Entrevista ao site pretonobranco.org
Roberto Malvezzi (Gogó)
O que está por detrás da transposição do Tocantins para o São Francisco?
Em primeiro, é preciso dizer que essa proposta é mais insana, mais louca que a transposição do São Francisco para outros estados da forma como ela foi feita.
Na verdade, os movimentos socioambientais sempre disseram que o São Francisco tinha pouca água para suportar uma transposição. Era um anêmico que não podia doar sangue. Agora, essa proposta de transpor o Tocantins para o São Francisco só comprova o que sempre dissemos. Está faltando água no São Francisco não só para as comunidades beiradeiras, mas a falta de água inviabilizou a hidrovia do São Francisco, diminuiu a geração de energia e está faltando água até para os perímetros irrigados já instalados. Então, começou a bater o desespero também no setor econômico, naqueles que mais ganham com as águas do Velho Chico. Daí a proposta doida de transpor o Tocantins para aumentar o volume de água do São Francisco, água que ele já teve, mas agora não tem mais.
Essa transposição do Tocantins para o São Francisco é viável?
As pessoas propõem certas obras e com isso mostram todo desconhecimento que tem da realidade. O aquífero que abastece o Tocantins é um dos mesmos que abastece o São Francisco, isto é, o aquífero Urucuia. E esse é um dos aquíferos que está perdendo forças no Cerrado brasileiro. Portanto, sem o aquífero Urucuia morre o Tocantins e morre o São Francisco.
Acontece que a devastação da Amazônia que gera os rios voadores que fazem chover em todo território brasileiro, inclusive até na Argentina, está prejudicando a formação dos rios voadores. E o Cerrado brasileiro, onde estão os três maiores aquíferos do Brasil e da América Latina – Urucuia, Bambui e Guarani -, está sendo devastado para plantação de soja e criação de gado. Com seus solos compactados, perdeu a capacidade de alimentar seus aquíferos, ou pelo menos está perdendo essa capacidade. Portanto, nossa caixa d’água está cada vez mais seca.
Então, esses dias andei em Miracema do Norte, no Tocantins, e o rio Tocantins de lá estava mais seco que o São Francisco aqui. Andei no Bico do Papagaio, em Marabá, onde o Tocantins se encontra com o Araguaia e vi mais pedras que água no leito do Araguaia.
Portanto, não é fazendo obras gigantescas que vamos resolver os problemas de nossos rios, pelo contrário, elas podem tornar a situação ainda mais grave.
O que fazer?
Sem uma revitalização séria e sem respeito ao nosso ciclo das águas não há tecnologia que resolva nossos dramas hídricos. Primeiro, respeitar a Amazônia, que o ministro de Petrolina agora quer entregar para as mineradoras.
Segundo, preservar o que há no Cerrado, para que a área não seja totalmente impermeabilizada e evitar que nossos aquíferos que distribuem a água para todo território nacional sejam extintos. Sem esses aquíferos morre o São Francisco e o Tocantins.
Terceiro, investir seriamente na revitalização do rio São Francisco, que pressupõe parar por hora com novos projetos de irrigação e uso da água; recompor as matas do território da bacia, principalmente as ciliares, encostas e áreas de recarga dos aquíferos; parar com o desmatamento do Cerrado mineiro e baiano.
Cada um de nós também pode contribuir no cotidiano, no jeito de lidar com a água, o rio e cobrando dos responsáveis que a revitalização seja séria e eficaz.
Perdemos muitas batalhas a cada dia na luta pelo São Francisco, mas ainda não perdemos essa guerra.