Por Grito dos Excluídos/as.

Este texto integra um conjunto de seis eixos trabalhados em coletivo como base para o Grito dos Excluídos/as deste ano de 2015. Até o dia 7 de Setembro outros eixos serão amplamente divulgados.

GritoDosExcluídos20153000Neste ano, o Grito dos Excluídos/as, que comemora 21 anos de história, alerta para a situação de violência em que o país se encontra, na qual as vítimas maiores são as juventudes da periferia. E chama a atenção para o papel destruidor da mídia cujo principal objetivo é defender os interesses das classes dominantes, que dita seus valores e quer dirigir o pensamento do povo brasileiro.

Afinal, “Que país é este, que mata gente, que a mídia mente e nos consome?”. Esse é o tema do Grito dos Excluídos/as de 2015, que convoca os generosos e generosas, excluídos e oprimidos a se unirem na luta pelos direitos conquistados e a conquistar. Bem como para desmentir a mídia burguesa e conservadora e a cobrar do Estado sua responsabilidade na garantia desses direitos.

Os meios de comunicação estão concentrados nas mãos de poucas famílias no Brasil. Neste contexto, a mídia mente, deturpa os fatos, cria situações para destruir direitos dos trabalhadores e dos pobres.  A democratização dos meios de comunicação se faz necessária, já que a própria democracia fica comprometida sem uma comunicação em que todos e todas possam falar e ser ouvidos, em que a diversidade e a pluralidade de ideias existentes no país circulem de forma equilibrada nos meios de comunicação de massa.

Durante a última campanha eleitoral, a presidenta Dilma Rousseff, então pré-candidata à reeleição pelo PT, declarou que, se eleita, enfrentaria o debate acerca da regulação dos meios de comunicação. A afirmação causou furor na mídia comercial, que não perde oportunidades para alimentar a versão de que há um plano da esquerda para controlar a mídia e impedir críticas ao governo. O candidato da oposição, Aécio Neves (PSDB), também se apressou a reafirmar “o PT quer censurar a imprensa”.

Eleições concluídas, presidenta reeleita, momento político conturbado, e a tão anunciada regulação econômica dos meios de comunicação parece novamente estar na corda bamba. As recentes declarações do Ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, sobre o tema são tímidas e, em geral, referem-se a um processo demorado.

A verdade é que nesse assunto, quanto mais confuso for o debate, menos resultados ele produzirá. Assim, alguns veículos empenham-se em embaralhar as informações de forma sofisticada; outros omitem do público informações relevantes sobre o tema; outros, ainda, divulgam o dito pelo não dito.

O esforço é um só: manter inalterada a atual situação de concentração econômica e de ausência de diversidade e pluralidade na mídia brasileira.

Tendo em vista esta ostensiva operação para interditar um debate direto e transparente sobre a regulação da mídia (ação corrente que, essa sim, caracteriza prática de censura), vamos aos fatos, numa tentativa de desfazer o labirinto construído em torno do assunto.

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que os serviços de rádio e televisão são, assim como a energia, o transporte e a saúde, serviços públicos que, para serem prestados com base no interesse público, requerem regras para o seu funcionamento. No caso das emissoras de rádio e TV, a existência dessas regras se mostra fundamental em função do impacto social que têm as ações dos meios de comunicação de massa, espaço central para a veiculação de informações, difusão de culturas, formação de valores e da opinião pública.

Lembram os teóricos que a necessidade ou não de regulação de qualquer setor e a intensidade e o formato dessa regulação estão condicionadas justamente ao poder potencial que tal setor tem para mudar as preferências da sociedade e dos governantes. Assim, quanto maior o poder de um determinado setor e o desequilíbrio democrático provocado, maiores a necessidade e a intensidade de regulação por parte do Estado.

Portanto, à medida que, ao longo da história, crescem a presença e influência dos meios de comunicação de massa sobre a sociedade, aumenta a necessidade de o Estado regular este poder. Não para definir o que as emissoras podem ou não podem dizer, mas para garantir condições mínimas de operação do serviço de forma a manter o interesse público – e não o lucro das empresas – em primeiro lugar.

Vale lembrar também que, além de um serviço público, a comunicação eletrônica representa um setor econômico dos mais importantes do país. Assim como outros, precisa do estabelecimento de regras econômicas para o seu funcionamento, de modo a coibir a formação de oligopólios ou de um monopólio num setor estratégico para qualquer nação.

