Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
Somos herdeiros do medo, da dúvida e da inquietação. Livres e ao mesmo tempo escravos das próprias escolhas. Pontos de interrogação ambulantes, curvados sob o peso de um fardo que, para cada um, é sempre a cruz maior. “Caniços que pensam”, é verdade, mas agitados por ventos furiosos, contrários e contraditórios. As interrogações – uma após a outra – cobrem nossos passos titubeantes, nossos vácuos nebulosos, nossos vazios sem fundo e sem sentido. Abismos sobre os quais raramente conseguimos fazer pontes, desertos sem sombra de oásis, florestas sem qualquer sinal de veredas, destinos ignotos e enigmáticos. Por quê? Por quê? Por quê?…
Noventa e nove por cento de nossas perguntas não encontram resposta. Noventa e nove por cento de nossos males estão desprovidos de remédio. A terra gira e, ao redor, emite por todo lado rumores múltiplos e diversificos. A história, com suas engrenagens enferrujadas e ruidosas, implacavelmente avança. As estrelas brilham distantes, mas como que centradas em si mesmas, não iluminam a noite. Na estrada, os marcos se tornam incompreensíveis ou ilegíveis. O chão, sob os pés, se faz arenoso, movediço e escorregadio. Temores e tremores constutuem “o pão nosso de cada dia”. Herdeiros pobres: órfãos, sós, perdidos, abandonados. E retorna sempre, teimosamente, insistentemente, a grande interrogação: quem sou, de onde vim, para onde vou?
Sabendo ou sem o saber, buscamos um refúgio, um ponto de apoio, uma referência sólida e segura, um porto e um ponto de chegada. Mas este se converte, irremediavelmente, em novo ponto de partida. E prosseguimos na busca de um colo acochegante talvez. Talvez, sabendo ou sem o saber, o colo saudoso da mãe, um útero que nos nutra, defenda e ofereça proteção. Por mais crescidos e adultos que sejamos, seguimos sendo seres carentes, crianças que gritam por socorro. Continuamos “gemendo e chorando neste vale de lágrimas”. Mas os embates da vida não oferecem trégua. Os viajantes que caminham ao lado, ou aqueles que condidivem o cotidiano, parecem não ter ouvidos. Cala-se igualmente o céu: permanece mudo e surdo, indiferente e longínquo. A quem dirigir-se?
Ou melhor, como manter o fio da esperança? Esperança que se distingue da mera expectativa. Esta responde aos apelos do mercado e de sua irmã siamesa, a propaganda intensa e estridente. A esperança, em lugar disso,  tem raízes na experiência de uma vida marcada por sucessos e fracassos, altos e baixos, avanços e recuos. Uma busca satisfazer os desejos imediatos, sempre atenta, além disso, a outros desejos produzidos pelo marketing. A outra, mediante a herança do passado e os desafios do presente, procura construir um plano para o futuro.
A expectativa se lança nas asas do vento, não sabendo como suportar os segundos, minutos, horas e dias que a separam do objeto desejado, a ser possuído o mais rápido possível. A esperança tem os pés firmes no chão, nele tentando lançar os alicerces de um amanhã robusto e consistente, o qual, como as plantas e edifícios, se ergue lentamente do solo. Para ela o tempo é fator não de pressão e estresse, mas de maturação do fruto a ser colhido no devida estação. Enquanto a primeira escolhe a via curta da compra, do uso abusivo e do descarte, a segunda sabe que o caminho mais seguro é a via longa e que, na travessia da existência, é preciso abrir atalhos, fazer desvios para alcançar a meta.
A expectativa é filha do individualismo e da cultura consumística, indiferente aos efeitos colaterais de um comportamento que polui e devasta o meio ambiente, a médio e longo prazo destruindo os ecossistemas.  E deixando atrás de si um imenso deserto vazio, infecundo e estéril. A esperança é filha do legado evangélico que tem como núcleo a Boa Nova do Reino. Reino que é sal, luz, tesouro e fermento – semente minúscula que, a seu tempo, nasce, cresce e contagia toda a rede de relações: interpessoais, humanas, sociais, políticas e culturais… Sem falar do cuidado e do cultivo com a biodiversidade, a vida em todas as suas formas e variedades. A Boa Nova do Reino faz a ponte entre a memória do passado, as tribulações do presente e a promessa do presente. Organiza o caos aparente da existência humana, descobrindo-lhe pouco a pouco o pleno significado.
