropecuária e agricultura familiar são dirigidos por mulheres negras. E aí e esse dado? O que você está querendo dizer? Ainda são experiências micro? E aí essa ideia dos comuns é justamente isto: de entender que as mulheres precisam ser incluídas não só por serem as mais atingidas, mas por serem as pessoas que realmente têm soluções para essa crise em que já vivemos há alguns anos e que será aprofundada.[5] E também pensar que os investimentos precisam incluir mulheres indígenas, mulheres ribeirinhas, pesqueiras, mulheres das águas, das florestas… porque, senão, isso não é socioambiental, isso é só econômico. Então foi nessa linha que a gente trouxe e conseguiu trazer o feminismo comunitário.
Yasmin: Os feminismos comunitários são muito importantes, nesses processos que viemos construindo na sociedade civil e também nas organizações. Porque essa perspectiva coletiva e diversa nos ajuda a reconhecer como é tão macro essa atuação, articulação e produção – enfim, diversos aspectos dos processos organizativos e de trabalho das mulheres em suas mais diversas expressões. Sobre o estudo é isso. Por último, gostaríamos que você comentasse um pouco sobre como tem sido, para você, a experiência dentro da UFRJ de pensar em economia e feminismos; e também sobre como a aproximação com as organizações e movimentos tem contribuído, por exemplo, para a produção do estudo em questão.
Letícia Graça: O Economia e Feminismos foi fundado pela Marga, Margarita Olivera, e começou como um grupo de leitura, lá em 2018. E, assim, eu não sou economista, sou de Relações Internacionais, mas, durante todo o curso, eu senti muita falta de uma perspectiva econômica mais forte, justamente porque desde o começo do curso – …na verdade, eu tenho uma formação anterior, eu tenho um técnico em gestão ambiental -, então desde o começo eu sentia muita falta em ver em RI uma perspectiva de produção, consumo, algo mais prático sobre economia, porque temos cadeiras muito abstratas que não são muito aplicadas. E aí quando eu vi que tinha algo que relacionava economia e feminismos, eu fiquei doida! Aí eu fui, comecei a fazer parte e a gente começou com a leitura do Calibã e a Bruxa. Foi uma das primeiras leituras e aquilo explode a cabeça, enfim! Depois você vai descobrindo milhões de críticas, mas inicialmente explode sua cabeça e é ótimo.
E aí a Marga, desde o começo trocamos muito, ela sempre vem falando como o campo econômico – assim, eu desde o começo pedindo indicação de leitura para ela, em economia – e ela dizia: não vai para economia, fica em RI, não vai para a economia. Porque o campo econômico é de um nível de invisibilização das mulheres, e aí nem assim, mulheres no nível mais básico… simplesmente não tem. A economia, o mainstream, é super neoclássico, então há uma ideia de que as escolhas individuais moldam nosso sistema econômico e, assim, parte da construção do homo economicus, que é um homem que decide a partir de suas escolhas os rumos do sistema econômico; então, nem existe direito a questão de raça, gênero, nada. E aí, eu imagino… na verdade eu imagino não, a Marga sempre conta que foi um processo – e é ainda, mas muito menos – bastante solitário dentro do Instituto, que ela faz parte. A partir disso, ela foi desenvolvendo o Economia e Feminismos – e eu não como ela não desistiu – e aí depois, durante o meu TCC, eu pedi que ela fosse minha orientadora.
A partir daí a gente começou a trabalhar muito juntas, na produção acadêmica, e ano passado, durante a pandemia, o Economia e Feminismos foi se desenvolvendo e foi tendo grupo de extensão, eletiva, foi ganhando mais corpo. E agora, no ano passado, durante a pandemia, a gente decidiu – partindo de uma iniciativa da Marga, junto com a Clarice Menezes, que é professora da Rural, de Economia também – fazer um grupo de pesquisa, não tradicional, mais voltado justamente para responder à invisibilização das mulheres na Ciência Econômica. Então, a gente foi construindo esse Núcleo… agora tem cerca de 15 pesquisadoras e pesquisadores e tem sido um espaço que, desde o início, pensou em não ficar dentro da academia, que vem pensando em evidências, em acúmulo teórico, para poder ler a prática.
Então, acho que um dos trabalhos mais legais que a gente está conseguindo desenvolver é a extensão, porque é justamente isto: é a extensão que tira só dessa produção acadêmica e engessada e leva para fora – o que, na minha opinião, deveria ser o principal objetivo da produção de conhecimento. E aí a gente também sempre, desde o início, quis afirmar muito que a gente vai partir de uma lente decolonial nesse Núcleo para não produzir conhecimento eurocentrado ou um conhecimento que não seja capaz de ler quem a gente é, porque primeiro de tudo somos brasileiros. Esse trabalho da extensão vem puxando a gente para fora, cada vez mais. Agora a gente está fechando o semestre e o foco é na produção de conteúdo, justamente para dar voz e visibilidade a essas mulheres que na academia se tem como foco do estudo, mas que são as sujeitas. Aí tem uma série de entrevistas que vão estar saindo justamente sobre organizações comunitárias, soluções durante a pandemia, tem entrevistas também com uma empregada doméstica, porque a gente fala muito sobre economia feminista, economia do cuidado… e, enfim, vão sair uma série de conteúdos.
E também, no NUEFEM, a gente está tentando sair bastante dos muros da academia e parar de continuar servindo ao capitalismo. A gente não quer que nosso grupo de pesquisa fique nisso, como vários outros. A gente tem a ideia meio megalomaníaca de reunir quem está produzindo sobre economia feminista no Brasil, mas sem nada consolidado em unidade, mais no sentido de construir laços e pontes.