No agreste de PE, empresa desistiu de parque eólico, mas agricultores continuam presos a contratos de 30 anos. Parte das áreas arrendadas não pode ser usada para plantar nem criar animais, por questões técnicas da operação dos aerogeradores
Por Raíssa Ebrahim – Marco Zero
“Eu agora me arrependo”, lamenta José (nome fictício), 60 anos. Agricultor de Bonito, no agreste de Pernambuco, no trabalho rural desde os 10 anos, ele está com parte das terras onde vive com a família e planta inhame, goiaba e acerola presa a um contrato de 30 anos com uma empresa de energia eólica. Ele, assim como diversos outros camponeses e também grandes proprietários de terra do município, a 130 quilômetros do Recife, arrendaram seus imóveis para a Ituporã Energia em 2018. Até hoje, não receberam nada em troca e, depois de reavaliarem as condições, querem cancelar o negócio.
Após estudos, a companhia comprovou que o investimento eólico na região não é viável e já demonstrou, segundo fontes ouvidas pela Marco Zero, que não tem mais interesse na investida. Os donos das terras agora estão amarrados a um contrato que não rende dinheiro, é irrevogável e irretratável, tem previsibilidade de renovação automática por sucessivas vezes (a critério unicamente da empresa) e é extensível aos herdeiros. Parte da área arrendada não pode ser usada para plantar nem criar animais, por questões técnicas da operação dos aerogeradores.
A reportagem teve acesso ao contrato elaborado pela Ituporã. O nome do agricultor não será revelado.
O contrato de arrendamento que José assinou — e que ele nem sabe mais onde guardou — é, em vários pontos, semelhante a tantos outros em vigor no interior do Nordeste com o argumento de gerar renda para famílias agricultoras por meio de uma fonte de energia limpa e renovável. O que não se diz é também que o arrendamento pode fazer os camponeses perderem o direito à aposentadoria rural.
Antes da chegada dos representantes da Ituporã, José nunca tinha ouvido falar em energia eólica. Até hoje, nunca viu um aerogerador de perto. A promessa era que a torre (ou torres, a depender do estudo de viabilidade) lhe rendesse uma dinheiro certo por mês, funcionando como uma espécie de aposentadoria. Em média, paga-se, no Nordeste, entre R$ 600 a R$ 1.500 reais ao mês por torre instalada.
O rendimento, porém, nem sempre é pré-definido. No caso de Bonito, só seria pago três meses após o início da operação eólica. Até lá, o arrendador (o agricultor) não ganha nada, mesmo a empresa acessando o local para estudos, passando estradas, fazendo obras e levantando os aerogeradores dentro do imóvel. Também não recebe nada o dono da terra em que a companhia decidir, a partir das conclusões sobre a viabilidade das instalações, que não vale a pena erguer aerogeradores no local.
No contrato da Ituporã, o rendimento é baseado numa fórmula matemática com uma variável crucial, que é a receita líquida mensal da empresa. Esta, por sua vez, depende, entre outros fatores, do valor da energia no mercado naquele momento. São dados difíceis de serem acessados pelos agricultores.
A Ituporã chegou às terras de José prometendo uma segurança de futuro. “Eu assinei porque, na minha cabeça, tinha vantagem”, explica o camponês. “Agora eu sinto uma frustração. No começo, diziam ‘vai ser logo, vai ser assim, vai ser assado’. E passou, nunca mais apareceu ninguém, nem para dizer se vinha ou se não vinha. Termina o cara perdendo o sossego. Minha intenção é cancelar isso”, afirma.
O contrato prevê ainda, sem muitos detalhes, em apenas duas cláusulas, a possibilidade de a Ituporã vir a implantar parques de energia solar nas terras arrendadas, durante toda a vigência do contrato, sob as mesmas regras dos parques eólicos.
