Afirmação é da advogada agrarista e feminista Magnólia Said, membro do Jubileu Sul Brasil que analisou o relatório recém apresentado na ONU, após visita do relator Baskut Tuncak ao país
Além de destruir comunidades indígenas, a fauna e a flora, e poluir o ar, as queimadas da floresta amazônica aumentam a vulnerabilidade ao coronavírus, pois aumentam os riscos de provocar as chamadas doenças zoonóticas, que são infecções que podem ser transmitidas dos animais para os seres humanos. A situação poderia evoluir para outra pandemia global tal qual a de COVID-19, como alerta o Relator Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) Baskut Tuncak, especialista em direitos humanos que visitou o Brasil entre 2 e 13 de setembro.
O relatório da visita, apresentado no último dia 14 de setembro na 45ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, foi analisado pela advogada agrarista e feminista Magnólia Said, membro da Rede Jubileu Sul Brasil e especialista em saúde, trabalho e meio ambiente para o desenvolvimento.
Entre as graves violações no Brasil apontadas no documento da ONU, estão a deterioração da situação dos povos indígenas, afrodescendentes e da população pobre, resultado da mudança de leis e políticas que favorecem interesses privados; a exposição a substâncias tóxicas provocada pelo agronegócio e o extrativismo aliado às desregulamentações do uso, com omissão de dados e informações por parte das empresas sobre impactos à saúde e à vida; criminalização de defensores dos direitos humanos; ausência de reparação às vítimas de crimes ambientais, de ataques e assassinatos, e ausência de responsabilização dos autores de crimes ambientais.
O primeiro alerta feito por Magnólia é para a tendência de crescimento das dívidas sociais, ambientais e históricas com indígenas, quilombolas, trabalhadores e outros setores vulneráveis. “Foram feitos muitos empréstimos com valores enormes durante a pandemia, que cresceram assim como os juros”. Ela acrescenta que “se estes segmentos fossem considerados, não seria permitido, por exemplo, usar pesticida como armas químicas para expulsar essas populações de suas casas, como o relator alerta”.
A diferença entre indígenas, quilombolas, trabalhadores rurais e urbanos vulneráveis, completa a advogada, é que os trabalhadores periféricos “podem continuar sendo escravizados. E por que uns são totalmente descartáveis e os outros são reciclados, podem ser substituídos? Porque estes não são povos originários com direito à terra, como são os indígenas e os quilombolas. Essa é a questão”.
A advogada pondera que o caminho “íngreme de regressão da sustentabilidade e dos direitos humanos”, como destaca o relator, é algo que não vem de agora, mas um trajeto que se aprofunda desde que o discurso de desenvolvimento foi moldado pelo Consenso de Washington, em 1989.
“Esse discurso do desenvolvimento reduz as medidas que violam direitos ao sacrifício necessário que a população tem que fazer para que o desenvolvimento aconteça. O discurso é esse:’ vamos nos sacrificar senão o país quebra. Tem sempre uma desculpa e a base é o desenvolvimento do país que não pode parar”, critica a advogada.
Recomendações e mudanças viáveis
Das 27 recomendações que o relator da ONU aponta ao governo federal, instituições públicas, privadas e empresas, Magnólia destaca alguma prioritárias, tais como a necessidade urgente de dissociar o crescimento econômico da degradação ambiental, revisar de toda a legislação relativa às substâncias e resíduos perigosos, e garantir que as informações ambientais e de saúde sejam acessíveis.
“O que não é informado não é pensado e muito menos elaborado. Para mim, uma democracia não pode prescindir de uma informação qualificada, por isso que essa recomendação é fundamental”, ressalta.
Para a advogada, também são essenciais a abertura de inquérito sobre a situação dos direitos humanos no Brasil e uma sessão especial para tratar da proteção à floresta amazônica, ambas recomendações voltadas ao Conselho Nacional de Direitos Humanos, além da descriminalização e garantia de libertação de atores da sociedade civil e defensores de direitos ambientais, indígenas e trabalhistas; medidas para interromper o desmatamento; criação de um plano para fontes de energia renováveis, e a proteção dos yanomamis e dos outros povos indígenas.
“Algumas recomendações só seriam efetivadas se vivêssemos num país com outro modelo de desenvolvimento e numa democracia. Assim mesmo há recomendáveis viáveis na prática com apoio. E o que isso significa? Significa povo organizado, fazendo ativismo e consciente da estratégia de onde quer chegar, com pressão aqui sobre o Congresso Nacional e com pressão internacional também”, conclui.
Confira a íntegra do relatório da ONU em português