A intervenção federal no Rio de Janeiro completou cinco meses sem resultados significativos para a população, ao contrário, a morte da vereadora Marielle Franco deflagra o poderio a ser enfrentado. Na esteira das discussões dos impactos de uma intervenção federal na vida das populações, o ex-comandante brasileiro da missão de paz da ONU no Haiti, o general da reserva Augusto Heleno Ribeiro Pereira, que esteve em missão no Haiti por 13 anos, foi convidado por um pré-candidato à presidência da República a compor chapa com ele, e subir a rampa do Planalto em janeiro de 2019.
O ex-comandante declinou do convite, mas continua sob os holofotes. No artigo a seguir, Miguel Borba de Sá, mestre em relações internacionais pela PUC-Rio e Master of Arts in Ideology and Discourse Analysis pela Universidade de Essex, Inglaterra, avalia o papel que as tropas do general da reserva Augusto Heleno causaram ao Haiti durante e após os 13 anos de intervenção. Ele descreve os impactos daquela intervenção e da que se segue em território nacional, no Rio de Janeiro, e as expectativas – nada boas – de uma intervenção sem fim na cidade maravilhosa.
Miguel Borba de Sá é membro da Rede Jubileu Sul Brasil e participou da Campanha pela Retirada das Tropas do Haiti, desde 2005.

Ultimo contingente Brasileiro para Missão de Manutenção da Paz (MINUSTAH) chega ao Haiti | Foto de Tereza Sobreira

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“Sucesso” e “sacrifício” nas Intervenções militares brasileiras: Haiti e Rio de Janeiro no século XXI
As estratégias do Haiti que estão sendo usadas na intervenção do Rio”. Esta é a manchete de uma reportagem publicada pelo portal UOL Notícias[1], cerca de um mês e meio após a assinatura do decreto presidencial por Michel Temer, em 16 de fevereiro de 2018, quanto teve início a intervenção federal nas forças de segurança pública fluminenses.
A reportagem – assinada por um jornalista que esteve no Haiti e já publicara um livro sobre sua experiência junto às tropas brasileiras que encabeçaram a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH)[2] – traz uma série de paralelos entre as duas intervenções militares, apontando semelhanças e diferenças entre ambas. A comparação é feita a partir da ótica dos próprios comandantes militares e autoridades envolvidas, que falam sob condição de anonimato.
No entanto, o uso do Haiti como precedente tático e discursivo para as ações militares no Rio de Janeiro dispensa fontes secretas e foi realizado ainda no primeiro dia da intervenção. Em documento distribuído à “todas as organizações militares” no próprio dia 16 de fevereiro deste ano, o boletim INFORMEX – A palavra oficial do Exército[3] elenca quatro tópicos assinados pelo General de Divisão Otávio Santana do Rêgo Barros, chefe do Centro de Comunicação Social do Exército, sobre as atribuições e objetivos dos interventores. Ao fim, em forma de slogan, aparece a seguinte mensagem, em caixa-alta, no centro da página, entre aspas:

BRASIL NO HAITI: UM CASO DE SUCESSO (2004-2017)”.

Tal invocação do suposto “sucesso” brasileiro na ilha caribenha no documento oficial que informa aos próprios militares sobre sua nova missão pode ser encarada como um autoelogio típico da cultura da caserna, algo desprovido de maiores implicações para a tarefa (nunca antes realizada desde a promulgação da Constituição de 1988) de intervir militarmente, por um período prolongado, em um estado-membro da federação. Mas, neste caso, o discurso parece a cada dia determinar a prática, conforme percebido não apenas por jornalistas simpáticos às intervenções, mas também por movimentos sociais, pesquisadores e, principalmente, pelos setores da população e territórios que são os alvos de tais operações. Afinal, como é informado em seu item nº 4: “O Comandante do Exército, em face da gravidade da crise, entende que a solução exigirá comprometimento, sinergia e sacrifício dos poderes constitucionais, das instituições e, eventualmente da população”.
O mencionado “sacrifício” é real e está em curso desde a primeira semana da intervenção, quando os moradores de favelas da Zona Oeste da cidade foram fichados e fotografados junto às suas cédulas de identidade ao entrar ou sair da comunidade em que moram[4] – sem justificativa alguma sobre a suspeição de cada indivíduo abordado, nem explicações consistentes sobre o destino de tais dados, coletados sem amparo legal, segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)[5]. Além de real, tal “sacrifício” de direitos também é seletivo, um lapso que escapou aos redatores do Informex, uma vez que não se tem notícia de ações similares sendo tomadas pelos interventores na Zona Sul carioca.