Para conhecer a região e ir até os agricultores na zona rural, os representantes da Ituporã foram guiados por um morador e empresário local, conhecido como Inácio da Grama, um alagoano criado em São Paulo e que, há 17 anos, investe no mercado de grama em Bonito. “Esse pessoal chegou aqui perdido”, lembra, recordando também que, a cada 15 dias, uma equipe ia até a cidade para fazer reconhecimento de área e convencer agricultores a assinarem os contratos. Inácio diz que não assinou: “Eu não assinei porque eu tenho noção das coisas. Eu não sou um cara que vocês vão falar para mim que essa parede está torta, por exemplo, e eu vou concordar”.
Mesmo sem interesse no negócio, mas guiado pela ideia de que as eólicas são a energia verde do futuro e da sustentabilidade, Inácio levou o pessoal da empresa para conhecer também os municípios Barra de Guabiraba, Cortês e São Joaquim do Monte, próximos a Bonito.
Vantajoso só para empresas
Um estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), publicado em dezembro do ano passado, atestou que contratos de grandes empreendimentos eólicos em propriedades privadas são vantajosos às companhias e prejudiciais aos pequenos proprietários. O material, elaborado em parceria com o Plano Nordeste Potência, analisou aspectos jurídicos de 50 contratos celebrados com pequenos proprietários rurais do Nordeste.
“A vulnerabilidade destas populações, em virtude dos baixos níveis de renda e de escolaridade e do total desconhecimento técnico, jurídico e econômico-financeiro, favorece a exclusão, a supressão de direitos e o distanciamento de debates e de processos decisórios, e consequentemente, a concentração de renda e de terra e as desigualdades socioeconômicas”, diz trecho do documento.
De 2018 para cá, José teve acesso ao que aconteceu na prática com outras famílias do semiárido nordestino que assinaram contratos de arrendamento com eólicas: adoecimento mental, barulho, sombra, prejuízo à criação de animais e rentabilidade que pode ficar abaixo do esperado. Na entrevista, ele disse desconhecer os impactos na época da assinatura. “A gente leu antes de assinar, a gente não assinou sem ler. Mas eles (os representantes da Ituporã) não explicaram essas dificuldades todas e que seria como se a gente estivesse passando o terreno”, relata, dizendo que começou a se preocupar porque a empresa nunca mais foi ao local e a terra onde vive e planta pertence também a cinco irmãos.
Para o assessor político do Inesc, Cássio Cardoso Carvalho, o levantamento do instituto revelou um novo aspecto de uma histórica e triste realidade no Brasil: “O racismo estrutural contra negros, indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais, que sempre foram marginalizados dos espaços de debate e decisão, agora se perpetua em um modelo injusto, que garante lucro para poucos no grave contexto das mudanças climáticas.”
Nas palavras de João do Vale, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), “esses contratos são a forma jurídica da violência. É uma maneira de tornar legal e legítima e dar segurança jurídica à violência contra as comunidades”. “Quando as empresas chegam e oferecem o arrendamento, omitem que as pessoas vão adoecer, que os bichos vão adoecer, que o barulho é ensurdecedor e que as pessoas não vão enriquecer. Não dizem que, caso vendam menos energia, a empresa talvez deixe até de pagar as torres ou pague menos que o valor esperado”, expõe.
As famílias não se beneficiam dessa energia. João mostra um caso que, para ele, é emblemático. “Em Sobradinho (distrito do município de Caetés, interior de Pernambuco), da última vez que estive lá, havia três dias que faltava energia, sendo que tem um parque eólico lá dentro da comunidade produzindo energia 24 horas por dia”.
No dia 10 de abril, conforme mostrou a Marco Zero em reportagem, um grupo de agricultores veio ao Recife para ocupar a quarta reunião do Grupo de Trabalho (GT) criado pela governadora Raquel Lyra (PSDB) para discutir o licenciamento ambiental de empreendimentos de energia renovável. Com faixas que diziam frases como “Transição ou transação energética?”, “Nada de nós sem nós”, “Sem zuada do lado de casa” e “Energia que tem causado adoecimento”, quase 40 camponeses chamaram a atenção do governo e das empresas e reivindicaram mais participação nas discussões.