Por fim, o simples estabelecimento de uma regulação da radiodifusão não pode ser tachado de cerceamento da liberdade de imprensa ou então de censura porque é isso o que diz e pede a própria Constituição brasileira de 1988, ao estabelecer princípios que devem ser respeitados pelos canais de rádio e TV.

No entanto, mais de 25 anos após sua promulgação, nenhum artigo de seu capítulo V, que trata da Comunicação Social, foi regulamentado, deixando um vazio regulatório no setor e permitindo a consolidação de situações que contrariam os princípios ali estabelecidos.

Os efeitos da não regulamentação constitucional são evidentes:

– O artigo 220, por exemplo, define que não pode haver monopólio ou oligopólio na comunicação social eletrônica. Hoje, no entanto, uma única emissora controla cerca de 70% do mercado de TV aberta.

– O artigo 221 define que a produção regional e independente devem ser estimuladas. No entanto, 98% de toda produção de TV no país é feita no eixo Rio-São Paulo pelas próprias emissoras de radiodifusão, e não por produtoras independentes.

– Já, o artigo 223 define que o sistema de comunicação no país deve respeitar a complementaridade entre os setores de comunicação pública, privada e estatal. Entretanto, a imensa maioria do espectro de radiodifusão é ocupada por canais privados com fins lucrativos. Ao mesmo tempo, as 5.000 rádios comunitárias autorizadas no país são proibidas de operar com potência superior a 25 watts, enquanto uma única rádio comercial privada chega a operar em potências superiores a 400.000 watts. Uma conta simples revela o evidente desequilíbrio entre os setores.

– Por fim, o artigo 54 determina que deputados e senadores não podem ser donos de concessionárias de serviço público. Mas o que se vê é que a família Sarney, os senadores Fernando Collor, Agripino Maia e Edson Lobão Filho, entre tantos outros parlamentares, controlam inúmeros canais em seus estados. Sem uma lei que regulamente tal artigo, ele – como os demais da Constituição – torna-se letra morta e o poder político segue promiscuamente ligado ao poder midiático.

Regular os meios de comunicação de massa, neste sentido, está longe, portanto, de estabelecer práticas de censura da mídia. Trata-se de uma exigência constitucional de definir regras concretas para o funcionamento destes veículos no sentido de atender aos objetivos definidos pela sociedade em sua carta maior.

Regular a radiodifusão não é coisa de comunista

Outro argumento colocado pelos oponentes da regulação da mídia é que esta seria uma tentativa de acabar com a liberdade de imprensa e transformar o Brasil num país comunista. Nada mais desinformado.

Os Estados Unidos, por exemplo, país que está longe de ter aspirações comunistas, estabeleceu, há algumas décadas, que donos de empresas que publicam jornais e revistas não podem controlar também canais de rádio e TV. Essa determinação veio da compreensão de que tamanha concentração de poder em termos de difusão de informação é prejudicial para a democracia liberal e a livre concorrência de mercado, que tanto defendem. Da mesma forma, uma empresa não pode ultrapassar um percentual máximo de audiência na mesma localidade, porque seu impacto seria demasiado grande em termos de poder político.

Já, por aqui, apesar de muitos atribuírem o êxito das Organizações Globo exclusivamente à sua competência em se posicionar no mercado, é preciso lembrar que parte do poder alcançado pelo maior grupo de rádio e televisão do Brasil também é resultado de uma ação histórica, do que se pode chamar de abuso de poder de mercado. Abuso que se revela quando uma única emissora possui cerca de 40% da audiência da TV aberta e concentra mais de 70% do mercado publicitário – além de controlar canais de TV por assinatura, jornais, revistas, editoras, gravadoras e produtoras –, desenhando um cenário de evidente concentração.

A necessária regulação de conteúdo

Um aspecto interessante das declarações da presidenta Dilma durante a campanha sobre a necessidade de regulação dos meios de comunicação de massa foi sua incisiva exceção manifestada à regulação de conteúdo. A posição da presidenta não é novidade; Dilma já disse inúmeras vezes que prefere o barulho das democracias ao silêncio das ditaduras. Porém, ao se permitir debater a regulação econômica da mídia e voltar a negar a regulação de conteúdo, Dilma contribui para a confusão que os grupos de comunicação tanto gostam de provocar sobre o tema.