A expectativa, com a pressa frenética de tomar posse de coisas e pessoas, tem olho grande e fôlego curto. Opta pelo parto artificial, a cesariana, independentemente das condições do feto. A esperança, ao invés, resigna-se às dores de parto de toda a criação, sabendo que até mesmo todo sofrimento contém lições que fazem crescer e amadurecer. A sociedade contemporânea – “líquida”, “atomizada”, “espetacular”, respectivamente, Bauman, Colazari e Debord – de forma imediata busca analgésicos para toda e qualquer dor, acelerando vertiginosamente o ritmo das expectativas de gozo, prazer e hedonismo. A esperança do Reino de Deus, ao contrário, procura curtir e digerir o sofrimento diário, não devido a um mórbido e doentio masoquismo, mas porque sabe que dor e mal, pecado e morte fazem parte da realidade. Por isso, leva-os em consideração e medita sobre eles, sem deixar, claro, de utilizar os meios da ciência para diminuir ou extinguir a dor física ou mental.
O problema está na pressa, na sede de novidades ou justamente na expectativa. Daí a velocidade alucinada de responder, aqui e agora, instantaneamente, a qualquer pergunta, a qualquer dúvida, a qualquer medo, a qualquer tipo de sofrimento, por menor que seja. A pressa exacerbada, porém, juntamente com a multidão de ruídos e inquietudes, impede o silêncio e a parada, a meditação e a contemplação. Tudo atropela e tudo devora, como um vórtice gigantesco, adissal e insaciável. Procurando fugir ao caos aparente dos fatos, medos e dúvidas do dia-a-dia, termina por aprofundá-lo. O remédio obtido às cegas, sem um diagnóstico minucioso e detalhado, só faz aumentar a dor, a ansiedade, o vazio e a falta de sentido.
Diferente é a esperança. Confere tempo ao tempo. Busca analisar as coisas com todo cuidado e respeito. Aprende a distinguir a enfermidade que necessita, sim, dos avanços científicos para obter a cura; mas, ao mesmo tempo, é capaz de deter-se sobre o sofrimento inevitável, inerente à própria condição humana sobre a face da terra. E por isso é capaz de parar, silenciar, escutar, meditar, contemplar e… aprender com as tormentas que ameaçam nossa frágil embarcação. Ao invés de respostas imediatas para os desafios cotidianos, trata de elaborar princípios mais sólidos, pontos de referência que possam orientar todo peregrino.
Em lugar de oferecer imediatamente um copo de água, que mata a sede instantânea, mas não elimina o problema pela raíz, a esperança procura mostrar a estrada que conduz à fonte. E a fonte – caminho verdade e vida – aplaca o medo, a dúvida e a inquietação. Não que deixemos de ser “pontos de interrogação ambulantes”. Isso não! Enquanto seres que pensam, se relacionam e são dotados de sentimento e razão, as perguntas farão parte de nossa vida, bem como os temores e tremores que as acompanham. A verdade é que a esperança – e não a mera expectativa mercadológica – abre-nos um horizonte de sentido. Os eventos da História da Salvação, passo a passo, pedagogicamente, cobrem a distância entre paraíso perdido e cumprimento da promessa. A fé representa aqui o novo “colo materno” elevado à condição divina.
Não que a Boa Nova do Reino venha instalar uma nova história, interna, acima ou para além daquela que estamos construindo. Ao contrário, assumindo a obra humana, Deus a reveste, a transforma e a transfigura.
O Verbo se faz carne e arma sua tenda entre nós, não para afastar-nos do mundo, dos fatos e das pessoas, e sim para desvendar seu significado mais profundo e oculto. Descobrimos, assim, que a realidade é infinitamente mais ampla e grandiosa do que pode alcançar a “vâ fisosofia humana”, como diria o personagem de Shakesperare. Em que consiste aquilo que a razão é capaz de ver e analisar? Uma fatia minúscula microcósmica do real ou da criação. A promessa do Reino inclui a visão da realidade integral e transfigurada – os “novos céus e nova terra da Jesusalém Celeste”.
Roma, 28 de junho de 2015

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