Para quem conhece o Rio de Janeiro, a seletividade e abusos de autoridade nas ações repressivas estatais não causa surpresa, ainda que gere revolta em quem é alvo de tais medidas e também desconforto naqueles poucos que insistem em não achar normal seus próprios privilégios sociais. Estes últimos foram recentemente acusados de inibir a ação do Exército em uma coluna da revista Veja cuja manchete afirmou que “[a] intervenção no Rio deve mirar-se no exemplo do Haiti”. Lançando mão do batido jargão “o Haiti agora é aqui”, o colunista defende que “[a] guerra do Rio só será vencida por tropas que tenham poder de polícia e sejam poupadas das restrições absurdas exigidas por gigolôs dos direitos humanos[6]. Para ele, “basta adotar as regras que balizaram a bem-sucedida intervenção da Força de Paz da ONU no Haiti[7].
Mesmo sem exibir a mesma vulgaridade do colunista da Veja, o Haiti aos poucos torna-se referência obrigatória nas reportagens que abordam a intervenção no Rio. Geralmente na manchete, no subtítulo ou nas primeiras linhas, quando é preciso conferir autoridade a quem está sendo entrevistado e, mais importante, à política ora defendida. O jornal O Globo exemplifica este padrão: “General diz que intervenção tem que ter ‘enfrentamento igual ou maior’ que o do crime organizado – Floriano Peixoto Neto compara missão do Exército no Haiti à proposta aplicada no Rio”. Logo na primeira frase as credenciais haitianistas são apresentadas: “Com a experiência de quem atuou como Oficial de Operações do 1º contingente brasileiro no Haiti, em 2004, e também como comandante da missão de paz entre 2004 e 2009…”. Em seguida, uma maior liberdade no uso da força é defendido: “É preciso também conceder às tropas interventoras um amplo poder de polícia, para que possa atuar com mais liberdade de ação”. Sem esquecer dos sacrifícios e dos sacrificados, ele avisa: “O fundamental é entender que Exército e Polícias estarão juntas para enfrentar esse inimigo comum com a maior disposição que suas estruturas oferecem e que, deste embate, resultarão consequências letais na medida do combate[8].
Na mesma linha, o portal de Notícias R7, do Grupo Record, entrevista o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, quem já na primeira linha é anunciado como “comandante da Missão das Nações Unidas no Haiti, e Comandante da Amazônia”, alguém com “vasta experiência em intervenções militares” e “dos mais respeitados pela tropa, apesar de estar na reserva desde 2011”. Após a manchete que clama por uma “intervenção curta e contundente”, o subtítulo credencia o entrevistado como de hábito, já embutindo a política defendida na mesma frase: “Para o interventor brasileiro no Haiti, militares precisam ter autorização para atirar em quem porta armamento exclusivo das Forças Armadas”. Mais adiante, apesar de acreditar que “a ação será bem-sucedida”, o general pondera que tal sucesso depende também de ações extramilitares, no campo da cultura popular: “crítico feroz do que chama de ‘ideologias contaminadas’, ressalta que ‘chegou a hora de formar cidadãos e não criar funkeiros’”, revela a reportagem[9].
O Haiti não serve somente como dispositivo retórico legitimador de políticas militaristas. O país caribenho também é usado como fonte direta de material bélico e treinamento de soldados para uso em solo nacional, contra brasileiros classificados como “inimigos”, conforme as palavras do general Peixoto Neto, que considera que a “passagem brasileira no Haiti, por 13 anos, tenha sido fundamental para aprimorar, nos militares, uma experiência inédita para operar em ambientes semelhantes no Brasil[10]. Sobre os recursos armamentistas, o jornal Folha de S. Paulo estampou uma manchete saudando o fato de que a “intervenção cede blindados do Haiti ao Bope com aparato menos letal[11].
Na matéria, o jornal informa sobre “três blindados de transporte de tropas adaptados para operações em favelas da capital fluminense”. Além de confirmar o tipo de território (favelas) que sofrerá com os mencionados sacrifícios da intervenção, a reportagem afirma que “os tanques, que haviam sido utilizados pelos militares brasileiros na Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti, agora estão sob os cuidados da divisão de elite da PM, o Bope” e passaram por modificações “enquanto ainda participavam da missão de paz no Haiti”. A suposta redução na letalidade fica por conta da troca de metralhadoras Mag, de calibre 7,62 por uma torre acoplada à estrutura do tanque, modelo Urutu, construída especialmente para o Rio de Janeiro: “A estrutura, situada no topo do blindado, permite que um agente de segurança possa visualizar o ambiente externo e efetuar disparos de fuzil – arma considerada mais adequada para operações em terrenos urbanos”.
Cabe perguntar se a novidade é de fato “menos letal” ou, na realidade, apenas mais eficaz contra alvos humanos ambulantes, diferentemente de alvos blindados num exército oponente. Em todo caso, não é apenas no armamento que a redução de letalidade é discutível. A matéria informa que os veículos também ganharam uma nova pintura: substituiu-se a estética pacifista da ONU por tinta preta sob o símbolo oficial do Bope, o notório desenho de uma caveira cravada por uma faca. Por fim, menciona-se um serviço adicional prestado pelos militares às polícias do Rio: “Além dos Urutus, o Exército também entregou nesta quarta três blindados da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais) que estavam com problemas de manutenção. Os veículos, conhecidos como ‘caveirões’, foram reformados nas oficinas das Forças Armadas e devolvidos à instituição fluminense”.