A energia eólica já corresponde a 15,4% (31 GW) da matriz energética brasileira, de acordo com a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), e tende a crescer nos próximos anos. Dos 11.183 aerogeradores em operação no Brasil, 10.133 estão no Nordeste. Os estados com mais parques instalados são, nesta ordem, Rio Grande do Norte, Bahia, Piauí e Ceará.
“Hoje sou totalmente contra”
Não é só o agricultor José que quer cancelar o contrato com a Ituporã em Bonito. Produtores rurais de maior porte que também assinaram o negócio em 2018 hoje avaliam que o negócio não vale a pena. É o caso do secretário de Agricultura da cidade, Eiji Morimura, vereador licenciado. “Hoje eu sou totalmente contra. Contra mesmo. O impacto é grande”, disse à reportagem. Bonito é considerada “a terra das águas” em Pernambuco, com três Unidades de Conservação e áreas altamente sinuosas.
Quem assinou com a empresa foi o pai de Eiji, Masakatsu Morimura, falecido há cerca de dois anos, um dos primeiros a plantar melão e tomate na cidade. As terras estão em inventário, com mais quatro irmãos. Para fazer qualquer movimentação, é preciso autorização da Ituporã, pois o imóvel está arrendado. “Nenhum dos meus irmãos quer mais (as eólicas)”, afirma. Segundo Eiji, o sócio da companhia, Oscar Gundes, já sinalizou que irá rescindir todos os contratos. Mas até agora, isso não foi feito.
“A gente foi nessa daí, mas não previa o impacto ambiental”, comenta. Eiji detalha que o pai arrendou dez hectares para a eólica num momento de baixa produção agrícola. “Isso daí ia ser como uma aposentadoria para a gente”, acredita. De acordo com o que o engenheiro da Ituporã levantou, diz o secretário, nas terras da família ficariam cinco ou seis aerogeradores.
Quem também não quer mais as eólicas em seu terreno é Jobson Barros Ludgério, engenheiro agrônomo e diretor de fiscalização ambiental de Bonito. Além de assinar contrato para receber aerogeradores em suas terras, ele aceitou, “de boca”, sem formalidade, que a Ituporã colocasse em seu sítio, hoje à venda, uma torre de 120 metros de medição para estudos, numa área de nascentes chamada Pratinha, a 12 quilômetros do centro. Ele aceitou por acreditar que o negócio dos ventos vingaria na cidade.
“E foi passando o tempo. Passou um ano, dois anos, três anos. Aí também não veio mais ninguém aqui”, conta. “Depois disseram que não tinham mais interesse e que iriam retirar a torre porque teve uma área que conseguiram lá no Piauí, que os resultados foram melhores do que aqui”, detalha. Mas Jobson não aceitou. A Ituporã retirou os equipamentos acoplados no ano passado, mas o funcionário da prefeitura não deixou que levassem a torre. Ele mesmo irá desmontar e vender por conta própria “para ser compensado”. “Enquanto não resolverem nada comigo, não podem tirar”, estabeleceu.
“A conversa é muito bonita no início, mas depois as coisas começam a desandar. Eu tenho lido alguma coisa a respeito, que tem muita gente que está tendo problemas, inclusive de saúde e essas coisas”, refletiu Jobson. “Antigamente ninguém tinha essas informações. Era uma coisa que todo mundo dizia que era só coisa boa. Para o futuro. Mas aí hoje a gente já vê”, complementa.
Em 2023, alguns donos de terra chegaram a se reunir com a presença de representantes da prefeitura de Bonito. Mas os encaminhamentos, segundo os relatos repassados à MZ, não foram adiante. Um deles seria oficiar a Ituporã para obter uma atualização da situação e saber quantos contratos foram assinados.
A reportagem tentou diversas vezes uma entrevista com o sócio da empresa Oscar Gundes. Ele nos retornou através de uma nota: “Gostaríamos de esclarecer que, seguindo nossa política de privacidade e confidencialidade, a Ituporã Energia não discute detalhes de contratos particulares nem decisões operacionais da empresa com terceiros. Respeitamos a privacidade de nossos parceiros e stakeholders [público estratégico, impactado pelas ações de uma empresa] e acreditamos que essa postura é essencial para manter a confiança e integridade nas relações comerciais que estabelecemos”.
