Porto Príncipe, 16 de setembro de 2014

A PAPDA expressa sua indignação ao relatório do Secretário Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, sobre a situação política e institucional no Haiti, apresentado ao Conselho de Segurança na quinta feira, 11 de setembro.

O relatório mostra um total desprezo pelos problemas que enfrenta nosso país e apresenta uma imagem idílica dos resultados da Missão, ao se negar a reconhecer o seu fracasso e as numerosas, constantes e sistemáticas violações aos direitos fundamentais cometidas pela MINUSTAH durante os 10 anos de ocupação de nosso território. De fato, o balanço destes 10 anos de ocupação não apenas mostra que a presença das forças da ONU não ajudou a resolver os problemas de estabilidade e segurança, como, ademais, essa presença ilegal e ilegítima agravou a crise política e institucional do nosso país.

Os acontecimentos da conjuntura recente são suficientes para demonstrar esse fracasso e os resultados negativos da Missão.

O atraso de três anos na celebração de eleições, a nomeação de funcionários interinos para cargos de liderança de governos locais e a espetacular fuga da prisão de segurança máxima de Croix des Bouquets, devem fazer com que Ban Ki-moon e a sua Representante Especial no Haití, a Sra. Sandra Honoré, se perguntem sobre a eficácia desta Missão, que só entre julho de 2014 e junho de 2015 custará a extravagante soma de US$500 milhões de dólares, quase 20% do orçamento da República do Haiti. Lembremos que a Missão já consumiu, desde a sua introdução em nosso país em junho de 2004, mais de US$ 6 bilhões de dólares.

Devemos lembrar à Ban Ki-moon e a sua Representante Especial, que a MINUSTAH é uma força de ocupação completamente inadequada, estabelecida ilegalmente desde que os primeiros acordos foram assinados pelas autoridades de facto em 2004 e 2005. A MINUSTAH, ademais, não cumpre com a letra nem com o espírito do Capítulo 7 da Carta da ONU, que prevê a implantação deste tipo de intervenção com a missão central de se interpor entre dois grupos armados em conflito e em uma situação caracterizada como de guerra civil, de crimes de lesa humanidade e/ou genocídio. Essa situação não existiu no Haiti, inclusive no apogeu da crise política de 2003/2004. Logo, a presença desta força militar viola os termos da Constituição do Haiti e a Carta das Nações Unidas.

As diversas resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas (desde a resolução n°1542, adotada em 30 de abril de 2004, até a n° 2119, votada em 10 de outubro de 2013), que autorizam a implantação da MINUSTAH e regularmente pronunciam a renovação do mandato por um período de 12 meses, definem explicitamente os objetivos principais da Missão. Do ponto de vista dos interesses estratégicos da nossa nação, todos fracassaram miseravelmente.

Segurança e estabilidade. Apenas com uma forte dose de cegueira e má fé alguém pode se dar ao luxo de dizer que foram alcançados avanços significativos no campo da segurança e da estabilidade. Nos encontramos atualmente em plena crise política, o que se traduz em uma degradação institucional alarmante que põe em questão aos principais órgãos da República, impedidos de funcionar e afastados gravemente de suas tarefas de acordo ao definido por nossa arquitetura constitucional. Todos os atores da vida nacional temem, com razão, a data limite de janeiro de 2015, com o espectro de um vazio institucional que põe em perigo o nosso sistema político e o futuro do país. A missão não estabilizou nada e, portanto, deve reconhecer que fracassou.

É escandaloso constatar o apoio sem reservas que a Missão da ONU outorga às forças conservadoras e retrógradas do nosso país, que estão tratando por todos os meios de sabotar o processo democrático e as aspirações de mudança do povo haitiano. A missão da ONU apoia de maneira indiscriminada as iniciativas do Governo atual apesar de suas escolhas antidemocráticas, das quais destacamos:

  • Tentativa deprenderum membro do Parlamentoempleno mandato;
  • Tentativa de colocar sob o controle do Executivo o aparato eleitoral, dirigido até certo momento por um advogado de Jean-Claude Duvalier;
  • Uso de recursos da Nação para lançar uma campanha eleitoral a favor do Primeiro Ministro atual;
  • Uso de recursos do Estado com procedimentos ilegais e para a criação de um movimento político eleitoral (Mouvman Tèt kale)
  • Não respeito aos procedimentos legais para a nomeação de responsáveis da Corte Suprema do Poder Judicial;
  • Prisões por razões políticas;
  • Tomada de controle dos espaços de governos locais através da designação de funcionários interinos não eleitos, selecionados por sua lealdade política ao governo, etc.