Os paralelos entre as intervenções dos militares brasileiros no Rio e no Haiti também contam com especialistas não-militares, como mostra a Folha de S. Paulo em outra manchete que compara ambas operações: “Realidades de Rio e Haiti são diferentes para ação militar, diz antropólogo”. O entrevistado é Pedro Braum, “coordenador do programa de segurança da ONG Viva Rio, convidado pela MINUSTAH para atuar no Haiti”. Segundo o jornal, “Braum vem passando longas temporadas no país desde 2010 para auxiliar na implementação de polícias comunitárias”. Mesmo que aponte mais diferenças que semelhanças entre os casos, ele reconhece que “do ponto de vista do Exército, a experiência haitiana legitima e dá mais confiança no sentido de ter uma ação mais efetiva na segurança pública”, ainda que faça ressalvas: “Mas, do ponto de vista estratégico, o simples fato de ter tido esta experiência não garante o sucesso. As realidades são diferentes[12].
Sucesso e sacrifício. Eis as ideias-força que parecem guiar as intervenções militares do Brasil no século XXI. Um termo não aparece sem o outro nos discursos que buscam justificar tais operações. Contudo, a questão mais importante deixa sempre de ser abordada: afinal, sucesso de que? E sacrifício de quem?
O Haiti continua empobrecido, politicamente instável e com uma população que segue impedida de lutar pelos seus direitos. A intervenção estrangeira levou ao país uma epidemia de cólera que matou mais de 10 mil haitianos e haitianas, e deixou infectados cerca de 1 milhão, segundo dados oficiais[13], que subestimam os números reais do sofrimento humano causado pelas fezes contaminadas dos soldados interventores despejadas no maior rio do país. A ONU nunca assumiu a responsabilidade pela introdução da doença, que não existia no Haiti antes das forças de estabilização aterrissarem naquele território. Tampouco conseguiu arrecadar os fundos prometidos para o combate à epidemia, cuidado e reparação às vítimas: a cada ano, por 13 anos, a MINUSTAH custou U$ 400 milhões e sempre houve dinheiro; ao passo que o chamado para angariar os mesmos U$ 400 milhões para enfrentar o cólera não foi alcançado, sequer uma vez. Já o mercado de purificação e venda de água em garrafas conheceu uma explosão de sucesso nas vendas e na mercantilização daquilo que antes era um bem-comum gratuito.
Outra epidemia, amplamente relatada pela imprensa internacional (nem tanto pela brasileira) foi a de abusos sexuais, estupros, pedofilia, raptos e venda de crianças por parte das tropas interventoras e das agências envolvidas na ajuda humanitária ao Haiti[14]. Um verdadeiro caso de sucesso para as ONGs internacionais[15] (são mais de 10 mil que operam no país), que custeiam funcionários com altos salários, especialmente ofensivos se comparados aos baixos salários impostos aos cidadãos e cidadãs haitianas, expostos às mais degradantes e exploratórias condições de trabalho do hemisfério e reprimidos – inclusive pelas tropas da MINUSTAH – quando lutam por direitos básicos como greves, livre associação, liberdade de expressão e locomoção em um país onde “os projetos de desenvolvimento se limitavam a ações pontuais ou à privatização de empresas[16]. A troca de sexo por comida foi uma prática amplamente difundida no Haiti ocupado pelas tropas e agências estrangeiras[17]. Hoje há uma legião de filhos e filhas da intervenção militar no Haiti sem pai, resultado dos estupros e da troca de sexo por comida.
Um sucesso garantido também para as corporações multinacionais do setor têxtil, com suas maquiladoras[18], além dos investidores em turismo de luxo, agronegócio, mineração e serviços financeiros: durante a intervenção, o Haiti tornou-se mais um dos vários paraísos fiscais situados no Caribe[19]. Estima-se que o narcotráfico hoje financie grande parte da elite política do país, uma vez que 11% da cocaína enviada aos EUA agora passa pelo Haiti. Entregue ao mais feroz apetite do mercado global, lícito e ilícito, o Haiti segue apresentando os sucessos e sacrifícios, lado a lado, deste modelo “liberal de construção da paz”[20] lá  empregado: no país a tecnologia de celular 4G chegou antes que na Argentina, por exemplo, mesmo que escolas, hospitais, universidades e muitas moradias nunca tenham sido reconstruídas após o terremoto de 2010. Há novíssimos hotéis de luxo em Porto-Príncipe, mas não há coleta de lixo ou saneamento públicos. O número de Porsches modelo Cayenne nas esburacadas ruas de Porto Príncipe impressiona o visitante estrangeiro desavisado, mesmo aquele acostumado à fortes contrastes sociais. Não há supermercado ou shopping center que não possua, ao menos, dois seguranças fortemente armados na entrada. A militarização no Haiti, após 13 anos de intervenção, deixou o país nas mãos de poderosos interesses econômicos transnacionais, protegidos em solo haitiano por temidas empresas ou milícias de segurança privada locais.