A MZ tentou, por diversas vezes, entrevistar o prefeito de Bonito, Gustavo Adolfo (PSB), mas não obteve retorno. Ao final da reportagem, leia a íntegra da entrevista com a presidente executiva da Abeeólica, Elbia Gannoum.
“Serra Pelada dos ventos”
Na avaliação do professor Fernando Joaquim Maia, do curso de Direito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a forma como as empresas chegam às zonas rurais do Nordeste gera grandes expectativas e leva os agricultores a assinarem em massa os contratos. “Elas buscam os agricultores individualmente, procurando-os de casa em casa. É um contrato de direito privado assinado de forma massiva e sem envolver sindicatos ou outras associações de classe”, detalha.
“Essa situação vulnerabiliza o agricultor familiar”, critica, apontando que os contratos apresentam cláusulas nitidamente desequilibradas a favor das empresas. Fernando coordena, junto com outros docentes, o projeto Dom Quixote, de ensino, pesquisa e extensão em energias renováveis. O grupo tem se debruçado nos estudos dos contratos eólicos e como eles impactam a realidade do semiárido nordestino.
Sem qualquer garantia de instalação dos aerogeradores — e, portanto, de renda —, as empresas asseguram o usufruto de extensas propriedades de terra ao fazerem a transferência do direito de exploração dos imóveis por longos períodos, renováveis automaticamente. Bastando, como é o caso da Ituporã, avisar ao camponês com 12 meses de antecedência.
Fernando chama a atenção ainda para a zona de segurança em torno das torres, geralmente entre 300 e 500 metros. “Se você considerar que as propriedades são de pequenos produtores e minifundiários, basicamente eles não conseguem produzir no restante da terra. Viram meros rentistas, vivendo de aluguéis, perdem a condição de agricultores”, afirma. “É como se fosse uma Serra Pelada dos ventos”, compara. A Serra Pelada foi o maior garimpo a céu aberto do mundo com exploração de ouro nessa região do estado do Pará e que mobilizou mais de 100 mil trabalhadores entre 1980 a 1992.
Sobre o rendimento do negócio aos camponeses, baseado em fórmulas matemáticas com elementos variáveis, o professor provoca: “Esses elementos variáveis não são transparentes. Como verificar isso? Como ter acesso às planilhas da empresa? Como o agricultor vai fazer esse controle?”. “Nós tivemos acesso a muitos desses contratos e eles são praticamente padronizados”, alerta. Para os estudiosos do Dom Quixote, as cláusulas de sigilo presentes em muitos desses acordos permitem uma competição controlada e cartelizada do mercado, ao mesmo tempo em que criam dificuldades para os agricultores obterem informações, numa relação nitidamente desequilibrada.
“As questões ambientais poderão ser resolvidas por essas empresas através da ciência e tecnologia. Mas isso não quer dizer necessariamente que o controle e os processos de exploração vão desaparecer”, conclui.
Pesquisadora e coordenadora do Dom Quixote, Marcela Peixoto Batista, ainda enfatiza um outro ponto: se, por exemplo, a Ituporã decidir não colocar um aerogerador no terreno de José, mas colocar no do vizinho, as terras de José vão ser atravessadas para servir de passagem sem que ele receba nada por isso. “E o que a Ituporã vai fazer com esse banco de terras que acumulou em Bonito?”, questiona. Segundo ela, não se sabe ao certo quantos contratos a Ituporã assinou, por serem contratos individuais. De modo geral, os trabalhadores rurais não falam no assunto com receio de represália.
O fenômeno do “green grabbing” ou “apropriação verde”
A professora Mariana Traldi, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), que pesquisa o impacto das eólicas desde 2012, comenta que vem ganhando corpo um movimento para revisão de cláusulas contratuais com as empresas. São movimentos recentes contrários às eólicas que surgem a partir do conhecimento de experiências prévias em vários estados diante do desequilíbrio entre arrendadores e arrendatários.