Surpreendentemente, o relatório do Secretario Geral silencia totalmente sobre estas violações e repete os argumentos da propaganda oficial ao acusar o grupo de seis senadores como os únicos responsáveis pela crise pré-eleitoral. A Sra. Honoré em nenhum momento faz referência ao atraso de três anos e as múltiplas violações à Carta Constitucional cometidas pelo atual governo.

O relatório do Secretario Geral fala dos avanços na estabilidade. Do que exatamente se está falando? A Sra. Honoré parece olhar o que acontece em nosso país com óculos especiais. Os relatórios da Comissão Episcopal de Justiça e Paz (JILAP), sobre a violência e os homicídios na área metropolitana, mostram uma tendência cíclica mas não uma melhora permanente. O último relatório da ONU também se vê obrigado a reconhecer um aumento de 24% nos homicídios entre 2013 e 2014, e um aumento significativo no número de estupros. Durante o período observado, assistimos a uma guerra de vários meses entre grupos rivais nos bairros pobres de Bel Air, Cité Soleil e Delmas 2, com uma quantidade importante de vítimas todos os dias. A população do centro de Porto Príncipe está acostumada a ver cadáveres nas ruas quase todos os dias.

Eleições democráticas. As eleições de 2010/2011 figuram entre as mais inaceitáveis do ciclo democrático recente iniciado a partir de dezembro de 1990. Os testemunhos de funcionários que estiveram no coração do processo, como Ginette Chérubin e o Sr. Ricardo Seitenfus, são as provas de que assistimos a um golpe de Estado eleitoral, perpetrado com a cumplicidade ativa das forças da ONU. Está claro que todos os cidadãos responsáveis devem trabalhar para evitar a repetição de manipulações tão grosseiras e para uma transformação radical do aparato eleitoral no sentido de recuperar a soberania sobre esta área estratégica.

Defesa e promoção dos direitos humanos. A MINUSTAH não apenas se mantém em silêncio sobre as recorrentes violações dos direitos humanos por parte do Estado haitiano – como por exemplo, a questão dos despejos forçados documentados por organizações haitianas e denunciados pela Anistia Internacional – como também, os mesmos soldados e policiais da ONU são culpados por violações sistemáticas dos direitos fundamentais do povo haitiano. É uma violação ao direito a autodeterminação o desprezo às duas resoluções do Senado da República que definiram um prazo (para a permanência da MINUSTAH) que venceu em maio de 2014. Também se silencia sobre o acordo dos trabalhadores migrantes na fronteira com a República Dominicana. Além disso, os soldados da MINUSTAH são autores diretos de graves violações. Citamos rapidamente alguns exemplos:

  • A ocupação do campus universitário e centros de aprendizagem, privando os alunos e estudantes do sistema de ensino em um país dominado por um grande déficit de infraestrutura educacional;
  • A violação massiva de centenas de mulheres e adolescentes de ambos os sexos. Esses crimes que significam a destruição de vidas inteiras se mantiveram até agora em total impunidade (com a exceção do caso de Johnny Jean de Port Salut);
  • O caso mais grave é a introdução da cólera, que até agora matou cerca de 8.900 pessoas, e contaminou a mais de 704.000, causando muitas perdas econômicas para o nosso país que assim se converteu em campeão mundial desta epidemia. As Nações Unidas nunca reconheceram formalmente a sua culpabilidade pelo crime e não tomaram nenhuma atitude para indenizar as famílias das vítimas nem ao país, como por exemplo, mediante uma enérgica posta em prática de medidas para promover a erradicação completa da doença. A recente visita de Ban Ki-moon é um insulto e uma manobra demagógica para esconder o delito da introdução da cólera sob o véu da luta contra as “doenças transmitidas pela água”. As medidas anunciadas são promessas, e conhecemos bem a escassa realização de promessas no mundo da assistência oficial para o desenvolvimento;

