Por Cláudia Pereira |Rede Jubileu Sul
“Queremos uma solução definitiva sobre o direito à moradia da comunidade do Horto. Esse direito não pode ser contestado por ninguém, principalmente pelo Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico. As ações e justificativas da saída do povo em favor do meio ambiente deixou de ter legitimidade porque há mais de 200 anos que a comunidade preserva a terra e a sua história. O Horto Fica!”, disse Emília de Souza, liderança da comunidade.
O falso discurso ambiental proferido pelos órgãos federais é uma das justificativas que impede a regularização fundiária da comunidade do Horto Florestal, Jardim Botânico e Gávea, Zona Sul do Rio de Janeiro (RJ). Há décadas os moradores defendem o meio ambiente do território, preservam a história cultural, lutam contra a especulação imobiliária e o racismo. Em audiência pública na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, no último dia (24), realizada de forma híbrida, com a representação de moradores que estiveram presencialmente na plenária e virtualmente, a comunidade do Horto Florestal exigiu a suspensão dos processos e permanência no território.
Os primeiros habitantes do Horto Florestal foram escravos e os descendentes chegaram ao território antes de Dom João VI inaugurar o parque Jardim Botânico em 1808. A sua história centenária qualifica o direito de os moradores habitarem na área destinada para preservar a flora e a cultura. As 621 famílias distribuídas em 11 núcleos que formam a comunidade, travam uma luta desde a década de 1980. Nos últimos anos vivem sob ameaças de remoções, por parte dos órgãos do Governo Federal e da especulação imobiliária. No final do mês de junho, parte dos moradores receberam notificação de desapropriação da Justiça Federal. Era mais uma das mais de 200 ações de reintegração de posse, a comunidade reagiu e foi às ruas protestar contra o abuso e violação de direitos efetuados em plena pandemia.
O Instituto de Pesquisa do Jardim Botânico recebeu, por doação da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), o direito sobre a área que tem 142 hectares. É o que consta no Diário Oficial da União de 11 de novembro de 2016. O Instituto de Pesquisa alega que a remoção dos moradores, garante a expansão do centro de pesquisas e preserva a área ambiental do parque. Curiosamente o condomínio Canto Mello, que está dentro da área do Jardim Botânico, foi notificado com reintegração de posse, mas foi beneficiado com o direito de permanecer na área.
Uma das moradoras informou que cada vez mais a administração do Jardim Botânico delimita a área, desrespeitando direitos dos pobres e desafiando o poder de organização da comunidade. Em audiência pública a comunidade exigiu da prefeitura do Rio de Janeiro, o decreto para assegurar o território como área especial de interesse social e moradia, revisão do perímetro que foi imposto pelo Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) e denunciou o terrorismo jurídico e psicológico que os moradores têm enfrentado nos últimos meses.
Presente na audiência, a Secretaria Municipal de Habitação (SMH), que diz ser solidária com a comunidade, sugeriu para os moradores junto ao poder legislativo que façam uma solicitação de reconhecimento do Horto, como uma comunidade tradicional do município, respeitando o Decreto Federal 6040/2007. O decreto garante a preservação do desenvolvimento sustentável, identidade e proteção dos moradores do território. A Defensoria Pública da União do Rio de Janeiro (DPU), também presente na Audiência Pública, declarou que os problemas do Horto Florestal não são jurídicos, trata-se da ausência de ações administrativas diretas para reconhecer o direito fundamental à moradia das famílias. A questão social e ambiental dos moradores já está assegurada a todos que moram no território. Em resumo significa direito à moradia e à cidade.
A coordenação do Sinergia Popular, representado por Marcelo Edmundo, esteve presente na plenária da Câmara Municipal e reforçou o pedido de suspensão de reintegração de posse e a efetivação de negociação com a comunidade.