Ao analisar o assunto, ela mostra à reportagem como o processo foi desenhado nos últimos anos: “Quem chegou primeiro e mediu os ventos foi capaz de conhecer o território e o comportamento dos ventos. A partir desse conhecimento prévio, bastava sair arrendando terras, ainda que o objetivo não fosse instalar os parques de imediato. Os contratos de arrendamento amarram o proprietário da terra, que não vai poder, depois de assinado o contrato, desistir do negócio e buscar outra empresa que ofereça melhores condições. O que possibilita uma reserva de mercado futura. Quem controla a terra, controla o acesso ao recurso, ao vento, e garante o controle do mercado”.
O trabalho de Mariana também revela que os contratos costumam ter multas unilaterais altíssimas em caso de rescisão, mas aplicadas apenas aos proprietários, fixadas entre R$ 5 milhões e R$ 20 milhões. Já as empresas, caso desistam do negócio, em geral devem apenas informar ao proprietário sobre a sua desistência com antecedência de 30 dias.
Como parte de sua tese de doutorado, Mariana analisou 14 contratos de arrendamento eólico e concluiu que “a apropriação do vento se trata de um processo de acumulação por despossessão, em que há a privatização de um bem comum, e que esse processo somente se realiza a partir da apropriação de terras, entendida como um processo de green grabbing”. O termo tem origem no conceito de land grabbing ou “apropriação de terras”. O processo de green grabbing ocorre quando essa apropriação de terras e recursos é para fins ambientais sob o pretexto do desenvolvimento sustentável.
“Há pressão popular, há reclamação, descontentamento por parte dos proprietários de terras, dos movimentos sociais e da sociedade organizada em geral, mas não vejo ainda como uma perspectiva de mudança no cenário jurídico, pois para isso seria necessário um Projeto de Lei que tivesse como objetivo a regulamentação da exploração do vento para geração de energia elétrica. Seria necessário que houvesse vontade legislativa no sentido de regulamentar essa modalidade contratual. E por enquanto eu ainda não vi isso”, coloca a professora.
Entrevista com a presidente executiva da Abeeólica, Elbia Gannoum:
Marco Zero – Estudo do Inesc e também pesquisas acadêmicas apontam que os negócios de arrendamento das eólicas assinados por agricultores no interior do Nordeste configuram uma relação injusta e que beneficia as empresas, com cláusulas de sigilo, contratos bastante longos com renovação automática, multas altas em caso de descumprimento por parte dos camponeses, remunerações ínfimas em relação ao lucro das empresas, falta de transparência e de informação, entre outros aspectos. Como a Abeeólica avalia essas questões?
Elbia Gannoum – Existe uma longa negociação e uma série de etapas até o parque eólico começar a operar. Trata-se de uma indústria com infraestrutura de grande porte. Os aerogeradores de um parque eólico têm uma vida útil de 30 anos. Então os contratos são de longo prazo, pois o custo para retirar os aerogeradores são enormes, além de também ter impacto ambiental para construir e retirar um aerogerador de um lugar.
A fonte eólica permite múltiplos usos do território. Os aerogeradores ocupam um pequeno espaço da área total do terreno e todo o resto segue livre para outras atividades. Estudos mostram que efetivamente os parques ocupam 5% da área reservada do empreendimento.
As torres são espaçadas e permitem que as atividades de agricultura e pecuária continuem normalmente, esta é a única forma de produção de energia que permite isso. Por essa razão, a eólica traz muito emprego e renda para as regiões. Respeitado o espaço de segurança dos aerogeradores e das áreas eletrificadas, não há qualquer impedimento para que os proprietários que arrendaram suas áreas para colocação das torres continuem com criação de animais e/ou plantações. Por isso, faz mais sentido fazer contrato de arrendamento. Esse modelo permite que se efetive a compatibilidade da geração eólica com as atividades habituais dos proprietários e residentes, evitando movimentos migratórios e maiores interferências no modo de vida das populações.