Em conclusão, a PAPDA condena o Relatório do Secretário Geral que busca apresentar a MINUSTAH como um êxito. Condenamos assim as declarações da Senhora Sandra Honoré, que faz uma análise partidária da situação ao sustentar os setores políticos mais retrógrados e as decisões antidemocráticas do atual governo.

A PAPDA exige respeito às duas resoluções do Senado da República e exige a saída imediata e incondicional das tropas da ONU. A renovação do seu mandato, no próximo dia 15 de outubro, seria uma extensão dolorosa de uma tutela ilegal e ilegítima que já causou um grande dano ao país ao agravar a crise sistêmica. Exigimos a retirada das tropas da MINUSTAH e o fim desta ocupação destrutiva.

A PAPDA saúda o processo de negociação entre o Presidente da República, o grupo dos seis Senadores e seus partidos políticos, e espera que de lugar a propostas concretas incluindo a reformulação do Conselho Eleitoral a fim de dotá-lo de um mínimo de credibilidade.

A PAPDA exige que as Nações Unidas reconheça a sua culpabilidade na introdução (por negligência criminosa) da cólera no Haiti. Os familiares das vítimas devem receber a indenização que fazem juz, e os processos de reparação devem ser iniciados com urgência pelo sofrimento experimentado pelo nosso país tanto no plano econômico como da sua imagem. As Nações Unidas devem investir para criar a infraestrutura para o acesso universal à água potável. Exigimos justiça e reparação em um prazo razoável.

A PAPDA saúda a mobilização exemplar das organizações e movimentos sociais da América Latina que mantiveram uma solidariedade inquebrantável com o povo haitiano em sua luta para por fim a ocupação. A título de exemplo, destacamos a recente mobilização nos dias 10 e 11 de setembro de 2014, em Buenos Aires, em cujo transcurso o Premio Nobel da Paz argentino, Adolfo Perez Esquivel, Nora Cortiñas das Mães da Praça de Maio (Linha Fundadora), dirigentes da CTA (uma das principais centrais sindicais do país com milhares de membros), os líderes de Diálogo 2000 – Jubileu Sul Argentina e outros foram ao Parlamento para exigir o fim da presença das tropas do seu país nessa operação vergonhosa que é a MINUSTAH. Um grande número de parlamentares argentinos reconheceu, e assim também o fizeram funcionários do governo encarregados do assunto, que não há justificativas razoáveis para prolongar a ocupação.

A PAPDA rechaça a maior parte das propostas contidas nos diversos cenários sobre o futuro da missão, apresentados no mês de março 2014 ao Conselho de Segurança das Nações Unidas pela Senhora Honoré. A redução gradual do número de efetivos militares está atrelada a mecanismos inaceitáveis para o fortalecimento da tutela política. A MINUSTAH deve sair e devemos recuperar nossa soberania, perdida quase em sua totalidade desde 1915.

A PAPDA dá as boas vindas ao conjunto de organizações e coalizões haitianas que sempre mantiveram os ciclos de mobilização contra a ocupação da MINUSTAH e lhes convoca a que se envolvam ainda mais na construção de um amplo movimento patriótico.

A PAPDA faz um chamado à população haitiana para que se mobilizem para reclamar a não renovação do mandato da MINUSTAH em outubro de 2014. A saída da crise passa necessariamente pela recuperação da nossa soberania e a construção de um amplo movimento patriótico, democrático e popular.

Tradução para o português: Jubileu Sul Brasil

Versão em espanhol: http://jubileosuramericas.net/nota-de-prensa-sobre-la-minustah-y-estados-sandra-honore-papda/

Versão original em francês: http://www.papda.org/article.php3?id_article=1244

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