Por isso, é muito importante discutir o real significado do propalado sucesso brasileiro no Haiti para que se possa captar ou mesmo mensurar o que nos será apresentado como resultado da atual intervenção militar no Rio. E, sobretudo, para identificar corretamente qual é o objeto de sacrifício para que este modelo militarista seja bem-sucedido. Sem isto é impossível captar o significado das contradições que a atual situação no Rio de Janeiro enseja, uma vez que a intervenção foi decretada 45 dias após o então Ministro da Defesa, Raul Jungmann (atual Ministro da Segurança Pública), declarar em entrevista ao Estado de S. Paulo que “Pôr Forças Armadas nas ruas é dar férias para bandidos[21], sendo que a base argumentativa de tal medida de exceção viria a ser justamente o descontrole da criminalidade e da segurança pública no estado.
O legado de tais operações parece ser, no fundo, a militarização das sociedades e dos territórios-alvo das intervenções com total controle sobre as populações criminalizando-as apesar dos sacrifícios. Ao tratar questões sociais como assunto de segurança ou defesa, transmite-se a ideia de que esta é a forma mais eficaz de combater o problema. Especialistas em segurança internacional, no entanto, contestam esta prática. A chamada Escola de Copenhague é conhecida por estudar esta prática de securitizar[22], ou seja, descrever como “ameaças” alguns temas que, à principio, seriam mais apropriadamente tratados na esfera política ou com a melhoria dos serviços da saúde pública, educação, moradia, soberania alimentar, mobilidade e emprego, dentre outros.
Também questiona-se a realização de atividades que substituem serviços públicos precários ou inexistentes por “ações cívico-sociais” (conhecidas como ACISOS no jargão militar brasileiro) oferecidas pelos próprios soldados nos territórios em que atuam. Tanto no Haiti, que “se tornou laboratório para o Brasil”, segundo um embaixador brasileiro no país em entrevista à BBC[23], quanto no Rio de Janeiro, tais ações tem sido realizadas, na busca por justapor à intervenção armada um verniz social e filantrópico, concretizando aquilo que alguns estudiosos classificam como “impasse desenvolvimento-segurança”[24]. Na intervenção do Rio, um exemplo deste impasse foi capturado por matéria do UOL Notícias sobre os consultórios médicos e odontológicos móveis montados por um dia na Vila Kennedy, Zona Oeste da cidade, que enuncia: “Para ganhar confiança dos moradores, Forças Armadas, estado e prefeitura fazem ação social em favela do Rio[25]. Como já percebem analistas de relações internacionais, o discurso sobre “estados falidos” e “cidades frágeis” possui um vínculo estreito, que opera como fator legitimador das intervenções sobre os territórios-alvo, construídos discursivamente como adequados “espaços para a prática humanitária”[26].
No entanto, tais ações esporádicas não escondem a incômoda realidade sobre as preferências negativas daqueles que são os alvos da militarização cotidiana. “O haitiano quer que nós vamos embora? Quer”, reconhecia o mesmo embaixador em 2012. Um estudo pormenorizado[27] da opinião dos moradores da Maré sobre a percepção local acerca das tropas militares que invadiram e ocuparam o “complexo” durante os megaeventos esportivos também traz a mesma voz contrária à “militarização de seu cotidiano”[28], título de outra publicação recente que apresenta as mesmas conclusões negativas, baseada no depoimento de moradores e moradoras das comunidades-alvo. Quando são ouvidas, as vozes-alvo falam contra a militarização. E como poderia ser diferente, se os comandantes militares (e aparatos midiáticos) seguem afirmando que “funkeiro” não é “cidadão”, ou que “o problema do Haiti é o vodu e a falta de cultura”[29]?
O sacrifício, percebe-se, é de um modo de vida popular, das vidas e corpos não-brancos, indóceis, autodeterminados e soberanos frente aos modelos exógenos. De culturas populares que valorizam sua negritude e exibem de forma insubordinada sua resistência à exploração e às opressões múltiplas que o sucesso das intervenções (formuladas por uma elite política e uma casta militar composta por homens, brancos e ricos e parte do mundo empresarial[30]) busca erradicar. Por suas próprias vida, portanto, só resta lutar. O assassinato da vereadora Marielle Franco, na semana em que fora nomeada relatora da comissão parlamentar sobre a intervenção federal no Rio mostra, tragicamente, que não se trata de uma escolha. Assim como não era e nunca foi uma escolha para a população haitiana que por 13 anos lutou – e ainda luta – por suas próprias vidas e o direito de escolher de que modo vivê-las, mesmo que não se encaixe nos modelos colonialmente impostos de fora como os mais modernos, eficientes ou civilizados na visão daqueles que exercem a colonialidade do poder[31] no mundo atual.
