Por Cristiane Sampaio | Brasil de Fato
Entre idas e vindas à sede do Congresso Nacional, sindicalistas e lideranças de movimentos populares, além de trabalhadores sem vínculo com entidades sociais, reclamam, cotidianamente, das normas impostas pela Câmara quando a reforma está na pauta do dia.
O acesso ao colegiado da PEC é bloqueado para a população, sendo autorizado somente o ingresso de deputados, assessores e imprensa. Cordões de isolamento também são colocados pela segurança nas adjacências da comissão, para evitar que pessoas não autorizadas se aproximem das duas portas de entrada do local. É dificultado ainda o acesso nos diferentes prédios da Casa, com normas mais rígidas para a circulação de pessoas em todos os ambientes.
O cenário já não soa mais como algo estranho a um grupo de trabalhadores que vez ou outra se aglutinam na calçada da Câmara para bradar contra a PEC. Entre eles, está Francisca Magna Gonzaga de Lima, de 44 anos, para quem os cartazes e trompetes são o “único meio” de mostrar a insatisfação com a proposta, considerada a pauta mais impopular do governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Mãe de três filhos, a trabalhadora, que está sem vínculo empregatício e vive de bicos como faxineira, cuidadora de idosos e outras atividades pontuais, demonstra preocupação com a reforma e critica a falta de espaço para a população se manifestar sobre o tema na Câmara.
“Meu sentimento é de que nós não temos direito. Essa é a verdade. Que direito é esse que eles estão tratando a nosso respeito lá dentro e nós não podemos dar o nosso palpite, a nossa opinião? Eles não estão deixando o povo dizer que é insatisfeito com essa reforma. Essa é a verdade”, critica.
Ao relatar que tem procurado conversar com diferentes trabalhadores a respeito do tema, Magna conta que, em geral, muitos demonstram desconhecer o conteúdo da proposta, que atualmente passa por um debate de mérito – a admissibilidade da medida já foi aprovada em fase anterior, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Ela também se queixa dos discursos oficiais em defesa da PEC.
“A gente não entende o que eles falam. Eles têm uma fala muito de advocacia, porque quem escreve aqueles textos pra eles são as pessoas que trabalham pra eles. Eles falam aquelas palavras esquisitas que nós, quando ouvimos no jornal, não entendemos. E aí mascaram toda a situação. Eles nem explicam como é que vai ficar essa Previdência pra nós. Como é que vai ficar isso? Nós não temos respostas deles”, desabafa, acrescentando que o impedimento do acesso popular aos debates “piora a situação da população”.
A rigidez na definição das normas de entrada nos prédios do Congresso tem sido uma marca frequente nos últimos tempos e teve destaque especialmente na apreciação de propostas como o Teto dos Gastos, a reforma trabalhista e o projeto de lei que abriu a exploração do pré-sal para multinacionais, entre outras medidas.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a deputada oposicionista Lídice da Mata (PSB-BA) disse ver a situação “com muita tristeza”.
“Eu, que fui constituinte, que vi estes corredores tomados pelo povo organizado, fazendo valer suas opiniões pra escrever a Carta Magna , sempre fico muito chocada com essa moda, que se iniciou há uns três, quatro anos aqui no Congresso Nacional e se mantém tão forte que alguns já acham natural”, afirma.
Para a pessebista, o impedimento em relação à participação popular na comissão da PEC ajuda a “deformar a posição” do parecer do relator da medida, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), que defende a aprovação da reforma com ajustes.
“O parecer acaba tendo uma visão, uma posição apenas dos segmentos que conseguem chegar aqui, como os governadores, os prefeitos, os políticos em geral, mas a conversa direta com os segmentos que estão perdendo com a reforma, infelizmente, fica prejudicada”, analisa.
As regras de acesso à comissão da PEC foram definidas pela ala governista e apoiadores nas vésperas da criação do colegiado, em abril deste ano. Deputados do campo defenderam, na ocasião, que o ingresso no local não seria liberado para representantes populares por “razões de segurança” e para garantir “a qualidade dos debates”.
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