A Coalizão Direitos Valem Mais, a qual a Rede Jubileu Sul Brasil faz parte, integra o coletivo que publicou artigo em resposta a coluna de Marcos Mendes, de 18 de junho, no jornal Folha de S.Paulo, sobre a emenda constitucional 95, chamada de Teto dos gastos. Leia abaixo a íntegra do texto publicado pela Coalizão:
Em artigo publicado na capa do jornal Folha de São Paulo em 18 de junho, o economista Marcos Mendes utilizou informações equivocadas para dizer que a Emenda Constitucional 95 (EC95/2016), aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2016 e que instituiu o Novo Regime Fiscal, não afetou educação e saúde e que não reduziu o valor mínimo a ser aplicado em ações e serviços de saúde pública. Para Mendes, muito pelo contrário, o chamado Teto de Gastos teria contribuído para o aumento em 9,3 bilhões de reais dos recursos para a área.
Em resposta ao economista, Francisco Funcia, Carlos Ocké e Bruno Moreti, pesquisadores vinculados, respectivamente, ao Conselho Nacional de Saúde, ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e ao Senado Federal, no artigo “Por que mentir?” – publicado em 25/6 no jornal GGN – apresentam análise detalhada dos números da saúde. O artigo demonstra que a perda da área foi imensa: somente entre 2018 e 2020, em comparação da despesa empenhada com o piso da regra anterior (EC86), os recursos da saúde sofreram queda de 20 bilhões de reais em decorrência da EC95/2016, o que vem comprometendo profundamente as condições de enfrentamento da pandemia da COVID-19.
Na análise que a Coalizão Direitos Valem Mais encaminhou em maio, em resposta ao questionamento da ministra Rosa Weber na Ação Direta de Inconstitucional (ADI 5715), sobre os efeitos no valor mínimo a ser aplicado em saúde pela EC 95 em comparação com o da Emenda Constitucional 86, mostramos que ocorreu uma perda de no mínimo R$ 12 bilhões para o piso de recursos para o SUS, entre 2017 e 2019.
Marcos Mendes, além de distorcer informações orçamentárias ao desconsiderar os efeitos da liminar na ADI 5595 que acabou com escalonamento do piso para saúde da EC86; também afirmou em seu artigo, que os defensores do fim do Teto de Gastos se restringem a um grupo de organizações interessadas em derrubar a EC95 para aumentar os salários dos servidores públicos, em especial, da elite do funcionalismo público, já que o Teto de Gastos impõe um limite individualizado de gastos para cada um dos Poderes.
Nada mais enganoso. Somos muitos e diversos! A defesa do fim da Emenda do Teto de Gastos mobiliza cada vez mais um variado leque de atores políticos que compreendem que é urgente aumentar o gasto social e ambiental para proteger e salvar vidas durante e no pós pandemia e garantir o direito ao isolamento social à população; reagir ao crescimento alarmante das desigualdades no país com respostas redistributivas; transferir recursos do governo federal para estados e municípios sem chantagens federativas; e retomar uma economia em profunda recessão.
Cresce o entendimento em vários setores da sociedade de que o Teto dos Gastos é insustentável, reforçado por análise da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal publicada em junho, de que a manutenção da EC95 gerará em 2021 a paralisação do já precário funcionamento da máquina pública, levando ao chamado shutdown. Por isso, é fundamental que o Congresso suspenda os efeitos do Teto dos Gastos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2021, que deverá ser apreciada pelo parlamento nas próximas semanas.
Entre esses atores políticos que partilham da posição da insustentabilidade da EC95, constam: Conselhos, Frentes e Campanhas Nacionais de Direitos (Saúde, Assistência Social, Direitos Humanos, Segurança Alimentar, Educação, dos Direitos da Criança e do Adolescente etc.); instituições acadêmicas e da área de ciência e tecnologia, fundamentais para o enfrentamento não somente dos desafios colocados pela pandemia, mas para o futuro do país; redes, fóruns, entidades e movimentos da sociedade civil, comprometidos com o enfrentamento das desigualdades brasileiras, do racismo e das discriminações contra as mulheres e com a defesa da democracia, dos direitos humanos e direitos da natureza; entidades empresariais que compreendem a importância do gasto social para a dinamização de uma economia em recessão; associações de gestores públicos, como o Consórcio de governadores do Nordeste e entidades que reúnem secretários municipais das várias áreas sociais, como a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação e o Colegiado Nacional de Gestores Municipais da Assistência Social; juristas e economistas das mais variadas trajetórias públicas e perspectivas políticas, entre eles, os reunidos na Sociedade de Economia Política e na Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (ABED).