Normalmente as negociações contratuais são feitas diretamente entre as empresas interessadas e os proprietários e posseiros, após confirmada a viabilidade do projeto, baseadas na autonomia dos proprietários de aceitar ou não negociar o arrendamento de parte de sua terra, dentro dos valores praticados no mercado. É importante entender que existe todo um processo de estudo da viabilidade, antes de o projeto sair do papel.
MZ – Esses estudos e análises também apontam para uma possível cartelização do mercado, uma vez que os contratos de arrendamento são praticamente iguais entre si, em diferentes partes do Nordeste. Como a Abeeólica avalia essa questão?
Elbia– A ABEEólica não tem acesso aos contratos de arrendamento. Normalmente, as negociações contratuais são feitas diretamente entre as empresas interessadas e os proprietários e posseiros, após confirmada a viabilidade do projeto, baseadas na autonomia dos proprietários de aceitar ou não negociar o arrendamento de parte de sua terra, dentro dos valores praticados no mercado.
MZ – Em média, quanto as empresas eólicas em operação no Nordeste têm pago por aerogerador nos contratos de arrendamento com agricultores? Esses valores têm variado nos últimos anos? Se sim, por quais fatores?
Elbia – Os contratos são realizados na modalidade de arrendamento, porque não existe, a princípio, seja da parte do proprietário da terra, seja do investidor, desejo de compra e venda da área. As famílias preferem receber uma renda sobre sua terra que em geral é muito superior a qualquer outra atividade econômica, o que melhora a renda da população. Dados divulgados pela ABEEólica apresentam os valores estimados do arrendamento por estado, considerando a média anual de R$ 12.000/MW.
Vale salientar, ainda, que há muitos programas de investimento social privado desenvolvidos por empresas do setor, que buscam fomentar a geração de renda pelas famílias residentes nas áreas dos parques, inclusive relacionados à assistência técnica e extensão rural, promovendo a permanência das famílias em seu território, com incremento de renda e qualidade de vida.
MZ – Agricultores com quem já conversamos em matérias produzidas pela Marco Zero e também sindicatos e associações de classe do Nordeste relatam um cenário de assédio e pouca informação por parte das empresas eólicas num movimento de assinatura em massa de contratos de arrendamento. A Abeeólica tem conhecimento disso? Se sim, como avalia?
Elbia – A ABEEólica tem ciência de casos em que a população vizinha de alguns parques eólicos está insatisfeita com a comunicação entre as gestoras dos parques e as comunidades, bem como questões de contrato e outras reclamações que vêm surgindo nos últimos dois anos. Mas esses casos não representam um grande conjunto de parques, são exceções. A associação tem trabalhado internamente no desenvolvimento de um Guia de Boas Práticas para que o setor como um todo possa agir de maneira mais uniforme e adote medidas para a melhor convivência com comunidades vizinhas dos parques.
É importante acrescentar, ainda, que a ABEEólica entende que mesmo a energia eólica sendo uma fonte de menor impacto ambiental e social, ainda assim, há impacto socioambiental. Além disso, a associação, junto com empresas associadas tem participado de audiências públicas, interações em grupos de trabalhos externos como o GT instaurado pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Pernambuco que trata do licenciamento de fontes renováveis e discussões para entender as necessidades de cada região e adotar medidas para melhorar o diálogo e promover ações de melhoria na qualidade de vida das pessoas que moram próximas aos parques.
Dito isso, é importante frisar que a fonte de energia eólica é uma das fontes de menor impacto ambiental em comparação com outras fontes, em sua fase de operação a energia eólica não emite CO2 [dióxido de carbono]. Sua instalação ocupa uma área reduzida de espaço e é possível manter outras atividades produtivas. O setor impulsiona a melhoria da qualidade de vida nas regiões que possuem parques, promovendo geração de emprego, renda e qualificação de mão de obra. A construção dos parques eólicos criou mais de 300 mil postos de trabalho diretos e indiretos. Esses dados são comprovados por vários estudos já realizados e que estão disponíveis no site da ABEEólica. No Rio Grande do Norte, o Senai-RN também realizou estudo mostrando que o IDHM e PIB dos municípios com parques eólicos aumentaram em 20% e 21,15%, respectivamente.