Por Vasconcelos Filho*
O Plebiscito Popular sobre a Dívida Externa foi um marco importante nas lutas sociais no final dos anos de 1990 e início dos anos 2000. Se constituiu num importante instrumento pedagógico de mobilização, desenvolvendo importantes tarefas para acumulação de forças de vários movimentos sociais. Cumpriu papel importante na formação de lideranças, organização de coletivos e grupos, sendo parte de um conjunto de ações e lutas que os diversos movimentos sociais protagonizavam na ocasião, além de trazer à luz, temas que não estavam no centro do debate político na ocasião.
O processo de construção do Plebiscito sobre a Dívida Externa teve origem nos debates da III Semana Social Brasileira (SSB), organizado pela CNBB, por meio das Pastorais Sociais, em conjunto com diversos movimentos sociais. Tendo como tema o resgate das dívidas sociais, o processo de debates promovido pela III SSB, nos permitiu identificar que uma das principais razões para não reparar as dívidas sociais históricas com a maioria do povo brasileiro era a “sangria” resultante do pagamento da Dívida Externa. Aprofundamos o debate sobre o caráter da Dívida, seu histórico e as consequências na vida da população.
O debate avançou e construímos espaços importante para publicizar o debate sobre a dívida externa, como o Tribunal Internacional da Dívida realizado em 1999, quando apontamos as causas e consequências de uma dívida que nunca foi auditada e que comprometia uma gigantesca fatia do orçamento público, enriquecendo cada vez mais os bancos. Enquanto isso, a população sendo cerceada nos seus direitos mais básico, limitando investimentos em políticas sociais que visem superar a desigualdade social, reparando dívidas sociais históricas com os povos indígenas, mulheres, jovens, população negra, comunidades das periferias das média e grandes cidades, dentre outras tantas demandas sociais-políticas-econômicas e culturais da população brasileira. Isto nos apontou para construir um instrumento que promovesse um grande debate no país, algo que representasse o acúmulo até então construído e cumprisse a tarefa de mobilizar a população para debatendo os problemas do país, gerado pelo pagamento da dívida, indicar alternativas para resgatar as dívidas sociais identificadas.
Plebiscito Popular sobre a Dívida Externa
O acúmulo do nosso debate gerou a proposta de realizar um Plebiscito Popular, o ano jubilar que inaugurava o novo milênio era a simbologia para trazer o debate sobre a dívida externa a público, nos colocamos com toda disposição na construção desse processo. Em Manaus, iniciamos o processo de articulação e animação, a partir das pastorais sociais da Arquidiocese de Manaus. O início foi complicado, era um grande desafio, pois o acúmulo do debate era incipiente e precisávamos aprofundar o tema e pensar no processo de organização de um Plebiscito, uma tarefa dupla.
O primeiro passo foi avançar na articulação com os movimentos sindicais, populares, da juventude, mulheres, indígenas, partidos e entidades, havia uma certa desconfiança de alguns setores no início, apontando algumas dificuldades – principalmente por ser um ano de eleições municipais – e a dificuldade de popularizar o debate. Foi muito importante a articulação nacional, pois convidávamos todas as organizações que compunham a coordenação nacional, procurando dividir as tarefas e dinamizar o processo da campanha pedagógica. Inicialmente não houve um grande envolvimento, mas fomos trabalhando na perspectiva de criar as condições para debater o tema e construir a dinâmica, mesmo com as diversas ausências.
Realizamos um Encontro de Formação, convidando todas as entidades e lideranças, a ideia era aprofundar o debate, animar a campanha, dinamizar o processo organizativo e dividir as diversas tarefas. O Encontro não conseguiu mobilizar tantas entidades e pessoas que pensávamos, mas foi determinante para o processo, pois um dos pontos principais da campanha era a ideia de criar comitês populares para debater e organizar o Plebiscito. A partir disso, iniciamos a realizar encontros em diversas comunidades, sindicatos, igrejas, escolas e diversos movimentos, aos poucos as coisas foram acontecendo e paulatinamente se ampliando, mesmo que o envolvimento não era o que se esperava, mas a demanda por encontros para debates sobre o tema aumentava significativamente.
