Dona Josefa, 67 anos, aposentada, se dirige todos os meses ao posto de saúde do seu bairro para pegar o remédio para hipertensão. Antes de pegar o ônibus para o trabalho, Maria das Graças, 44, leva o seu filho na escola pública de ensino fundamental. Todas as noites, Paulo, Marcos e Rafael, adolescentes amigos, buscam uma praça para se reunir. José e Elis, casal ciclista, têm o hábito de sempre procurar uma ciclovia nova para pedalar aos finais de semana.
Ainda que os nomes citados acima sejam de personagens fictícias, as cenas descritas são semelhantes ao cotidiano de milhares de brasileiras e brasileiros que vivem em 5.570 municípios em todos os cantos do país. Sem desconsiderar que as mulheres e homens são parte do mundo, de um país, de uma região e de um estado, é nas cidades – local em que pisamos – que quantidade expressiva das decisões sobre as as vidas humanas são tomadas. Não à toa, são todos, ao menos em teoria, cidadãos e cidadãs.
É por isso que as eleições municipais, como as que ocorrerão no próximo 15 de novembro, são fundamentais na transformação da cidade em que vivemos para a cidade que efetivamente queremos. E como o município contrai dívidas que comprometem o orçamento e impactam diretamente na falta de investimento em políticas de educação, saúde e mobilidade urbana? Sim, o tema da dívida pública tem tudo a ver com processos eleitorais locais.
Escolher prefeitos, prefeitas, vice, vereadores e vereadoras é, acima de tudo, definir quem serão os/as principais incumbidos por definir se haverá trabalhadores no posto de saúde, se haverá merenda na escola em que estuda o filho de Maria das Graças, se a praça que os adolescentes frequentam terá iluminação, se as ciclovias em que José e Elis pedalam estarão conservadas.
Mas não é apenas para os problemas que parecem de âmbito local que as cidades têm importância. Como disse a urbanista Erminia Maricato, numa entrevista concedida ao portal Sul21 em outubro do ano passado, “a reconquista da democracia brasileira passa pelas cidades, passa pelos bairros e passa pelo cotidiano das pessoas”.
Professora aposentada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e ex-gestora de políticas urbanas, Maricato traduz a importância e o desafio da relação entre democracia e cidades: “você tem que pensar que está discutindo a Reforma da Previdência com uma pessoa que está gastando mais de meio salário mínimo em transporte todos os dias, o que é o caso das empregadas domésticas em São Paulo. Elas estão vindo de fora do município e gastando R$ 500 por mês. É mais de meio salário mínimo por mês em transporte. E sabe qual é a renda média das empregadas domésticas? R$ 780, segundo IBGE. Menos de R$ 800. Ou seja, a vida das pessoas está inviável…”.
Partindo de perspectiva semelhante e buscando promover processos de sensibilização e diálogo popular, a 6ª Semana Social Brasileira lançou a cartilha “Mutirão de eleições pela vida”. Com o mote “Pelo direito à Terra, ao Teto e ao Trabalho”, apresenta propostas para as eleições municipais deste ano.
Apontando a defesa de uma vida saudável para todas e todos, na cartilha são apresentadas 20 propostas para garantir do acesso e direito à terra, ao teto e ao trabalho, por meio de políticas públicas, como: ampliação e fortalecimento do SUS; assentamento das milhares de famílias que hoje estão acampadas, desempregadas e nas periferias das cidades; suspensão de qualquer forma de despejo de ocupações; desapropriação de latifúndios improdutivos e áreas próximas às cidades; regularização de todas as áreas de povos e comunidades tradicionais; destinação de terras públicas para assentamentos emergenciais; dentre outras iniciativas.
Radicalizar a democracia
Além da defesa do direito à terra, ao teto e ao trabalho como princípio na escolha dos/as candidatos/as a prefeito/a, vice e vereador/a, cabe frisar a necessidade da participação popular para além do voto, afinal, como escreveu Boaventura de Sousa Santos, é essencial “democratizar a democracia” ou, de forma mais ousada, “radicalizar a democracia”.
Nesse sentido, uma série de ações podem ser adotadas, como: participar dos conselhos temáticos da cidade; acompanhar as reuniões de discussão sobre o Orçamento Municipal; propor audiências públicas na Câmara de Vereadores/as; organizar grupos de acompanhamento das sessões da Câmara; monitorar e analisar os sites e portais de transparência de todos os órgãos públicos da cidade; integrar associações de moradores, de bairros, coletivos; dentre outras.
Esses apontamentos partem da compreensão de que só há democracia onde as decisões sobre as vidas das pessoas não podem prescindir da participação das próprias pessoas.
Assim, algumas perguntas não podem ficar de fora quando o assunto é eleição: os/as candidatos/as têm uma preocupação e uma vida política pautada e comprometida com os processos democráticos do país ou defendem a violência, as armas e a violência militar? Os programas dos/as candidatos/as para os municípios respeitam e valorizam a vida acima da economia? Os projetos/iniciativas de fortalecimento econômicos locais estão priorizados nos planos de governo? Os/as candidatos/as têm compromisso com um orçamento público direcionado para o fortalecimento das iniciativas locais, com a economia solidária, feiras populares e agroecológicas ou estão comprometidos/as com as grandes empresas, supermercados e shoppings, que fortalecem e enriquecem os grandes empresários? E a transparência dos recursos públicos é algo importante e necessário para os/as candidatos/as e seus projetos? Eles/elas propõem a destinação do IPTU e tarifas públicas de forma honesta e para favorecer uma vida digna e com acesso a todos os bens comuns para os/as mais pobres? Os/as candidatos/as respeitam e se posicionam de forma a garantir a autodeterminação dos bairros e das decisões da cidade relacionadas aos projetos de mineração, grandes empreendimentos e privatizações? As comunidades serão consultadas sobre as decisões a serem tomadas e que impactam as mesmas?
Acesse aqui a Cartilha “Mutirão de eleições pela vida” da 6ª Semana Social Brasileira.