Não é novidade o uso das Forças Armadas brasileiras em operações que nada tem a ver com a defesa da soberania nacional contra ameaças vindas do exterior – que deveria ser sua raison d’être, vale lembrar. A primeira vez em que isto ocorreu após o fim da Ditadura Militar (1964-1984) foi no contexto da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco92. De acordo com um levantamento feito em janeiro de 2018 pelo jornal O Estado de S. Paulo, desde então foram 181 casos de emprego de forças militares em território nacional, em todo o país[32].
A entrada em vigor da legislação conhecida como  Garantia da Lei e da Ordem (GLO), regulamentada entre 1997 e 2001, já concedera poder de polícia aos militares em casos de “grave perturbação da ordem pública, quando há o esgotamento das forças tradicionais de segurança[33]. Segundo dados da Presidência da República, na atual década (entre 2010 e 2017), foram 29 vezes as ocasiões em que empregou-se tal dispositivo[34]. No Rio de Janeiro, durante o contexto dos megaeventos como a Rio+20 em 2012, a Jornada Mundial da Juventude em 2013, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, o combate a inimigos domésticos ou forças oponentes pelas tropas militares atingiu novo patamar. O Brasil não tem em sua história práticas ou grupos terroristas, mas com essa ideia de “segurança e sacrifício” hoje temos uma Lei de combate ao Terrorismo, base usada também nestes eventos citados para conter manifestações populares. Foi tornando-se normal, gradativamente, com grande apoio midiático, a presença das Forças Armadas na cidade, especialmente em territórios pobres e de maioria negra, identificados como perigosos e “complexos”, como o conjunto de favelas da Maré e do Alemão, na Zona Norte da cidade. A intervenção federal de 2018, portanto, possui uma pré-história  que perpassa os governos Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso (quando a GLO foi regulamentada), Lula da Silva e Dilma Rousseff, antes de chegar ao atual decreto de Michel Temer.
A novidade desta intervenção militar está na duração prolongada, quiçá indeterminada, da atuação das Forças Armadas brasileiras em função tipicamente policial – e isto nos traz de volta ao Haiti. Criada em Junho de 2004 para durar apenas seis meses, a MINUSTAH foi renovando seu mandato anualmente até outubro de 2017, quando finalmente encerrou suas atividades após a visita do chefe do departamento de operações de paz da ONU, Hervé Ladsous, que em apenas uma semana concluiu que o trabalho havia sido bem sucedido e as tropas poderiam deixar o Haiti após 13 anos de ocupação militar estrangeira[35]. No entanto, a MINUJUSTH (Missão das Nações Unidas de Apoio à Justiça no Haiti), que sucedeu a MINUSTAH, também foi ancorada no capítulo VII da Carta da ONU, o único que autoriza o uso da força. Na prática, esta brecha legal permite que as tropas voltem a qualquer momento ao país e que os 980 policiais estrangeiros que compõem a nova missão sigam com os poderes repressivos que os soldados da MINUSTAH já exerciam. Uma nova sigla para a mesma política de controle e subordinação[36].
A atual intervenção no Rio, programada para durar quase um ano, segue este novo padrão extemporâneo criado no Haiti. Em entrevista à Radio CBN em 17 de abril de 2018[37], o governador Luiz Fernando Pezão afirmou que ser muito difícil que a presença militar federal no estado deixe de ser renovada após o fim do seu mandato, em 31 de dezembro, quando expira o prazo previsto no decreto de Temer. “A renovação é muito provável”, afirma o governador, agregando que “dificilmente meu sucessor vai dispensar o uso das Forças Armadas”, ecoando assim o que ouviu-se anualmente sobre o Haiti em relação à MINUSTAH. Ele revela que as negociações com a Presidência da República giraram em torno da intervenção federal ou de uma “GLO ampliada”. Tanto para Pezão, como para o ministro Jungmann, a meta era criar uma “Polícia Militar Federal” ou “Guarda Nacional”, não se sabe o nome, “Mas precisa ser permanente”[38]. O objetivo é tornar permanente o que antes, via de regra, era a exceção[39].