É natural que Dilma tente se esquivar das armadilhas da imprensa, no sentido de desmontar as versões de que se trata de um plano maquiavélico para controlar o que os meios podem ou não dizer. Sua declaração é uma vacina contra a velha estratégia da mídia de confundir a garantia da liberdade de expressão com a ausência absoluta de regulação – ou, ainda, de tratar como uma coisa só censura e regulação de conteúdo. Porém, tanto a estratégia de Dilma em retirar o assunto “conteúdo” da pauta quanto o esforço dos meios em classificar rasteiramente regulação de conteúdo como censura só confundem e desinformam a sociedade.

A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) entende que há muitos motivos para que a regulação de conteúdo exista nos meios de comunicação de massa: promover a diversidade cultural; garantir proteção dos cidadãos contra material que incite ao ódio, à discriminação e ao crime, e contra a propaganda enganosa; proteger crianças e adolescentes de conteúdos nocivos ao seu desenvolvimento; proteger a cultura nacional, entre outros.

O mesmo faz a Constituição brasileira. Ao definir, em seu artigo 221, que a produção regional e independente deve ser estimulada, com percentuais mínimos de veiculação na grade das emissoras, nossa lei maior está pedindo que se regule conteúdo, para que a programação que chega ao conjunto da sociedade pelo rádio e a TV não parta apenas do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Ao estabelecer que não mais de 25% da grade de programação de uma emissora sejam ocupados com propagandas e anúncios, o Código Brasileiro de Telecomunicações também está prevendo a regulação de conteúdo.

A classificação indicativa dos programas, que informa a faixa etária apropriada para determinado tipo de conteúdo e em que horário ele deve ser exibido, visando à proteção da infância, também é uma importante forma de regulação de conteúdo. Apesar da Abert, associação que representa os interesses das emissoras de rádio e TV, ter ação no STF que ataca a classificação indicativa, alegando desrespeito à liberdade de expressão, o próprio relator especial da ONU para Liberdade de Expressão, Frank de La Rue, já emitiu parecer afirmando que estes são direitos complementares e não podem ser tratados como antagônicos. Ou seja, a proteção da infância não fere a liberdade da expressão e, neste caso, o conteúdo também precisa ser regulado.

O mesmo vale para a publicidade dirigida a meninos e meninas. Em países como a Suécia, de forte tradição democrática, a publicidade voltada para o público infantil já foi abolida há muito tempo por meio de mecanismos de regulação de conteúdo. Aqui, porém, novamente o argumento distorcido da proteção absoluta à liberdade de expressão volta a ser usado contra a recente resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que definiu que é abusiva a publicidade voltada para crianças.

Portanto, dizer que não existe regulação de conteúdo no Brasil ou que ela não deva existir é um ato leviano, de má-fé – no mínimo, uma conduta muito mal informada.

Democratizar a democracia

A construção de um ambiente de comunicação mais justo e democrático é uma dívida antiga do país consigo mesmo. A própria democracia fica comprometida sem uma comunicação por meio da qual todos e todas possam falar e ser ouvidos, em que a diversidade e a pluralidade de ideias existentes no país circulem de forma equilibrada nos meios de comunicação de massa.

Se de fato a presidenta Dilma enfrentar a concentração dos meios de comunicação daremos um passo importante no avanço da democracia brasileira. Mas a campanha não foi a primeira vez que esta possibilidade foi ventilada. Em outros momentos, o PT chegou a pautar o debate da regulação da mídia em seus programas de governo, e já se vão 12 anos sem que a questão seja concretamente enfrentada.

É por isso que, cansada de esperar, a sociedade civil tomou o problema nas mãos e está colhendo assinaturas para um projeto de lei de iniciativa popular, que tem como objetivo estabelecer um novo marco regulatório para as comunicações eletrônicas no país. O que se espera é que o debate sobre o tema possa ser, desta forma, desinterditado junto à população em geral, para acabar com a confusão proposital de que qualquer regulação da mídia é sinônimo de censura. Pelo contrário, a regulação é necessária para democratizar a alta concentração de poder instalada nos meios de comunicação de massa, garantindo diversidade, pluralidade e um efetivo exercício da liberdade de expressão do conjunto da população brasileira.

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