Um fator mobilizador importante era o Grito dos Excluídos e das Excluídas, uma das principais mobilizações na cidade, a Campanha do Plebiscito e a organização do Grito ocorriam conjuntamente, o que facilitava as atividades e despertava o interesse e a participação de diversos grupos. Isso possibilitou articular o Plebiscito em algumas cidades do interior do Estado do Amazonas, a partir das Dioceses e Prelazias, alguns sindicatos rurais e lideranças. O material didático sobre a dívida e de orientações para organizar o Plebiscito era um facilitador importante para os encontros, a linguagem acessível e possibilitava que lideranças fizessem debates sobre a dívida e a organização do Plebiscito nas comunidades e entidades.
Os dias que antecederam o início do Plebiscito foram intensos. Em Manaus, realizamos uma Plenária para ajustar a organização dos locais de votação e todas as questões operacionais. Para a nossa surpresa, houve uma participação massiva, muitas lideranças de comunidades, sindicatos, movimentos populares, grupos de mulheres e diversas entidades, não esperávamos nem a metade das pessoas presente. Foi um momento muito bom, de grande animação, por um lado demonstrou a importância dos pequenos encontros e das visitas nas diversas entidades; por outro lado, percebemos que não tínhamos uma estrutura adequada para atender a toda aquela demanda.
Com a animação e a expectativa gerada, o desafio era dar conta de toda a demanda, além de Manaus, havia também a demanda da cidade do interior, tivemos que reproduzir mais material e envolver mais pessoas. Os dias de votação do Plebiscito foram agitados, houve um grande envolvimento dos diversos setores que participaram do processo, de alguma forma um grupo de pessoas se organizavam, buscavam uma urna na Cáritas Arquidiocesana (onde funcionava a secretaria) e instalava o local de votação. Esse processo envolveu o muit@s voluntári@s, tanto no período dos encontros, quanto no período de votação, pessoas que se colocavam a disposição para colaborar com o Plebiscito.
No dia 7 de setembro foi realizado uma grande mobilização do Grito, foi a celebração de um processo desafiador e educativo, as pessoas e grupos foram partícipes de uma dinâmica nova e que envolvia em todas as partes do processo, seja no início, meio ou fim, um pouco aquela coisa vai chegando e se juntando. O Plebiscito foi um instrumento de mobilização, articulação e educação popular, algo novo que estávamos exercitando, com acertos e erros, com limitações na estrutura, mas com disposição de fazer acontecer. Percebemos o protagonismo dos pequenos grupos, a importância do trabalho de base e da articulação em rede, mas também vimos a importância das entidades historicamente constituídas como sindicatos, organizações populares, movimento estudantil e o papel dos meios de comunicação.
O processo do Plebiscito Popular sobre a Dívida Externa em Manaus, possibilitou a articulação de alguns grupos, a manutenção de alguns comitês (mesmo que não usassem esta nomenclatura), assim como a aproximação de entidades em outras atividades posteriores. Em 2002, quando organizamos o Plebiscito Popular sobre a ALCA, tínhamos a experiência anterior como referência, havia outros desafios, é certo, mas conseguimos ser pacientes com a dinâmica e desenvolver melhor as tarefas. Para os movimentos e entidades que organizaram os Plebiscitos Populares de 2000 e 2002, o legado foi maior, pois em 2004, conseguimos organizar um Plebiscito Popular na cidade sobre a questão do abastecimento de água em Manaus.
O Plebiscito Popular sobre a Dívida Externa representou um momento importante e intensificou um período de diversas lutas e articulações, proporcionou um acúmulo pedagógico e organizativo para as nossas atividades. É plausível afirmar que o Plebiscito foi um instrumento pedagógico importante no fortalecimento das lutas locais e na articulação e participação nas lutas nacionais. Um período de muita aprendizagem, desafios e construções, que foi vivenciado com certa preocupação e até angustia, mas também com muita animação.
*Vasconcelos Filho é militante político-social, participou da organização e animação do Plebiscito Popular sobre a Dívida Externa em Manaus.