Reunindo milhares de pessoas no Paraná, a 17ª edição da Jornada de Agroecologia lança carta final apontando os desafios e as tarefas de luta da sociedade na atual conjuntura na construção de um novo modelo de vida e relação com os bens naturais.
“Com a experiência que acumulamos nas 16 Jornadas anteriores e com a fortaleza dos debates e dos fazeres dessa 17ª Jornada queremos alçar a voz para apresentar nossa crítica, precisa e direta, à dominação das grandes empresas e corporações que transformam toda a biodiversidade em mercadoria e violam os direitos humanos”, destaca um trecho da carta.
A carta aponta ainda a luta na defesa da democracia, da liberdade do ex-presidente Lula e a unidade do povo brasileiro na defesa da soberania.
Confira a carta na íntegra:
Carta da 17ª Jornada de Agroecologia
Nós, povos do campo, da cidade, das águas e florestas, representados por mais de 10 mil participantes, oriundos do Paraná, de outros 6 estados brasileiros e de mais de 25 países, construímos a 17ª Jornada de Agroecologia e transformamos Curitiba, a capital da arquitetura do golpe, na capital da luta popular e da luta pela alimentação saudável. E com esse compromisso e admiração nos unimos às trabalhadoras e aos trabalhadores que permanecem firmes em vigília há mais de 60 dias pela democracia e pela liberdade do presidente Lula.
Aqui o judiciário, com seus privilégios e corrupções, articulou-se como aparelho da elite atrasada nacional e da elite imperialista internacional com o objetivo central de destruir um projeto soberano de país que estava em construção. Aliaram-se para congelar o estado social por 20 anos, para avançar contra os direitos do povo, para asfixiar as políticas públicas construídas com ardor na última década – como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) -, calando as lutadoras e os lutadores, criminalizando-os ou ceifando suas vidas. Aqui, nesta mesma cidade, hoje os movimentos sociais fincam as bandeiras vermelhas da luta e hasteiam as bandeiras coloridas da diversidade da vida.
No frio cortante da conjuntura, nos aquecemos e inflamamos a resistência. Construímos com o calor de nossas mãos, dos nossos corpos, nossos rostos e nossas vozes a unidade dos sonhos e projetos para um Brasil popular, soberano e diverso. Todos juntos e sem medo. Trocamos saberes, sabores, cores e culturas, afirmando a capital paranaense como uma ocupação permanente da resistência.
Os saberes populares construídos no pensar e fazer agroecológicos e os saberes construídos nos espaços críticos da academia se encontraram e mostraram que é possível e necessário trilhar um novo rumo juntos. Durante quatro dias de Jornada caminhamos a palavra, dialogamos e praticamos uma agroecologia do campo e da cidade, de quem produz e de quem consome. Debatemos em seminários e conferências. Realizamos oficinas. No “túnel do tempo” mostramos a riqueza da história da agricultura e a necessidade urgente de construir um projeto popular, ecológico e soberano que a transforme. Trouxemos os frutos de nosso trabalho e nossas sementes para a feira agroecológica. Compartilhamos nossas comidas na “culinária da terra”. Cantamos, dançamos e contamos a cultura da diversidade e do compromisso. A Jornada de agroecologia é tudo isso: um grande novelo que enreda os que já têm uma longa caminhada com aqueles que se iniciam na transição agroecológica.
Foram dias muito intensos de perguntas: por que o agronegócio no Brasil insiste em liberar os agrotóxicos nos alimentos que comemos em até 400 vezes e da água que bebemos em até 5.000 vezes mais do que na Europa? O que significa para os camponeses e camponesas a redução das políticas públicas que apoiam a produção de alimentos de qualidade para a mesa do povo brasileiro? Como podemos enfrentar a indústria cultural que promove uma cultura destrutiva, reforçando preconceitos e um modelo de vida que nos adoece?
Mas também foram dias de respostas. A propaganda não nos engana: o agronegócio não é tech, é tóxico. A agroecologia é vida e cultura. A participação intensa das mulheres na agroecologia não só reequilibra a desigual divisão sexual do trabalho, mas também introduz a necessidade de repensar nossa sociedade desde o cuidado e contra o capital que mata; conseguimos reconhecer que existem outras formas de pensar a economia, não mais dominada pelo lucro e a concorrência, mas sim desde a solidariedade, a diversidade e a organização popular; consideramos que a educação compromissada com a libertação e a crítica, como a educação do campo, continua apontando saídas necessárias para a crise civilizatória em que estamos.
Com a experiência que acumulamos nas 16 Jornadas anteriores e com a fortaleza dos debates e dos fazeres dessa 17ª Jornada queremos alçar a voz para apresentar nossa crítica, precisa e direta, à dominação das grandes empresas e corporações que transformam toda a biodiversidade em mercadoria e violam os direitos humanos. Para nós a biodiversidade é bem comum que deve se desenvolver junto aos povos que cultivam a terra e a vida com os saberes tradicionais, a criatividade das juventudes e a força das mulheres.
Denunciamos a guerra agrária que arrasa nosso país, que concentra terras, florestas e águas, que envenena os alimentos, que expulsa do campo e que mata as camponesas e camponeses. Por isso, reafirmamos nosso compromisso por uma terra livre de transgênicos, livre das novas manipulações genéticas e sem agrotóxicos.
Sabemos que para fazer agroecologia é preciso acesso à terra e à biodiversidade nela contida. A reforma agrária popular urge como nunca, assim como a demarcação de terras indígenas, a titulação de territórios quilombolas, o reconhecimento de territórios de comunidades tradicionais e o assentamento das mais de 100 mil famílias acampadas hoje no Brasil. Só assim o alimento deve retornar à sua natureza de nutrição humana e animal e ao seu papel fundamental na cultura dos povos. A agricultura deve estar à serviço da humanidade e não do capital.
Afirmamos que agroecologia não é somente produzir sem veneno. Agroecologia é projeto político, é prática, é movimento, é ciência e educação populares. É garantia da igualdade e da diversidade racial, de gênero e de sexualidade. É valorização do trabalho e do ser e saber camponês. É respeito e promoção da diversidade social, ambiental e identitária. A Agroecologia é a concreta capacidade dos povos para as enfrentar as mudanças climáticas no planeta e garantir a soberania e segurança alimentar. É por isso também que a agroecologia e a democracia são indissociáveis.
Travamos dia-a-dia, batalhas por mais direitos, eleições livres e democráticas. Sabemos que o poder popular cabe a nós. É nossa tarefa histórica que não será delegada às elites dependentes brasileiras e nem aos imperialistas da burguesia internacional. Retomemos as rédeas de nossa história. Tecendo o futuro que já começou.
Somos milhões que em marcha, no campo, na cidade, nas terras, nas águas, nas florestas, nos rincões do Paraná, do Brasil e do mundo bradam por solidariedade, liberdade e justiça. Por isso, exigimos a liberdade para Lula e para todos as lutadoras e lutadores o povo, encarcerados e criminalizados por ousarem sonhar por vida, paz, pão e igualdade para toda a humanidade.
Pensam que podem nos prender, mas seguimos livres e lutando! Pensam que podem nos matar, mas somos sementes!
Em resposta à violência nos unimos. Em resposta à barbárie nos organizamos. Na unidade, venceremos. Não temos tempo para ter medo. Temos nossos punhos e o sentimento do mundo.
Cuidando da Terra, cultivando biodiversidade e colhendo soberania alimentar!
Viva a Jornada de Agroecologia!
Viva a democracia!
Lula Livre!!!
Curitiba, 09 de junho de 2018.