Grande parte desses atores políticos vem se articulando por meio da Coalizão Direitos Valem Mais – pelo fim da EC95 e por uma Nova Economia, sinalizando uma construção política que visa impedir a disputa orçamentária entre áreas sociais e entre entes federados, estimulada perversamente pelo governo federal. Em março, a Coalizão entrou com um pedido de suspensão imediata da EC95/2016 no Supremo Tribunal Federal e entregou ao Tribunal um amplo estudo sobre os impactos do Teto dos Gastos durante e no pós pandemia, que propõe alternativas para a recomposição do financiamento das políticas sociais e ambiental no país.
Com relação ao plano internacional, a defesa do fim da Emenda Constitucional 95 foi objeto de manifestações explícitas da OEA e da ONU. Esta última a considerou a medida econômica mais drástica contra direitos sociais no planeta ao constitucionalizar a política de austeridade por vinte anos. Recentemente, Malala Yousafzai, Prêmio Nobel da Paz, se somou aos apelos internacionais e enviou carta a cada Ministro do STF solicitando que a EC95 seja suspensa até o julgamento de sua inconstitucionalidade. Medida fundamental, segundo ela, para a retomada da implementação do Plano Nacional de Educação (lei 13.005/2014) e para a proteção das condições de vida de milhões de meninas e mulheres, mais duramente afetadas pela pandemia.
O crescente apoio público ao fim da EC95, nacional e internacionalmente, também se associa ao movimento global de questionamento do papel da economia em um momento dramático de crescimento da fome, da miséria, do desemprego, da falência de milhares de empresas e do acirramento assustador das desigualdades e violências, em especial, contra pessoas negras, enraizadas no racismo estrutural que organiza a política econômica de austeridade.
Várias análises indicam que o contexto pós pandemia será de brutal recessão econômica em vários países, em especial no Brasil. Com base nessa perspectiva e no alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a possibilidade de novas pandemias, ganha força na cena internacional o debate sobre a necessidade de uma nova economia, que garanta condições para a maior proteção da população – em especial dos setores mais vulneráveis, pobres, negros e indígenas – e do meio ambiente, em uma realidade marcada pela aceleração das mudanças climáticas.
Uma nova economia que: enfrente as abissais desigualdades, que retome a capacidade do Estado de financiar as políticas sociais e ambientais, que garanta a renda mínima permanente em uma realidade marcada pela revolução 4.0 e altas taxas de desemprego, que regulamente de forma precisa o mercado financeiro e a atuação dos grupos transnacionais, que tribute mais os ricos e que, sobretudo, dê um fim às políticas econômicas de austeridade, criticadas inclusive pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) como ineficientes em tempo de crise. Como destacado até mesmo pelo jornal britânico Financial Times em editorial de abril, é urgente mudar o rumo da economia global para sustentação da vida no planeta.
No Brasil, esse questionamento da política econômica ainda é tímido nos meios de comunicação, submetido à lógica da blindagem da política econômica de austeridade que tomou a maior parte da imprensa brasileira nos últimos anos. A abordagem sobre os limites e os efeitos dessa política na vida da população e as alternativas a ela ainda recebe pouquíssima atenção na imprensa, predominando nos espaços da mídia as vozes de economistas comprometidos com o modelo econômico atual.
No centro da roda, a pergunta: qual é a responsabilidade social do jornalismo brasileiro com a cobertura econômica crítica e propositiva, tão necessária em um momento extremamente dramático do país? É urgente informar a população, enfrentar com coragem o fundamentalismo econômico que silencia as possibilidades e explicitar que há sim alternativas responsáveis, que exigem, entre outras mudanças, a profunda revisão do conjunto das regras fiscais, uma ampla reforma tributária progressiva e o fortalecimento da capacidade do Estado de garantir direitos constitucionais à população e perspectivas para a nossa juventude, deixando de ser um instrumento em prol da concentração de renda nas mãos de poucos.
Fátima Bezerra, governadora do Rio Grande do Norte, integrante do Consórcio do Nordeste.
Caio Magri, diretor-presidente do Instituto Ethos de Responsabilidade Social das Empresas.
Regina Adami, gestora pública, integrante do Irohim e da coordenação nacional da Coalizão Negra por Direitos.
Denise Carreira, educadora, integrante da coordenação da Ação Educativa, Plataforma DHESCA e da Coalizão Direitos Valem Mais.
Publicação original : https://direitosvalemmais.org.br/