Por Benedito Teixeira – Adital
Pouco mais de dois meses e nenhuma notícia. No último dia 14 de julho, em meio ao clima de protestos nas ruas contra o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, o ajudante de pedreiro Amarildo Souza Lima, 47 anos, foi visto pela última sendo levado por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Favela da Rocinha, uma das maiores da capital fluminense. A versão oficial é que eles confundiram Amarildo com um traficante de drogas. De lá pra cá, a família do pedreiro, os amigos, a comunidade da Rocinha e entidades de direitos humanos ainda esperam por uma explicação plausível da Polícia e do Governo do Rio de Janeiro. “Onde está o Amarildo?”. A pergunta ficou famosa nas redes sociais e na imprensa nos últimos meses, mas continua sem resposta.
Entidades de direitos humanos como a Anistia Internacional demandam uma explicação mais razoável. A Anistia lançou uma campanha para que os cidadãos e cidadãs escrevam cartas exigindo que as autoridades responsáveis ordenem uma investigação imediata, completa e independente para saber o que aconteceu depois que Amarildo foi liberado da UPP, se é que foi, no mesmo dia 14 de julho. A Polícia informou que o liberou, mas ele nunca mais chegou a sua casa. Detalhe: as câmeras de vigilância da Unidade, que poderiam comprovar a saída do ajudante de pedreiro, não estariam funcionando.
A Anistia pede ainda que, no referido processo, as testemunhas, a família do desaparecido e outras pessoas importantes para a investigação tenham garantia de proteção contra intimidações; e, por fim, que as câmeras de vigilância também sejam utilizadas para monitorar a atividade policial. A entidade orienta que as cartas sejam enviadas para Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro; e José Mariano Beltrame, secretário estadual de Segurança Pública; com cópias para o deputado Marcelo Freixo, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio.
O detalhe da exigência de garantia de proteção para a família e testemunhas aponta para um problema crônico que envolve a relação da polícia com a população de baixa renda no Brasil, em especial a que habita as favelas. A Polícia, seja ela civil ou militar, tem sido denunciada com frequência por corrupção, abuso de poder, violência exagerada, prisões e interpelações arbitrárias, homicídios injustificados, intimidação e perseguição a testemunhas e desaparecimentos. A esposa de Amarildo, Elizabeth Gomes da Silva, já disse à imprensa que, até agora, não sofreu nenhuma ameaça, mas teme muito que, depois que o caso caia no esquecimento, a própria polícia pratique algum tipo de retaliação contra ela e sua família.
Segundo reportagem da Agência Brasil, não há dados oficiais sobre a frequência e quantidade de desaparecimentos sob ação policial no país. Fábio Alves Araújo, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ) e autor da tese Das Consequências da “Arte” Macabra de Fazer Desaparecer Corpos: Violência, Sofrimento e Política entre Familiares de Vítimas de Desaparecimentos Forçados”, verificou que o número de registros de desaparecimentos em geral vem crescendo ao longo dos anos.
As secretarias estaduais de Segurança Pública, a Polícia Militar, as próprias Corregedorias da PM e da Polícia Civil se mostram pouco acessíveis para dar esclarecimentos sobre desaparecimentos quando indagadas pela imprensa. O que se sabe é que desaparecimentos forçados, inclusive quando há suspeita de envolvimento policial, são contabilizados juntamente com outros casos de sumiços.
Antecipando-se a uma investigação mais aprofundada e, consequentemente, a uma resposta concreta por parte da Polícia e do Governo, a Justiça determinou que o Governo do Estado do Rio pague à família do ajudante de pedreiro uma pensão mensal no valor de um salário mínimo e tratamento psicológico para nove pessoas da família da vítima, no valor de R$ 300 por sessão.
“É inequívoco que Amarildo não mais retornou ao seu domicílio. É inequívoco que Amarildo não mais foi visto no lugar. É inequívoco que os aparelhos eletrônicos de segurança, coincidentemente não funcionavam no dia. É inequívoco que acontecimento deste jaez [sorte] já perpassaram pelo comportamento da autoridade policial militar. É inequívoco que sua família passa por privações materiais e imateriais. Assim, nada mais justo que a pretensão requerida seja deferida e sejam antecipados os efeitos de tutela pretendida, para viabilizar a família do desaparecido uma vivência senão confortável, menos desprovida e menos sofrida”, avaliou em sua decisão o desembargador Lindolpho Marinho, juiz da 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio.
A ONG Favela Não se Cala divulgou, recentemente, uma nota de repúdio em que já fala do sumiço de Amarildo como morte certa. Manifesta ainda seu descontentamento contra a política de pacificação das favelas do Rio realizada pelas UPPs, como a da Rocinha, desde 2012. A entidade denuncia que estaria havendo um claro desvio das investigações por parte do Estado, através da criminalização tanto de Amarildo como de sua esposa de serem colaboradores do tráfico.
Foto: Divulgação