Copa para quem? As respostas para esta pergunta seguem latentes a poucos dias do início do mundial e, com certeza, irão ecoar nas ruas. Não há dúvida. A vinda da Copa do Mundo para o Brasil serviu de motivos para que se colocassem em marcha projetos de higienização das cidades. Remoções, ambulantes proibidos de trabalhar, mobilidade urbana comprometida. Esse é o panorama.

Em entrevista à Rede Jubileu Sul Brasil, Luana Xavier Pinto Coelho, assessora jurídica da ONG Terra de Direitos, fala os direitos à cidade que foram violados de forma intransigente, com decisões que passaram longe da opinião e consulta da população brasileira.

A advogada também fala da força dos movimentos sociais, das mobilizações que estão por vir acompanhadas de forte repressão durante a Copa, e sobre o verdadeiro legado deixado pelo mundial.

A Rede Jubileu Sul Brasil lançou a cartilha Copa para que (m)? Quem vai pagar a conta?, que desmente dados oficiais dados pelo Governo referente aos gastos públicos.

Baixe aqui a cartilha aqui e confira a entrevista.

Neste contexto de megaeventos e megaprojetos, o quê, para você, fere mais os direitos da cidadania brasileira?

Luana Xavier Pinto Coelho – A forma como o capitalismo contemporâneo traduz a capacidade de transformar tudo em mercadoria, as cidades – lócus necessário da convivência e exercício de direitos – passa a ser local da realização de negócios, negócios estes que florescem durante os megaeventos, que são utilizados como a desculpa perfeita para legitimar toda forma de abuso, violência e degradação da cidadania brasileira.

Neste contexto, é possível perceber que, por mais que tenhamos avançado nos debates e até garantido, enquanto direito, a participação popular na gestão das cidades, observa-se que a tomada de decisões quando envolvem megaprojetos não passa por estas esferas participativas ou paritárias construídas a partir do modelo de democracia participativa desenhado desde a Constituição de 1988, mas está cada vez mais nas mãos de poucos, nas mãos dos grandes representantes dos interesses do capital internacional.

Estando a tomada de decisões ancorada nos interesses puramente garantidores da acumulação capitalista, a violação de direitos da cidadania brasileira será sentida em níveis muito diferentes, desde forma da apropriação pelo mercado imobiliário de terras ocupadas por comunidades de baixa renda através de processos maciços de remoção; até a mudança de nossa legislação para permitir ganhos privados durante o megaevento em detrimento das possibilidades de ganhos para os trabalhadores brasileiros.

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Como você avalia o papel dos governos diante disto, já que os gastos públicos com a Copa já ultrapassaram os limites estimados pelo próprio governo?

Luana Xavier Pinto Coelho – O “governo” ou o “Estado” não pode ser encarado como algo alheio à sociedade, ou separado desta. Os mesmos interesses em disputa na sociedade encontram-se também na estrutura estatal, impulsionados pelo modelo vigente de financiamentos de campanhas políticas, que faz com que o interesse do grande capital esteja muito bem representando nos espaços governamentais.

Com relação aos gastos na Copa, é nítida a vinculação de diversos governos, sejam eles municipais, sejam estaduais, às grandes empreiteiras ou empresas da construção civil, num processo que a Raquel Rolnik [Relatora Especial da ONU pelo Direito à Moradia Adequada] tem chamado de “neoliberalismo de estado”, ou seja, o próprio poder público retira – nos processos expropriatórios – para dar à iniciativa privada o patrimônio comum. É difícil dissociar os interesses públicos dos privados neste contexto, que se encontram hoje em perfeita simbiose.

Há um quadro visível de remoções e “limpeza social” – que já era real – mas se intensificou com as obras para o mundial. Como se situa nisso tudo o Estatuto das Cidades e atuação dos movimentos e sociedade civil?