A opção pela intervenção, portanto, deriva do fato que a GLO não permite – de jure –  este tipo de perpetuação, uma vez que “nessas ações, as Forças Armadas agem de forma esporádica, em área restrita e por tempo limitado, com o objetivo de preservar a ordem pública, a integridade da população e garantir o funcionamento das instituições[40]. A atual intervenção (baseada do artigo 84, inciso X,  logo em seguida ao que prevê o estado de sítio na Constituição Federal), portanto, não é mais uma das centenas de GLO (previstas no artigo 144). Trata-se de uma decisão política mais grave, já que pode perpetuar-se no tempo. Ela visa sacrificar justamente aquilo que a GLO diz proteger, ainda que não o fizesse: direitos, população e instituições democráticas. É um passo a mais na escalada de militarização vivida não apenas pelo Rio de Janeiro, mas pelo Brasil como um todo.
Este é o legado: uma forma de militarização que não seja apenas pontual mas que, assim como no Haiti, se prolongue no tempo e no espaço. “Para ministro [Jungmann], modelo de uso das tropas federais adotado na ocupação do Complexo do Alemão ficou no passado”. Ele afirma que é preciso criar um “novo corpo que desempenhe esse papel” a fim de evitar a banalização da GLO: “Essa banalização da GLO não é boa para as Forças, e não é boa para o próprio País. Por ser ela extraordinária, localizada no tempo e no espaço, é a limitação que você tem”. O que se busca, portanto, é um padrão de militarização constante e sem limites.
Não será possível resistir a este avanço militarista sem antes realizar um verdadeiro balanço sobre a atuação brasileira no Haiti. A narrativa dominante sobre a intervenção no Haiti, conforme atesta a Folha de S. Paulo, insiste que “por 13 anos, a partir de 2004, as Forças Armadas nacionais estiveram à frente do contingente militar da Minustah (Missão de Estabilização da ONU no Haiti) – 37,5 mil soldados brasileiros passaram pelo país, atuando na segurança pública em áreas urbanas com muitas favelas e violência”. E, “se o ‘Rio de Janeiro é um laboratório para o Brasil’, como afirmou o general Braga Netto sobre a intervenção federal que comanda no estado, o Haiti foi o campo de teste onde os militares se prepararam para a nova missão fluminense”. O problema descrito (“muitas favelas e violência”) já traz embutida a sua solução inquestionável, dado o sucesso no Haiti: muitos soldados por um tempo demasiado longo.
Sem desconstruir o discurso do sucesso haitiano das Forças Armadas brasileiras é pouco provável que consiga-se prevenir a opinião pública nacional, enquanto é tempo, sobre os perigos da estratégia em curso e a necessidade de frear tal ofensiva. O Haiti serve retoricamente como condição de possibilidade para velhos e novos planos de segurança pública no Brasil[41]. A batalha discursiva neste momento é crucial, principalmente porque há um hiato profundo entre a realidade e os discursos sobre o que de fato aconteceu – e ainda acontece – no “laboratório” haitiano. Caso não sejamos capazes de travá-la com êxito, os sacrifícios e sacrificados tendem não apenas a se multiplicarem (sempre com a habitual seletividade sócio-racial-econômica), mas também a se estabilizarem como o novo padrão de normalidade e legalidade nas relações cívico-militares e se espraiarem por outros territórios e dentro da atual experiência democrática no Brasil isso não seria muito difícil de acontecer num futuro próximo.
[1] KAWAGUTI, Luis. “As estratégias do Haiti que estão sendo usadas na intervenção do Rio”. UOL Notícias, 02/04/18.
[2] KAWAGUTI, Luis. A república negra: histórias de um repórter sobre as tropas brasileiras no Haiti. São Paulo: Editora GLOBO, 2006.
[3] BARROS, Otávio Santana do Rêgo. “Intervenção Federal na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro”. INFORMEX – A PALAVRA OFICIAL DO EXERCITO, nº 005, 16/02/18.
[4] O GLOBO, 23/02/18. (Acesso em maio de 2018) Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/militares-ficham-moradores-durante-operacao-em-favelas-da-zona-oeste-22426554
[5] RANGEL, Sérigio; VEPA, Danilo. “Militares do Exército tiram foto e ‘ficham’ morador de favela do Rio”. Folha de S. Paulo, 23/02/18 (Acesso em maio de 2018). Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/02/moradores-deixam-comunidades-apos-serem-fotografados-em-acao-do-exercito.shtml
[6] NUNES, Augusto. “A intervenção no Rio deve mirar-se no exemplo do Haiti”. VEJA.com, 01/03/18. Disponível em (Acesso em maio de 2018): https://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/a-intervencao-no-rio-deve-mirar-se-no-exemplo-do-haiti/
[7] NUNES, Augusto. “Mirem-se no exemplo do Haiti”. Veja.com, 20/02/18. Disponível em (Acesso em maio de 2018): https://veja.abril.com.br/tveja/1-minuto-com-augusto-nunes/mirem-se-no-exemplo-do-haiti/
[8] COUTINHO, Matheus. “General diz que intervenção tem que ter ‘enfrentamento igual ou maior’ que o do crime organizado”. O GLOBO, 24/02/18. Disponível em (acesso em maio de 2018): https://oglobo.globo.com/rio/general-diz-que-intervencao-tem-que-ter-enfrentamento-igual-ou-maior-que-do-crime-organizado-22429941
[9] BUZAS, Alessandro. “Intervenção no Rio tem que ser ‘curta e contundente’, diz general”. Notícias R7,  Coluna do Fraga, 20/02/18. Disponível em (Acesso em maio de 2018): https://noticias.r7.com/prisma/coluna-do-fraga/intervencao-no-rio-tem-que-ser-curta-e-contundente-diz-general-20022018
[10] COUTINHO, op. cit.
