Por Bettina Barros, do Valor Econômico
Não bastassem as geleiras derretendo, a elevação do nível do mar e o desaparecimento de ilhas e costas inteiras, para citar um exemplo dos efeitos nefastos das mudanças climáticas, boa parte da população global vai também se alimentar pior na medida em que os níveis de CO2 subirem. Um grupo expressivo de pessoas poderá ter carências ainda maiores de zinco, ferro e proteína, nutrientes vitais ao organismo humano. Ao todo, quase 2 bilhões poderão ser afetados.
Esses nutrientes tendem a diminuir em culturas agrícolas tão arraigadas na dieta humana como o arroz, o trigo e os legumes, e como consequência direta da liberação de gases-estufa, segundo um novo estudo assinado pelos pesquisadores Matthew Smith e Samuel Myers, da Universidade de Harvard. Em um artigo publicado ontem na revista científica Nature, eles avançam na análise da correlação entre a elevação do CO2, o mais conhecidos desses gases, e o impacto na qualidade do alimento.
“A maior parte das pessoas depende de dietas vegetarianas para garantir a ingestão de nutrientes – 63% da proteína, 81% do ferro e 68% do zinco consumidos vêm das plantas. O CO2 ajuda as plantas a crescerem, mas muito CO2 também as torna mais empobrecidas do ponto de vista nutricional”, diz o estudo. “Com os gases-estufa caminhando para ultrapassar 550 ppm nos próximos 30 a 80 anos, muitas culturas terão a sua concentração de zinco, ferro e proteína reduzidas em 3% a 17%, na comparação com o perfil nutricional de hoje”.
Os pesquisadores americanos jogam luz sobre um problema que vai além da segurança alimentar – seca, calor e enchentes irão afetar cada vez mais a produção de alimentos e o acesso a eles. Uma agricultura pobre é, sobretudo, uma questão de saúde pública global. A análise levou em consideração a disponibilidade alimentar per capita de 151 países, estratificados em idade e gênero, assumindo dietas constantes e excluindo outros impactos climáticos na produção de alimentos. Sob esse recorte, em um
cenário de 550 ppm de CO2, 175 milhões de pessoas se tornariam deficientes em zinco, 122 milhões em proteína e mais de 1,4 bilhão de mulheres em idade fértil e crianças de até cinco anos de idade seriam anêmicas.
O impacto nutricional será particularmente feroz nos países ou regiões mais pobres: Índia e outros vizinhos asiáticos, África Subsaariana, Norte da África, Oriente Médio e Sudeste Asiático. Somente na Índia, meio bilhão não terão ferro suficiente na dieta alimentar. Essas regiões serão mais afetadas porque consomem mais cereais afetados pelos gases-estufa, como trigo e arroz, e legumes. E contrapartida, contam menos com fontes animais de proteína.
Ao mesmo tempo, países da América do Norte, do sul e da Europa Ocidental, onde as dietas são ricas em proteína animal, estão sob risco menor de empobrecimento nutricional. África Central e Ocidental também porque adotam uma dieta que prioriza grãos menos suscetíveis aos impactos do CO2, como milho, milheto e sorgo.
“O caminho mais direto de evitar deficiências nutricionais provocadas pela alta das emissões é reduzir rapidamente essas emissões. Há também oportunidade de encorajar dietas mais diversificadas para as populações vulneráveis, suplementos alimentares e novas variedades de sementes menos sensíveis ao CO2. Mas nada disso será a bala de prata. Cada ação requer investimentos em pesquisa e novas intervenções para ser eficiente”, afirmam Smith e Myers, vinculados à escola da Saúde Pública T.H. Chan.
“Nossa pesquisa deixa claro que as decisões que tomamos diariamente – como aquecemos nossas
casas, como nos locomovemos, o que escolhemos para comprar – estão tornando nossa alimentação mais pobre e ameaçando a saúde de outras populações e futuras gerações”. A pesquisa é mais um sinal de alerta da comunidade científica mundial para que uma política efetiva de controle das emissões de gases-estufa avance sem retrocessos. Vinda de Harvard, é um alerta em dobro – na gestão de Donald Trump, os “céticos do clima” passaram a ter voz ativa na Casa Branca.

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