Comitiva formada por redes nacionais, ONGs e movimentos populares constataram desrespeito do Estado e município contra os direitos humanos.
Por Cláudia Pereira | Rede Jubileu Sul
O aumento das violações ao direito à moradia no estado do Ceará em 2021 é de 87,4%. Dados da campanha Despejo Zero apontam que o estado está em quinto lugar, em ações de despejos da região Nordeste do Brasil. Mais de 4.000 famílias sofreram ações de despejos, remoções e ameaças em plena pandemia na cidade e região metropolitana de Fortaleza (CE). As constantes remoções e ameaças tem sido violentas e partem de determinações do judiciário, ordens administrativas do município e ações da polícia. Dez pessoas foram detidas e seis respondem a processo judicial de natureza criminal. Este foi um dos cenários que a comitiva da Missão-Denúncia encontrou entre os dias 17 e 19 de novembro, ao visitar seis comunidades para denunciar abusos e violações de direitos relacionados ao contexto da falta de moradia e aos despejos na cidade.
A comitiva que visitou as ocupações de Fortaleza (CE) é formada por representantes da Campanha Nacional Despejo Zero, do Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), Plataforma Dhesca, Habitat para a Humanidade Brasil, CDES Direitos Humanos, Escritório Frei Tito, Rede Jubileu Sul Brasil, Central de Movimentos Populares e outras representações de ONGs, movimentos de moradia e direitos humanos.
As vozes das mulheres ecoaram
As seis comunidades visitadas pela comitiva exemplificam situações de mais de 100 comunidades que vivem em situação de conflito fundiário na capital e interior do Ceará. As mulheres foram maioria na equipe que integrou as ações da comitiva de Fortaleza. Elas atuam na assessoria jurídica, parlamento e comunicação. Também lideram movimentos e comunidades que vivem diariamente a luta pela moradia digna.
Os relatos das mulheres das ocupações, confirmam a violência e o abandono do Estado. Uma das moradoras do Alto das Dunas falou que a filha não dorme direito porque sente medo. Todas as noites a criança acha que os tratores irão retornar para destruir a casa.
São constatações do grau de violência do Estado contra os direitos humanos. Mais de 60 famílias da ocupação foram despejadas na pandemia e 313 resistem, vivendo em situações de extrema vulnerabilidade social.
“Sofremos humilhações quando vieram derrubar as nossas casas, os policiais foram truculentos, não tivemos tempo de tirar as nossas coisas. Além da sensação de abandono, me senti um nada, ninguém. Estou vivendo de aluguel social com a minha família, mas não sei o que vai ser de nossas vidas”. Disse uma das moradoras que não quis ser identificada.
“Estou aqui porque vivia pagando aluguel. Todo mundo aqui está em busca da sua casa para morar. A luta é difícil, mas não vou deixar de sonhar. Por enquanto não posso dizer que tenho casa, porque a qualquer momento eles podem chegar e nos tirar daqui”. Afirma Maria Ângela da comunidade Cidade de Deus/Alto das Dunas.
Dezenas de moradores da ocupação Cidade de Deus são remanescentes de outras remoções, a exemplo da Francisca que sofreu duas remoções. Além de sofrer ações de despejo, ela conta que o Estado não a indenizou ao desapropriar sua casa para construção de obra pública.
Foi identificado que além da pressão de especulação imobiliária contra as famílias das ocupações, existem situações de vulnerabilidade social que ilustram o quadro de 14,9 milhões de brasileiros na extrema pobreza. Outra situação apontada pela comitiva são imóveis públicos vazios e sem função social, na região central da cidade. Dados da Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional (Habitafor) confirmam que o déficit habitacional na cidade é de mais de 130 mil, número que demonstra a deficiência das políticas públicas habitacionais.
A comunidade Dragão do Mar, na região central da cidade, prédio do antigo Palácio Estadual da Justiça, abandonado há sete anos, abriga dezenas de famílias desde agosto de 2021. As mulheres que moram no prédio, expuseram a indignação diante do descaso do poder público, a violência e as constantes ameaças. A ocupação é uma constatação da existência de mais de 600 prédios vazios ou subutilizados no centro da capital.
“O que nós ouvimos nestes dois dias foram palavras de indignação, denúncias de covardia por parte dos agentes do poder público. Nós vimos vidas destroçadas, vimos famílias em situação difícil, morando de forma precária e reivindicando os seus direitos”. Afirmou Orlando Santos Júnior, relator da plataforma Dhesca.
Comunidade Raízes da Praia
A comunidade Raízes da Praia que está inserida nas ações do Sinergia Popular, estava entre as comunidades visitadas. Com mais de 80 famílias que se mantêm organizadas e vivem na insegurança, em razão da forte especulação imobiliária na Praia do Futuro, moram em situações precárias, sem saneamento básico e sem água.
Através do Conselho de Movimentos Populares (MCP), das ações do Sinergia Popular, coordenada pelo Jubileu Sul Brasil (JSB), 6ª Semana Social Brasileira (SSB) e Central de Movimentos Populares (CMP), a comunidade construiu espaço de diálogo com as instituições do município. Atualmente os moradores aceitaram a proposta de construção das casas por mutirão e vêm pressionando as secretarias municipais e a câmara de vereadores para garantir o orçamento para execução da obra em 2022.
“Apesar da nossa luta ter conquistado alguns passos, nós ainda estamos sob o risco de ser despejados. Não existe nada concreto, mas temos a esperança de que vamos conquistar a nossa moradia. Nós precisamos muito além da casa, nós queremos vida digna”. Disse Alice para os representantes da comitiva que visitaram a comunidade.
“A falta de moradia é uma dívida social. Cada centavo que sai do orçamento público e vai para pagamento da dívida financeira é um centavo que acumula a dívida social, é o dinheiro do povo que vai para banqueiros”. Diz a economista e articuladora da Rede Jubileu Sul Brasil, Sandra Quintela, que também compôs a comitiva da Missão-Denúncia
A comitiva realizou visita institucional à Câmara Municipal e solicitou ao poder legislativo que avance no diálogo com o poder executivo para intermediar processos que violam os direitos da população mais pobre da cidade, sobretudo, o direito à moradia. O pedido é para que haja uma mesa de negociação com as instituições para evitar os despejos coletivos e violentos.
A missão-denúncia encerrou com uma audiência pública na Assembleia Legislativa com a participação de parlamentares, representantes do Ministério Público, Defensoria Pública e órgãos que atuam na pauta de moradia. O desfecho da audiência foi para além da apresentação das denúncias e constatação da gravidade dos fatos, serviu, para encontrar uma solução entre as intuições e fortalecer a mesa de diálogo.
O Jubileu Sul Brasil integrou a Missão-Denúncia de Fortaleza (CE), a partir da ação Sinergia Popular, uma iniciativa realizada em parceria com a 6ª Semana Social Brasileira (SSB) e Central de Movimentos Populares (CMP), com apoio o apoio do Ministério das Relações Exteriores Alemão, que garantiu ao Instituto de Relações Exteriores (IFA) recursos para implementação do Programa de Financiamentos Zivik (Zivik Funding Program) e é cofinanciado pela União Europeia. A ação também faz parte do processo de fortalecimento da Rede Jubileu Sul e das suas organizações membro.
Leia também:
Regularização Já: comunidade de Fortaleza (CE) exige direito à moradia