Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs

A União Europeia é hoje um campo minado de pontos de interrogação, ao ponto de se levantarem sérios questionamentos ao conceito de “união” ou “comunidade”. Entre os quase 30 países que a compõem, não faltam tensões, divergências e desencontros. Atualmente, no epicentro das perguntas e dúvidas que se erguem por todos os lados, estão, de maneira particular, a situação crítica da Grécia e o fenômeno das migrações.

Grécia de joelhos

No caso da Grécia, nuvens pesadas se adensam sobre os céus da histórica Atenas. Verifica-se um contraste estridente entre, de um lado, o programa da política econômica de Aléxis Tsipras, eleito primeiro-ministro grego e, de outro, a política de austeridade, com suas regras implacáveis, por parte da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Depois de semanas de negociações, nenhum acordo veio à luz. A linha dura, austera e rígida de Bruxelas entra em rota de colisão com as promessas de campanha de Tsípras, ligadas à retomada do crescimento e do emprego. O primeiro ministro, por sua vez, não entende sacrificar ainda mais mais as aspirações da população grega, para respeitar os compromissos com os credores do FMI. De fato, o país atravessa uma crise prolongada de desemprego, salários em declínio, baixo consumo e manifestações populares. Diante do impasse, o processo de negociação se arrasta como uma incerta partida de tênis: ora os credores jogam a bola para Antenas, com exigências cada vez mais rígidas; ora Atenas a devolve a Bruxelas, em nome de um povo há tempo de joelhos.

Reproduz-se o esquema de sempre: em tempos de “vacas gordas”, o capital financeiro em geral, e o FMI em particular, irrigam a economia dos países periféricos, mas a um custo elevado em termos de compromisso com juros elevados e serviços da dívida. O endividamento torna-se uma espécie de “gaiola dourada”, da qual é quase impossível sair. Quando chega o inverno das “vacas magras”, os devedores devem arcar com todas as consequências sociais, o que acaba sobrecarregando a própria população. Ou seja, enquanto os lucros são privatizados e centralizados nos países que dispõem de amplos recursos financeiros, os custos recaem e pesam sobre os ombros dos países mais devastados pela longa crise, a qual, bem o sabemos, é tão global quanto a própria economia.

Disso resulta a estranha geografia de uma União Europeia dividida em dupla face: países anglo-saxões ao norte, em geral credores, e países mediterrâneos ao sul, como devedores. Mas resulta, sobretudo, a ameaça de que a Grécuia possa deixar a zona do Euro, moeda única. Neste caso, o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, economista e banqueiro, alerta para o risco de entrar num “terreno ignoto”, com riscos e implicações imprevisíveis, ao mesmo tempo que o FMI abandona a mesa de negociações. Quanto ao primeiro ministro Aléxis Tsípras, acusa o FMI de um comportamento “criminal”, recusando-se assinar qualquer acordo que possa lesar os direitos do povo grego, o qual, segundo ele, já pagou cara a sua conta.

Mediterrâneo de sonhos e pesadelos

A temática das migrações, por outro lado, vem pulverizando ainda mais os laços que cimentam a União Europeia. Para ilustrar, alguns dados extraídos do  jornal italiano Corriere della Sera, de 13 de junho de 2015. De acordo com a reportagem, o número de imigrantes que desembarcaram nas costas da Itália, de 1º de janeiro até 12 de junho, chega a 57.019, o que representa 6,8% a mais em relação ao mesmo período do ano passado. Entre eles, 45.299 são homens, 6.458 mulheres e 5.262 menores. Quanto à origem dos imigrantes, os dez países em ordem de importância são: Eritreia (14.250), Sub-Sahara (7.949), Nigéria (5.349), Somália (5.335), Síria (3.826), Gâmbia (3.115), Senegal (2.525), Sudão (2.473), Mali (2.221) e Costa do Marfim (1.303).

Nos últimos 13 anos (2002 a 2015), o número de imigrantes apresenta o seguinte quadro:

Ano 2002…..      23.719                                                 Ano 2009…..      9.753

Ano 2003…..      14.331                                                  Ano 2010…..      4.406

Ano 2004…..      13.635                                                  Ano 2011…..      64.261

Ano 2005…..      22.939                                                  Ano 2012…..      13.267

Ano 2006…..      22.016                                                  Ano 2013…..      42.925

Ano 2007…..      20.455                                                  Ano 2014…..      170.100

Ano 2008…..      36.951                                                  Ano 2015…..      57.019 (até agora)

Duas observações:   1) Os dados de 2015, como vimos, vão de 1º de janeio a 12 de junho

                               2) Evidentemente, não estão computados os que perderam a vida durante a travessia

Como se pode notar, os anos de 2011 e 2013 sofrem um aumento significativo, o qual explode no ano de 2014. Quanto a 2015, se as coisas prosseguirem de forma exponencial como vem ocorrendo até o momento, estima-se que até o final do ano o total de imigrantes pode ultrapassar a casa dos 200 mil. Semelhante estatística se justifica pela multidão que, do outro lado do Mediterrâneo, nos portos da Líbia, estaria disposta a cruzar o mar – acima de 500 mil pessoas.  São migrantes, refugiados, prófugos, fugitivos… Fogem da pobreza e da guerra, buscam um solo que possam chamar de pátria.

Na Itália o governo trata de distribuir os imigrantes em quotas pelas regiões, províncias e municípios. As regiões do Norte (Lombardia, Piemonte e Veneto), porém, recusam-se a recebê-los: o presidente da região Lombardia, Roberto Maroni, por exemplo, intervém sobre os municípios com uma carta aos prefeitos no sentido de negar qualquer acolhida. “Deverão arcar com todas as consequências”, diz ele, e ameaça cortar o envio de verbas do respectivo orçamento. Outras autoridades concluem que “uma bomba está para explodir” no que se refere ao fenômeno das migrações. A cidade de Milão, capital do norte, calcula receber cerca de 30 milhões de visitantes para a Exposição Universal – Expo 2015 – que se realiza de 1º de maio a 31 de outubro. É flagrante o contraste com a chegada incômoda dos estrangeiros. Turistas sim, são bem vindos; imigrantes não, seguem sendo indesejados!

Mas a atitude da Comunidade Europeia não tem sido diferente. Alguns países, como a Alemanha e a França, oferecem uma ajuda tíbia e tímida, no sentido de acolher alguns milhares de imigrantes, através do sistema de quotas. Outros, porém, tais como a Inglaterra e a Dinamarca, simplesmente descartam a possibilidade de receber um único imigrante. A França chegou ao cúmulo de fechar as fronteiras com a Itália, o que vem ocasionando conflitos entre imigrantes e as forças policiais. O resultado é que não poucos parques e estações rodoviárias, como a Estação Central, em Milão, e a estação Tiburtina, em Roma, tornam-se verdadeiros acampamentos, dormitórios, com todas as precariedades que isso significa.

No interior de vários países europeus e no interior de não poucas regiões italianas, prevalece o rechaço, a discriminação e a intolerância, para não falar de racismo puro e simples. Intensifica-se a polêmica entre as respectivas autoridades. O que fazer diante desse fluxo de imigrantes? O expecto de respostas vai desde a destruição dos “barcones” que transportam os imigrantes desesperados, aos investimentos sociais nos países de origem – passando pela construção de bloqueios seletivos nas costas da África do Norte ou em acampamentos em solo italiano, como também pela distribuição equitativa dos recém-chegados. Nas palavras do Papa Francisco, estamos longe de substituir a “cultura da indiferença” pela “cultura da solidariedade”.

Roma, 17 de junho de 2015

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