Em entrevista a Mario Hernandez, do Resumen Latinoamericano, Beverly Keene, integrante do Jubileu Sul, Diálogo 2000 e do Comitê argentino pela retirada das tropas do Haiti, falou sobre a entrega da carta feita na Embaixada do Chile, quando da visita da representação da ONU à nação chilena no mês de janeiro, além de outras questões e problemas que cercam o povo haitiano.
A íntegra da entrevista pode ser conferida no site do Jubileu Sul Américas, no link http://goo.gl/n8DkBU (em espanhol). Aqui no site do JSB, traduzimos alguns trechos da entrevista, sempre ressaltando o apoio ao povo haitiano e enfatizando a solidariedade de toda América Latina e Caribe que pedem o fim da Minustah no Haiti.
Minustah e o quadro político do Haiti
Às vezes parece algo muito longe da gente, mas aqui na Argentina temos muito presentes as estratégias diversas de intervenção dos Estados Unidos, Canadá e França, dos poderes centrais no nosso mundo hoje, no que são as vidas e as decisões políticas dos povos da América Latina.
Sem ir mais longe, temos o golpe de Estado que ocorreu no Paraguai há uns anos, o golpe de Estado em Honduras, em 2009, e também o golpe de Estado no Haiti, em 2004, que levou à constituição da Minustah, esta missão que supostamente serviria para estabilização do Haiti, quando na realidade o que se percebeu e o que se vê com muito mais força hoje é que busca manter o Haiti a serviço dos interesses dos Estados Unidos, das empresas e dos capitais que eles representam.
Para o golpe de Estado que acontece neste momento no Haiti, pela vias mais modernas, não é necessário que a guarda de guerra estadunidense ocupe o Haiti como fizeram em 1915 porque se podem dar ao luxo de terceirizar a ocupação militar, como estão fazendo usando as tropas de nossos países da América Latina. São vários países utilizados não por um decreto do Departamento de Estado dos EUA e sim através do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o qual recentemente o presidente boliviano [Evo Morales] batizou muito corretamente como “Conselho de Insegurança”.
No Haiti, isto significa o início de um período de governo por decreto. E esta visita realizada no fim de semana pelo Conselho de Segurança da ONU, sem dúvida, tem como objetivo legitimá-lo, rodear esta nova situação de um novo Primeiro Ministro, que montou um gabinete que a mídia chama de “consenso”, buscando legitimar este processo que não é a vontade do povo haitiano e sim dos poderes que agora ocupam o Haiti através das tropas da Minustah.
Existem partidos que se dizem de “oposição” que estão de acordo com Martelly para pôr em marcha este novo golpe de Estado e há partidos da oposição que estão contra isto e seguem se manifestando de maneira massiva nas ruas de Porto Príncipe e em outras partes do país. Também há outros partidos, organizações sociais, movimentos populares no país que continuam reivindicando o que é lógico, sua soberania, o direito do povo haitiano de falar e poder decidir por si mesmo sem a intromissão dos Estados Unidos, França, Nações Unidas ou a Minustah em seus assuntos internos.
A Argentina e a presença das tropas no Haiti
Em setembro do ano passado foi dado para o Congresso argentino aprovar a saída das tropas que participam no Haiti da Minustah. É uma autorização que o Congresso tem que dar em qualquer situação em que a Argentina queira enviar tropas fora do país ou receber a visita de tropas de outros países. Nesse debate, ocorrido, em setembro, na Comissão de Relações Exteriores e na de Defessa da Câmara de Deputados, vários partidos se apresentaram para reclamar e exigir que houvesse um debate sobre a participação da Argentina na Minustah e acordaram que os funcionários do governo que fossem para defender a participação da Argentina na missão da ONU não teriam argumentos. No entanto, é uma decisão que continua se mantendo.
Esta seria a resposta mais fácil. Outra é a que nos deu o ministro de Defesa, Agustín Rossi que, em março do ano passado visitou o Haiti durante 36 horas fazendo uma saudação de rotina às tropas. Quando voltou desta viagem – na qual o acompanharam aproximadamente 50 jornalistas de quase todos os meios massivos – a mensagem foi muito clara e repetida por todos os veículos de mídia, afirmando que a Minustah e a participação da Argentina é uma missão humanitária, mais ou menos dando a entender que se havia estabelecido depois do terremoto e não 5 anos antes do mesmo. Foram exibidas cenas das tropas argentinas entregando água à população, como exemplo de missão humanitária. Esses são os argumentos oficiais.
Na Chancelaria, onde organizações populares e sociais têm ido durante os últimos anos em várias ocasiões para insistir pela retirada das tropas, no geral tampouco defendem muita a presença. Dão muita ênfase afirmando que não é uma decisão da qual somente da Argentina, mas que estão nesse compromisso com outros países da América Latina e que a retirada seria em conjunto. Portanto, não se tomaria uma decisão unilateral.
Esta posição poderia resultar respeitável ou entendível, mas não quita a responsabilidade de cada governo de estar defendendo uma situação para a qual não há argumentos de peso. Se o motivo pelo qual temos tropas argentinas no Haiti durante 11 anos é para continuar entregando água à população podemos concluir que foi um fracasso total. Supondo que essa fosse a missão, a verdade é que é muito tempo e que não se pôde resolver nada a respeito de um problema que realmente é real, porque o abastecimento de água continua sendo feito com caminhões e barris. Não se tem ido além disso. Isso só daria para reconhecer o fracasso da missão.
Está claro que esse não é o objetivo. Segundo o Conselho de Segurança, o Haiti representa um perigo para a segurança da região. Muitos governos continuam aprovando isso quando reveem o mandato da Minustah. Esse perigo tem muito a ver com a posição dos Estados Unidos que dizem que se a situação no Haiti se complica haverá muitos imigrantes haitianos nas zona costeira da Flórida, e como não podem permitir a situação deve ser controlada.
Na realidade o que vemos é que a permanência se dá por motivos de controle, dominação, saque e colonização do povo haitiano. Podemos observar um pouco mais os argumentos que os diferente governos da América Latina possuem. Podemos reconhecer que hoje em dia existem debates, como os que vemos entre governo que sai e entra no Uruguai, o que significa que há preocupação sobre a presença das tropas latino-americanas no Haiti. Mais de um país já chegou à conclusão de que se meteram num beco sem saída, numa armadilha colocada pelos Estados Unidos e França quando convidaram os governos “progressistas”, liderados em 2004 por Lula, do Brasil, e Néstor Kirchner, da Argentina, de se encarregarem dessa ocupação. Agora esses governos não sabem como sair com elegância.
O segundo problema é que a presença dos latino-americanos, hoje, no Haiti, em qualquer destas missões de paz, é uma indústria, implica recursos, possibilidades de viajar para os efetivos que fazem parte. É um privilégio, um prêmio monetário em sua carreira.
Na Argentina, nestes últimos dias, o que não sai nos noticiários, é que as Forças Armadas criaram uma escola de capacitação e treinamento para os efetivos que participem em missões de paz. Tudo isso faz parte de uma indústria e cortar a presença da Argentina na Minustah a coloca em perigo.
Tradução: Rogéria Araujo, Rede Jubileu Sul Brasil