“É fundamental que desta casa, não saia nenhum requerimento que possa prejudicar os moradores do Horto. Todos sabem que a questão ambiental não compromete, que o território preserva a história da construção dessa cidade. O interesse desses processos é expulsar o povo mais pobre, o povo preto das áreas que eles ajudaram a construir. É importante que haja um entendimento da prefeitura, já que ela demonstra interesse. Que suspenda qualquer remoção para que as negociações sejam efetivadas para construir paz para as famílias do Horto”, enfatizou Marcelo Edmundo, que também representa a Central de Movimentos Populares (MCP).
“A pior coisa é viver na incerteza. Nós sentimos na pele a dor da incerteza, acordamos todos os dias por mais de 35 anos com o fantasma da reintegração e o medo vai se tornando cada vez maior e a incerteza caminhando conosco lado a lado. Respeitem a nossa história, nos deixem viver a certeza do amanhã que é dignidade e paz. Não vamos desistir, lutaremos até o fim para que nosso direito de viver nessa Terra e no lugar onde todos nós nascemos e construímos. Que seja regularizado para que possamos viver em paz em nossas casas, com nossas famílias para sempre. Resistência, o Horto Fica!”. Disse Lilian Miranda Abraão, ao finalizar sua participação visivelmente emocionada na plenária da Câmara.
Após diversas manifestações dos moradores, pesquisadores, autoridades públicas e o advogado dos moradores, a presidência do Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico, manifestou presença na audiência através de uma representação, que participou de forma virtual. Não houve por parte do Jardim Botânico nenhuma expressão ou declaração aos moradores referente às alternativas de negociação. Limitou-se em dizer que está à disposição.
“As ações de reintegração são do Instituto Jardim Botânico que tem poderes, sim, para paralisar essas ações. O Condomínio Canto Mello foi beneficiado pela permanência pagando uma medida compensatória porque o juiz entendeu que a demolição de mais de 20 casas seria muito agressiva para o meio ambiente. E a demolição das 621 casas? Não impacta? Nós sabemos perfeitamente que temos direito à regularização fundiária da mesma forma que teve o condomínio Canto Mello. Nós vamos conseguir e vamos permanecer porque a nossa união e a parceria dos parlamentares que atuam em nossa defesa fortalece a luta.” Disse Emília Souza representante dos moradores do Horto Florestal. Emília ainda questionou a falta da participação efetiva do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico, que até o final da audiência não se posicionou para fazer as devidas deliberações em audiência com a participação do povo e representações governamentais.
Como desdobramentos finais da audiência, a Comissão de Assuntos Urbanos da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, deliberou alguns encaminhamentos. Entre eles a abertura da mesa de negociação com todas as entidades e representantes do poder judiciário. Notificação ao Instituto de Pesquisa Jardim Botânico e encaminhamento das denúncias de abuso e violações de direitos apresentadas pelos moradores.
Nós sabemos perfeitamente que temos direito à regularização fundiária da mesma forma que teve o condomínio Canto Mello.
Emília Souza
O Horto Florestal é uma das comunidades que estão inseridas nas ações do Sinergia Popular, uma iniciativa que tem entre seus objetivos fortalecer as lutas territoriais pelo direito à moradia e contribuir para que as comunidades estruturem respostas aos impactos gerados pelos conflitos urbanos. A ação é coordenada pelo Jubileu Sul Brasil (JSB), 6ª Semana Social Brasileira (SSB) e Central de Movimentos Populares (CMP). Conta com apoio do Ministério das Relações Exteriores Alemão*, que garantiu ao Instituto de Relações Exteriores Alemão (IFA)* recursos para implementação do Programa de Financiamentos da União Europeia*. A Ação também faz parte do processo de fortalecimento da Rede Jubileu Sul e das suas organizações membro.
*Esta matéria foi produzida com a participação exclusiva da Rede Jubileu Sul Brasil, não podendo, em caso algum, considerar-se que reflete a posição do Ministério das Relações Exteriores Alemão, Instituto de Relações Exteriores (IFA), e da União Europeia (UE) sobre o tema.