Carlos Magno levou um tiro de fuzil na nuca, Paulo Roberto foi espancado até morrer, João não se lembra mais quantas vezes levou tapa na cara de policial. Claudia Ferreira foi baleada, seu corpo foi removido do local do crime no porta-malas de uma viatura policial e no trajeto ficou pendurado no para-choque por um pedaço de sua roupa, sendo arrastado por quase 300 metros. Carolina estava indo pra escola quando sua casa foi invadida por policiais”. Impactante? Sem dúvidas. Assim começa o relatório final do projeto Militarização das Favelas: Impactos na vida dos jovens negros e negras do Fórum de Juventudes Rio de Janeiro, divulgado recentemente por integrantes do Fórum.

O relatório, fruto do projeto que tem apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos e Justiça Global – retrata com muita veracidade o cotidiano de milhares de jovens que moram nas favelas que são ocupadas pela presença militarizada do Estado, através das Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs. Longe de passar segurança ou de garantir a “paz” nas favelas, essas unidades têm sido responsáveis por uma série de violações de maior e menor grau comprometendo de forma invasiva e criminosa a vida das famílias, a vida e a cultura das favelas.

Aqui, vamos selecionar alguns trechos desse importante e corajoso trabalho de visibilização e denúncia. Só mostra que as juventudes não se calarão diante de tanta injustiça e cerceamento de liberdade, mostra o quanto a juventude é ativa no processo de mudança.

Para ler o relatório na íntegra: https://drive.google.com/file/d/0B3R3qr3he2nOYXdGLTlHT0NzQ2c/view

O que é a militarização nas favelas?

A presença militarizada do Estado é atualizada todos os dias em cada xingamento racista e/ou machista, em cada casa invadida com chave mestra, em cada laje feita de esconderijo sem autorização, em cada equipamento de comunicador comunitário apreendido por um policial ou por um soldado. A militarização dos territórios é alimentada pela lógica bélica que constrói a ideia de que os moradores de favelas, especialmente os jovens, são inimigos que precisam ser eliminados. É essa mesma lógica que pauta toda a racionalidade estatal que elabora as políticas públicas direcionadas pra esses territórios e pauta também as subjetividades das pessoas que não moram nas favelas e que demandam mais e mais policiamento”.

Extermínio da juventude negra

O número de homicídios passa por um crivo de seleção. Os números não deixam dúvidas. Os dados do Mapa da Violência 2015 revelam que se em 2003 a vitimização de jovens negros foi de 71,8%, em 2013 esse número foi de 174,6% – um crescimento de 141,7% de mais negros que brancos.

O Fórum de Juventudes RJ se nega a entrar no discurso da grande mídia racista da culpabilização individual de um policial, pois entendemos que a questão é histórica das policiais que sempre nos enxergaram e enxergam, nós negros(as)favelados(as) e periféricos(as), em especial as juventudes, como os(as) inimigos(as) a se combater e exterminar”, destaca o relatório.

Os novos donos das escolas

Segundo os jovens, as escolas têm se tornado um espaço militarizado. Se antes tínhamos a presença da ronda da guarda municipal, agora temos nos Colégios estaduais a presença da UPP em tempo integral e fazendo atividades e controlando a disciplina no espaço escolar. Em todos os territórios foram relatados esses casos, e onde não temos a polícia, as milícias e outras redes também realizam esse controle da vida e dos corpos dos jovens negros e favelados(as) com dinâmicas diferenciadas”.

Direito de ser jovem

De acordo com o relatório, ser jovem é um problema nas favelas. Um jovem de Manguinhos revela: “não podemos ser jovens, andar boné ou namorar no Colégio Luiz Carlos da Vila, que eles vêm nos dar dura” ou “Aqui a milícia não nos deixa pintar o cabelo de blondô e ir para escola assim.”

Mototáxi: um grande negócio

Um dos impactos apontados pelas juventudes que participaram é que os jovens moto taxistas são impedidos de trabalhar pela UPP quando não aceitam extorsão dos próprios”. Em entrevistas à equipe do relatório muitos jovens afirmam que quando não pagam para os policiais são impedidos de circular, impedindo o direito de ir e vir, e de uma locomoção popular nas favelas, usada para ir ao trabalho.

Comunicação pra quê? Vocês não são da Globo

A comunicação comunitária, realizada e consumida por moradores de favelas de todo o país, de fato, tem incluído em suas pautas a violação de direitos humanos. Com a entrada da UPP, o trabalho dos comunicadores locais foi dificultado. A opressão para controlar ou até impedir a veiculação de acontecimentos reais, ocorre apenas com os comunicadores da comunidade. Equipes de emissoras famosas têm liberdade e acesso para invadir o dia a dia e veicular notícias sensacionalistas sobre o pobre, negro e favelado. A importância da democratização da comunicação é ligada diretamente à liberdade e ao direito que todo cidadão tem de consumir, produzir e compartilhar a informação que lhe interessar”.

Seminário Haiti e Militarização

No Seminário Nacional sobre o Haiti: Construindo Solidariedade, realizado pela rede Jubileu Sul Brasil, que aconteceu em maio deste ano em São Paulo, representantes de coletivos e moradores do complexo do Alemão e Maré participaram do evento e falaram sobre as consequências da militarização nas favelas. Para conferir: https://jubileusul.org.br/nota/2912

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