Por Rogéria Araújo | Comunicadora da rede Jubileu Sul Brasil
O Mecanismo Independente de Consulta e Investigação (MICI) do grupo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) realizou na manhã do dia 28 de fevereiro, na Unicamp, em Campinas (SP) um seminário sobre o funcionamento da instância que lida e media problemas em projetos que são financiados ou cofinanciados pelo banco. O seminário dedicou espaço para que moradores e entidades que moram e acompanham famílias realocadas em São José dos Campos falassem do processo de mediação.

Depois de uma apresentação sobre como funciona o MICI feita por Victoria Márquez, entidades e organizações como o Conectas, Oxfam Brasil, Jubileu Sul Brasil, Movimentos de Atingidos por Barragem (MAB), Centro de Informação sobre Direitos Humanos e Empresas, entre outras, puderam fazer perguntas e questionamentos sobre a atuação do Mecanismo.
Cosme Vitor (Jubileu Sul Brasil), Ângela Aparecida (Coletivo Dandara e Jubileu Sul Brasil) e Edelmar Barbosa (morador do Jardim Brasilia e afetado pelo BID) falaram sobre a experiência das famílias do Jardim Brasília. Representando o Jardim Brasília, Edelmar afirmou que os moradores ficam sabendo de informações importantes depois que os acordos já foram fechados. “O poder público não tem interesse nenhum que os moradores estejam bem informados. Depois vêm as consequências”, disse, ressaltando que até então o MICI vem realizando um bom trabalho no local.
Já Ângela falou sobre a pressão e assédio que muitas famílias sofrem para aceitar o acordo. Ela afirmou que desde 2000 os moradores organizados vêm fazendo denúncias ao BID sobre os problemas com os quais convivem no cotidiano. À época em que foi feita a realocação, disse, muitas famílias não queriam aceitar o projeto. “Mas a Prefeitura foi lá, de forma arbitrária, com assédio, e conseguiu”, afirmou, acrescentando que a presença do MICI só veio bem depois das remoções.
São Jose II
Para entender o caso: no inicio dos anos 2000 a Prefeitura de São José dos Campos adquiriu um apoio do BID para melhoria de casas dentro do Projeto Habitar Brasil e, com isso, removeu três comunidades – Caparaó, Nova Detroit e Nova Tatetuba – num total aproximado de 490 famílias para uma região descampada a 16 km do local original onde moravam, próximo ao centro. A justificativa usada para a remoção foi de que as famílias viviam em área de risco. Contudo essa mesma área agora é ocupada por empresas e foi aterrada e usada para a especulação imobiliária, hoje com condomínios de alto padrão.
Dessas 490 famílias, 37 se recusaram a remoção e ocuparam um galpão da REFESA , onde viveram até dezembro de 2016 em condições precárias, mas lutando com o MICI e a Prefeitura de São José dos Campos para que fossem reassentadas numa área próxima aonde viviam originalmente. Por fim, em dezembro de 2016, as casas no Jardim Brasília, a 2 km da Nova Tatetuba, onde as famílias moravam originalmente foram entregues. As 453 famílias que foram removidas para a comunidade Jardim São José II vivem em condições precárias e convivem com a violência e a ausência do estado, de equipamentos públicos adequados, além da criminalização por serem pobres e serem da periferia. Vale ressaltar que foi o próprio MICI que desmembrou o caso das 37 famílias das demais 453, pois quando foi apresentada a denuncia ao órgão fiscalizador do BID o caso foi completo com as 490 famílias atingidas. Contudo o MICI desmembrou e deu atenção às famílias que ocuparam a REFESA, pois estas estavam organizadas e faziam e continuam fazendo a resistência e exigindo moradia digna. Por isso, o assunto Jardim São José II veio à discussão no Seminário do MICI.

De acordo com Cosme Vitor, a situação das famílias do Jardim São José II é precária em termos de equipamentos, infraestrutura, segurança. A violência crescente está exterminando jovens e adolescentes, deixando mães doentes, com depressão. Ele explicou que pela “higienização” social, a Prefeitura juntou três comunidades, onde nas três já havia facções e forte influência policial. O resultado foi que tanto o tráfico quanto a polícia, vivem em constante conflito e, hoje deixam os moradores em constante vulnerabilidade.
Ele apresentou o depoimento de uma mãe, moradora do Jardim São José II, que já perdeu dois filhos, vítimas do tráfico e da polícia. Vale destacar que esses adolescentes quando da remoção das três comunidades – Detroit, Caparaó e Tatetuba – eram bebes ou crianças de colo, e hoje são vitimas da violência e da precária situação que vivem as famílias naquele local. No depoimento, a mãe pede justiça. Para Cosme, a questão do acesso a melhores condições de vida, saneamento, infraestrutura e o combate a violência social não podem estar dissociados, pois estão entrelaçados. E a responsabilidade por tudo o que vem ocorrendo é do Estado.
“Trata-se de uma situação de extrema violência que foi causada por conta dessa remoção. Agora além de problema com postos de saúde, rede de transporte e emprego, as mães sofrem todo dia, pois todo dia alguém é assassinado”, falou.

Rosilene Wansetto, da rede Jubileu Sul Brasil, destacou a importância deste trabalho de acompanhamento nas duas comunidades hoje, Jardim Brasilia e Jardim São josé II, ambos os casos fazem parte do mesmo processo de higienização promovido pelos financiamentos das Instituições Financeiras internacionais multilaterais e executados pelo estado brasileiro através das prefeituras e empresas. “É a mesma foram de operar que ocorre nas grandes obras de infraestrutura que vemos pelo país à fora. Esta forma de financiamento tem gerado uma dívida social e financeira incalculável. O direito a moradia é algo inalienável e precisa ser respeitado”, afirmou.
MICI
Para os representantes de São José dos Campos, o fato de o Mici não ter autonomia diante de determinados assuntos é um atraso, pois muitas vezes a denúncia não tem continuidade e não é resolvida. “A arrogância do Banco é grande. É horrível a relação entre a comunidade e o banco”, disse Cosme. Os moradores afirmaram, ainda, que o apoio da Defensoria Pública do Munícipio tem sido essencial para acompanhar os problemas da região.
O MICI esclareceu que é um escritório de mediação e que, de fato, não têm autonomia para interferir em vários assuntos. Como falou Victoria Márquez, diretora, o MICI tem feito esforço para mediar da melhor forma possível e encaminhar as demandas e queixas que surgem.
Sujeitos nos Territórios
A rede Jubileu Sul Brasil acompanha o caso das famílias de São José II dentro das ações do projeto Sujeitos nos Territórios, que tem por objetivo dar visibilidade aos impactos gerados nas comunidades e auxiliar na auto-organização popular. O projeto também acontece na Comunidade Maravilha, em Porto Velho, Rondônia.
Para saber mais: https://jubileusul.org.br/nota/4572

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