[11] ANDRADE, Harrinkson. “Intervenção cede blindados do Haiti ao Bope com aparato menos letal”. Folha de S. Paulo, 28/03/18. Disponível em (acesso em maio de 2018): https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/03/intervencao-cede-tanques-do-haiti-ao-bope-com-aparato-menos-letal.shtml
[12] CANÔNICO, Marco Aurélio. “Realidades de Rio e Haiti são diferentes para ação militar, diz antropólogo”. Folha de S. Paulo, 04/03/18. Disponível em (acesso em maio de 2018): https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/03/realidades-de-rio-e-haiti-sao-diferentes-para-acao-militar-diz-antropologo.shtml
[13] Ver (Acesso em maio de 2018): https://reliefweb.int/disaster/ep-2010-000210-hti
[14] Associated Press, 12/04/17. “UN child sex ring left victims but no arrests”. Disponível em (acesso em maio de 2018): https://apnews.com/e6ebc331460345c5abd4f57d77f535c1
[15] PORTER, Caroline. “Haiti suspends Oxfam Great Britain after sex scandal”. New York Times, 22/02/18. Disponível em (acesso em maio de 2018): https://www.nytimes.com/2018/02/22/world/americas/haiti-suspends-oxfam.html
[16] MACIEL, Tadeu Morato. “O Haiti sem a ONU: ‘órfão sem irmãos’ novamente?”. Outras Palavras, 20/04/17. Disponível em (acesso em maio de 2018): https://outraspalavras.net/posts/o-haiti-sem-a-onu-de-novo-orfao-sem-irmaos/
[17] PATRICK, Igor. Aquilo que resta de nós: um pedido de socorro de haitianas estupradas por soldados da ONU. São Paulo: Editora Páginas, 2017.
[18] “Martelly government betting on sweatshops: Haiti: “Open for Business”. HAITI GRASSROOTS WATCH, vol. 5, nº. 21 • Du 7 au 13 Décembre 2011. Disponível em (acesso em maio de 2018): http://www.haiti-liberte.com/archives/volume5-21/martelly%20government.asp
[19] CHERY, Dadi. “Haiti to Sell Offshore Island La Gonâve to Foreign Capital, Transformed into a Tax Haven…”. Mondialisation: Centre de Recherche sur la Mondialisation, 22/02/16.  Disponível em (acesso em maio de 2018): https://www.mondialisation.ca/haiti-to-sell-offshore-island-la-gonave-to-foreign-capital-transformed-into-a-tax-haven/5509962
[20] PARIS, Roland. “Broadening the study of peace operations”. International Studies Review, vol. 2 nº 3, Autumn 2000;
PARIS, Roland. “Saving liberal peacebuilding”. Review of International Studies, vol. 36, nº 2, April 2010.
[21] GODOY, Marcelo. “Pôr Forças Armadas nas ruas é dar férias para bandidos – Entrevista com Raul Jungmann, ministro da Defesa”. O Estado de S. Paulo, 01/01/18. Disponível em (acesso em maio de 2018): http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,por-forcas-armadas-nas-ruas-e-dar-ferias-para-bandidos,70002134664
[22]  WEAVER, Ole. “Securitization and desecuritization”. In: LIPSCHUTZ, Ronnie. On security. New York: Columbia University Press, 1995; BUZAN, Barry et al. Security: A New Framework for Analysis. Boulder, CO: Lynne Rienner, 1998.
[23] FELLET, João. “Haiti se tornou laboratório para o Brasil, diz embaixador”. BBC Brasil, 29/02/12. Disponível em (acesso em maio de 2018): http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2012/02/120228_haiti_entrevista_embaixador_jf
[24] DUFFIED, Mark. “The liberal way of development and the development-security impasse: exploring the global life-chance divide”. Security Dialogue, vol. 41, nº 1, 2010.
DUFFIELD, Mark. Global Governance and the New Wars: The merging of Development and Security. London/New York: Zed Books, 2001.
[25] KAWAGUTI, Luis. “Para ganhar confiança de moradores, Forças Armadas, estado e prefeitura fazem ação social em favela do Rio”. UOL Notícias, 17/03/18. Disponível em (acesso em maio de 2018): https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2018/03/17/para-ganhar-confianca-de-moradores-forcas-armadas-estado-e-prefeitura-fazem-acao-social-em-favela-do-rio.htm
[26] NOGUEIRA, João Pontes. “From failed states to fragile cities: redefining spaces of humanitarian practice”. Third World Quarterly, vol. 38, nº 7, 2017.
