Sandra Quintela, economista brasileira, articuladora nacional da Rede Jubileu Sul Brasil, concedeu entrevista à Secretaria da Rede Jubileu Sul Américas, e nela compartilha suas percepções sobre as implicações dos 10 anos do golpe em Honduras. Confira!

Sandra fala sobre o assassinato da deputada Marielle Franco (PSOL), em 14 de março de 2018, durante a V Assembleia da Rede Jubileu Sul Américas, realizada em março de 2019, na Guatemala.

Secretaria JS/A: Você considera que este fato produziu mudanças no cenário da região latinoamericana? Quais?

Sandra: 10 anos após o golpe institucional em Honduras, produzido em 2009, houve mudanças na região que muitas de nós ainda não conseguimos entender completamente. O golpe no Haiti em 2004, precedido pela tentativa de golpe na Venezuela em 2002, depois o golpe do Paraguai em 2012 e em seguida o imaginável golpe no Brasil em 2016 aprofundaram uma agenda de perdas democráticas de maneira brutal.

O crescente processo de militarização, criminalização e judicialização dos lutadores sociais pelos direitos humanos é uma realidade para Honduras como para o Brasil, assim como nos países onde estes e estas combatentes são mais assassinados.

O avanço dos territórios garífunas, indígenas, camponeses, através de avanços em infraestrutura por meio de estradas, portos, aeroportos, represas, etc.  para garantir a introdução de grandes projetos de mineração, extração de petróleo, a introdução de monocultura de palma, soja, ou qualquer outra coisa, o turismo de massa através dos resorts e hotéis de luxo; tudo isso contribui para que a política de fazer golpes institucionais na região estabeleça que o modelo de desenvolvimento capitalista se mova com maior velocidade e amplitude na região.

Destaco a situação das mulheres, pois o feminicídio cresce na região. Não é casualidade o brutal assassinato de Berta Cáceres, em Honduras, de Marielle Franco no Brasil, entre muitos outros casos. A violência doméstica é outro indicador de crescimento neste cenário de violações. As mulheres na América Latina continuam liderando as lutas territoriais no campo e na cidade.

Secretaria JS/A: Na sua perspectiva, qual é a relação entre o modelo de imposição de golpes e as condições sociais, políticas e econômicas do seu país?

Sandra: O quadro institucional das garantias de direitos está completamente comprometido nos dias atuais. Isso tem muito a ver com a conjuntura que os golpes institucionais permitem. Vários pacotes de privatização foram implementados, como energia, água, previdência social, educação, florestas, etc., isso ocorreu em grande parte dos países da região. A perda de soberania é visível em muitos desses países. Na Argentina, por exemplo, os empréstimos do FMI – Fundo Monetário Internacional – são de aproximadamente US$ 57 bilhões, estes empréstimos sequestram o futuro da nação, sem a possibilidade de decidir qual caminho percorrer, porque esses compromissos com os pagamentos da dívida  alteram o orçamento nacional e não permitem atender às necessidades reais das pessoas.

A situação na Colômbia, não só com as nove bases militares dos Estados Unidos, mas também com o assassinato de militantes todos os dias, por causa de uma tremenda disputa pelos recursos naturais e também pela disputa por um projeto de sociedade. Nem na Colômbia nem na Argentina houve golpes institucionais, mas os golpes no Brasil e no Paraguai na América do Sul proporcionam uma atmosfera de impunidade e também de libertação para que a burguesia possa fazer o que quiser, em particular, contra os interesses do povo, dos e das trabalhadoras que todos os dias sentem a vida cada vez mais difícil de ser vivida com a pobreza e miséria batendo na porta.

Secretaria JS/A: Qual acredita que é o papel das organizações sociais nesses cenários?

Sandra: É um desafio muito importante para as organizações sociais nos dias atuais se perguntarem: onde cometemos tantos erros? Como não conseguimos olhar nos casos concretos, como os do Haiti, Honduras e Paraguai, que isso poderia ser estendido a um país como o Brasil, que é a oitava economia do mundo?

O destino da região depende muito do caminho percorrido pelos países centrais da região, isso devido à sua complexidade na economia, ao tamanho da população, do território. Para a Meso-América, a estrada que o México anda tem uma influência direta, por exemplo, em sua política de migração, de exportação, de produção agrícola, etc. Na América do Sul, Brasil, Argentina e Venezuela orientam de alguma forma o desenvolvimento socioeconômico dessa sub-região.

Se olharmos do sul, nos encontraremos em uma situação muito complexa. Na Argentina e no Brasil, com governos de direita e extrema direita, a crise na Venezuela e a possibilidade de novas tentativas de golpe podem gerar um quadro de instabilidade política mais disseminada na região. Em outras palavras, o que acontece hoje em Honduras e no Haiti pode ser expandido para esta sub-região. No caso da Meso-América, os caminhos que o México seguirá precisam ser acompanhadas com proximidade. O governo mexicano pode ser um aliado para a crise em Honduras e no Haiti? Como as organizações da sociedade civil desse país podem influenciar para que possa ser um aliado diante da política violenta dos EUA na região? Ou seja, acho que os desafios são múltiplos. A partir do fortalecimento do trabalho de base, mas também da construção de alianças nos territórios nacionais e regionais. A situação na América Latina e no Caribe exige um esforço muito grande desta parte do mundo. Vamos precisar de todos e todas, alianças táticas e estratégicas com os diversos atores e atrizes da região!

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