Luana Xavier Pinto Coelho – A Copa do Mundo, em diversos momentos, foi mais um argumento de legitimação visando autorizar, ou melhor, acelerar processos violadores, do que um elemento novo causador isolado das violações. Muitos projetos que estão sendo realizados neste período foram desengavetados, pois o momento simbólico de um megaevento, autorizado pelo ideário estético da “sociedade espetáculo”, garante ganhos extraordinários na atual forma de acumulação capitalista. Creio que esta conjuntura garantiu profundas reflexões para os movimentos sociais e organizações que discutem historicamente a pauta urbana, que lutaram e ainda lutam pela efetivação do Estatuto da Cidade.

copa401Os princípios contidos ali, como da consulta prévia às populações atingidas, da regularização fundiária em detrimento da remoção, dos instrumentos que combatem a especulação imobiliária, não conseguem ser efetivados. A pressão do mercado sobre a decisão política dos contornos que nossas cidades devem ter, ao invés de arrefecer com a mudança conceitual de gestão (pois vivemos na era da gestão democrática), tem ganhado cada vez mais força, na medida em que aumentam os lucros do mercado imobiliário. Então, onde se situa os ideários dos movimentos urbanos? Creio que se há um ganho enorme de todo este processo, é termos um reaquecimento das lutas nas ruas, dos processos de ação direta, tais como as ocupações e protestos, que traduzem a disputa concreta pela efetivação da função social da propriedade urbana e pelo direito à cidade para todos.

Com relação ao preparo e estratégias dos Estados para conter manifestações populares, sem contar que já havia todo um aparato logístico para efetivar as remoções… É possível que tenhamos um cenário maior de repressão policial do que na Copa das Confederações?

Luana Xavier Pinto Coelho – Desde 2013 as forças de segurança já concentraram esforços em mapear militantes, lideranças de movimentos e grupos que têm liderado protestos pelo país, de forma a tentar desarticular ou enfraquecer estes grupos. Mas para além disso, o próprio governo anuncia investimentos na casa de 2 bilhões de reais em segurança pública, e todo este valor, certamente significa uma sofisticação tecnológica pensada na repressão a protestos e “controle” daqueles que forem identificados como opositores.

copa401Não há dúvidas que a repressão sentida durante a Copa do Mundo será muito maior do que aquela de 2013, pois há uma imagem de país em jogo, no momento em que a mídia internacional terá os olhos voltados para o Brasil. Um ator que estará em campo para somar às forças de segurança é o Exército Brasileiro, especialmente treinado para combater o “terrorismo”. Se o cenário é de guerra, alguém ter que ser o inimigo ou as “forças opositoras”…

Sobre o direito à cidade e demais direitos urbanos que estão sendo violados, é possível vislumbrar que panorama, nesses aspectos, teremos depois da Copa do Mundo?

Luana Xavier Pinto Coelho – Penso que temos um momento de crise, de crise profunda das bandeiras tradicionais da reforma urbana, pois apesar de todo o avanço legislativo, e todas as conquistas dos movimentos urbanos refletidos em documentos como o Estatuto da Cidade, nada das diretrizes ali contidas foram observadas ou sequer consideradas nas definições das obras da Copa, por exemplo, das prioridades para a mobilidade urbana, tanto rebatida pelo governo como um dos legados, sem mencionar todas as demais intervenções e investimentos.

O desafio será colocar a pauta da cidade para todos na centralidade do debate, numa conjuntura em que há uma grande legitimação social dos processos de higienização, reforçada pela grande mídia. Infelizmente assistimos também, neste cenário, uma mobilização forte de setores conservadores contrários aos processos de inclusão, que se articulam de forma a manter ou avançar na segregação social no espaço urbano.

O momento é de fortalecimento para os movimentos sociais?

Luana Xavier Pinto Coelho – Acho que o reaquecimento da política, no sentido de fortalecimento das lutas na rua, é certamente um ganho deste processo para todos os movimentos, apesar do aumento do recrudescimento e da criminalização. Creio que os movimentos sociais ganharam novas formas de articulação e interação, a exemplo dos comitês populares da copa, que foram lócus de debate de uma pluralidade de atores, com as mais diversas bandeiras, e isto também soma e fortalece a luta.

Por Ana Rogéria, Rede Jubileu Sul Brasil.

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