[27] SILVA, Eliana Sousa. A ocupação da Maré pelo exército brasileiro: percepção de moradores sobre a ocupação das forças armadas na Maré. Rio de Janeiro: Redes da Maré, 2017.
[28] “Militarização do Cotidiano: um legado olímpico”. Instituto PACS, Rio de Janeiro, 2018. Disponível em (acesso em maio de 2018): http://www.pacs.org.br/files/2018/03/Militariza%C3%A7%C3%A3o-do-Cotidiano-Um-legado-ol%C3%ADmpico.pdf
[29] Comunicação pessoal de major da MINUSTAH, lotado no Campo Delta, em Porto Príncipe, ao autor, em fevereiro de 2017.
[30] EXÉRCITO BRASILEIRO apud Folha de S. Paulo. “Empresários apoiam intervenção militar no Rio”. Disponível em (acesso em maio de 2018): http://www.eb.mil.br/web/resenha/display/-/asset_publisher/9B8IpAnDp1we/content/empresarios-apoiam-acao-militar-no-rio
[31] QUIJANO, Aníbal. “Colonialidade do Poder, eurocentrismo e América Latina”. In: LANDER, Edgardo et al. (orgs). A colonialidade do Saber: eurocentrismo e ciências sociais – perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005.
[32] GODOY, Marcelo. “Uso do Exército para combater o crime nos Estados cresce pelo menos 3 vezes”. O Estado de São Paulo, 01/01/18.  Disponível em (acesso em maio de 2018): http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,uso-do-exercito-para-combater-o-crime-nos-estados-cresce-pelo-menos-3-vezes,70002134658
[33] BRASIL – PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. “Entenda como funciona a Operação de Garantia da Lei e da Ordem”. Portal Planalto – Segurança, 24/05/17.  Dados disponíveis em (acesso em maio de 2018): http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-planalto/noticias/2017/05/entenda-como-funciona-a-operacao-de-garantia-da-lei-e-da-ordem
[34] Idem.
[35] Conferir notícia da campanha pela retirada das tropas do Haiti em (Acesso em maio de 2018): https://haitinominustah.info/2017/02/05/la-salida-de-la-minustah-no-terminara-con-la-presencia-de-la-onu-en-haiti/
[36] Para mais sobre a confusão jurídica envolvendo a criação da MINUSTAH e as antinomias da “doutrina 6 e ½” defendida pela diplomacia brasileira, ver: SEITENFUS, Ricardo. Reconstruir Haití: entre la esperanza y el tridente imperial. Santo Domingo: CLACSO, 2016.
[37] “Luiz Fernando Pezão: dificilmente o meu sucessor vai dispensar o uso das Forças Armadas”. Rádio CBN, 17/04/18. Disponível em (acesso em maio de 2018): http://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/176047/luiz-fernando-pezao-dificilmente-o-meu-sucessor-va.htm
[38] GODOY, Op. Cit.
[39] Para uma discussão aprofundada sobre a normalização dos estados de exceção no mundo contemporâneo, ver: AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção: Homo Sacer II, I. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004; AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2007.
[40] BRASIL – PRESIDÊNCIA DAREPÚBLICA. Op. Cit.
[41]  O uso discursive do Haiti para justificar as políticas de segurança púbica militaristas no Rio de Janeiro existe, pelo menos, desde a época de criação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que oram eram apresentadas como fornecedoras, ora como receptoras dos ensinamentos adquiridos pela MINUSTAH na intervenção haitiana. Da mesma forma, a violenta invasão militar do Complexo do Alemão em novembro de 2010 por tropas dos Exército foi justificada na grande mídia pelo fato do general que a comandou ter tido experência similar em favelas no Haiti. Ver, por exemplo (acessos em maio de 2018): http://www.upprj.com/index.php/acontece/acontece-selecionado/prefeito-de-cite-soleil-visita-upp-fazendinha-no-complexo-do-alemaeo/CPP;https://extra.globo.com/noticias/rio/general-da-brigada-paraquedista-que-ja-comandou-as-tropas-brasileiras-no-haiti-vai-comandar-forca-de-paz-no-alemao-184189.html
e também: https://oglobo.globo.com/rio/soldados-levam-para-alemao-experiencia-do-haiti-2918366
 
 
[i] Miguel Borba de Sá é mestre em relações internacionais pela PUC-Rio e Master of Arts in Ideology and Discourse Analysis pela Universidade de Essex, Inglaterra. É membro da rede Jubileu Sul Brasil, que participou da Campanha pela Retirada das Tropas do Haiti, desde 2005.

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