Por Rogéria Araujo | Comunicação Jubileu Sul Brasil
Historicamente as corporações transnacionais são responsáveis por várias violações de direitos humanos que afetam, sobretudo, comunidades tradicionais nos países onde se instalam. Por outro lado, essas mesmas corporações não alimentam somente uma dívida social com os povos afetados, mas também financeira e com o aval dos Estados. Nestes dias 22e 23 de agosto, movimentos sociais, ativistas, especialistas e redes da América Latina participaram do primeiro Encontro Regional da Campanha Global para Desmantelar o Poder das Transnacionais, na Confederação Sindical das Américas, em São Paulo. O ponto principal deste encontro e desta campanha está na construção de um Tratado Vinculante que cria mecanismo para responsabilizar estas transnacionais e garantir os direitos das populações originárias.
A proposta é que este Tratado Vinculante, que também objetiva colocar fim à impunidade dessas corporações, seja apresentado na terceira sessão da Organização das Nações Unidas, que acontecerá de 23 a 27 de outubro em Genebra. Até lá, o encaminhamento é que se faça lobby e intervenções junto a embaixadores e representantes governamentais que vão participar da sessão para que estes possam apoiar o Tratado Vinculante. Também durante esta semana, não só em Genebra, mas em outros países haverá mobilizações populares chamando a atenção para o tema.
“O que estamos vendo hoje é o oposto do que acontece na realidade. As empresas vão para o território, utilizam instrumentos super sofisticados de controle territorial e de exploração dos recursos naturais e do meio ambiente, que envolvem as comunidades para obterem lucro e produção. Então, há um certo grau de proteção das empresas. As empresas nunca são vistas como violadoras de direitos, elas são vistas como agentes do desenvolvimento e é disso que trata a campanha. A ideia é divulgar que as empresas são, sim, violadoras de direitos, que esse desenvolvimento do qual elas são representantes precisam ser discutidos”, afirmou Gabriel Strautman, integrante da rede Jubileu Sul Brasil e do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs).
O Tratado Vinculante, portanto, visa proteger as populações afetadas e responsabilizar as empresas em caso de violações de direitos humanos. De acordo com Rosilene Wansetto, da rede Jubileu Sul Brasil, este mecanismo contemplaria a criação de legislações nos países que punissem as empresas transnacionais, deixando claro o que são obrigações e o que são responsabilidades das multinacionais. “Trata-se de uma política de proteção dos direitos humanos. Há todo um trabalho que envolve o debate e consulta às populações, realização de tribunais populares, acesso à informação, enfim, dar suporte jurídico no âmbito internacional”, disse.
Para Strautman, se continuar assim o desenvolvimento que supostamente as transnacionais representam vai sempre estar acompanhado de um sentimento de injustiça porque são elas [as corporações] que promovem o enriquecimento das elites. Por outro lado os verdadeiros donos dos territórios continuarão sendo vítimas.
“Para nós do Jubileu Sul, que trabalhamos o tema da dívida financeira e social, percebemos que há uma ampliação dessa dívida social histórica com as comunidades tradicionais, mas também uma ampliação da dívida financeira, porque essas empresas são financiadas sobretudo por fontes públicas. Então, em última análise, essas violações também são produzidas pelo próprio Estado”, ressaltou.
Durante o Encontro Regional, a coordenação da Campanha divulgou um chamado que deve servir para mobilizar tanto a população, sociedade civil em geral, como representantes governamentais para se aproximarem mais do conteúdo do Tratado Vinculante. A ideia é que seja trabalhado com as lideranças dos locais afetados – muitas das quais já estão envolvidas neste processo de luta, reconhecimento e pedidos de reparações – para somar força e pressionar para que o Tratado seja aprovado.
Martha Flores, da rede Jubileu Sul/Américas, articulação que há 12 anos tem envolvimento neste tema, considera fundamental que haja um mecanismo eficiente que atue em defesa dos povos originários afetados pelas corporações. Ela acrescenta que não se pode esquecer que muitas comunidades já estão neste processo de resistência há tempos, enfrentando retaliações e sendo vítimas de ameaças.
“A principal estratégia está justamente nesse processo de luta cotidiana que as comunidades fazem para desmantelar essas corporações e essas corporações só podem ser desmanteladas através da união dos processos de luta e resistência. Como Jubileu Sul Américas estamos sempre com o enfoque da denúncia, da luta territorial. Por isso, é importante que esse desmantelamento passe, em discussão e debate, pelos povos”, falou Martha.