“A cultura no sistema capitalista em que vivemos diz que o indivíduo sozinho resolve tudo, mas não há saída individual para os problemas que vivemos no Brasil”.

Por Flaviana Serafim

Reunião da Ação Mulheres na ocupação Nova Vida, em Manaus (AM). Comunidade tem 17 etnias indígenas, brasileiros e venezuelanos. Foto: Patrícia Cabral

Numa manhã de agosto deste 2023, chegou a notícia mais esperada pelas cerca de 3.500 famílias da ocupação Nova Vida, em Manaus (AM): viver finalmente sem o risco de sofrer despejo, de perderem suas casas e seu território, depois de quase cinco anos de batalha judicial. Em decisão da 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária da Seção Judiciária do Amazonas (SJAM), foi extinta uma ação civil pública de reintegração de posse que o Ministério Público Federal (MPF) movia desde 2018 para retirada das famílias. 

A alegação do MPF era de que a ocupação Nova Vida foi formada numa área do sítio arqueológico Cemitério dos Índios, pertencente ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Foram longos anos de ameaça de despejo até a comunidade, o MPF e o IPHAN entrarem num acordo, em março de 2023, quando foi consensuado que o Museu da Amazônia (MUSA) faria a retirada e a guarda de urnas funerárias e outros artefatos indígenas de forma gratuita. Dois meses depois, foi assinado o acordo para anulação da ação civil contra as famílias. 

Todo o processo de acordo teve mediação da Defensoria Pública Estadual (DPE) e da União, num embate em que a comunidade teve assessoria jurídica da Ação “Mulheres por Reparação das Dívidas Sociais”.  Em Manaus, a ação é realizada numa parceria local da Rede Jubileu Sul Brasil (JSB) com a Cáritas Brasileira, e nacionalmente com a 6ª Semana Social Brasileira (SSB) e a Central de Movimentos Populares (CMP). 

Ampliar a soma de forças com outras organizações e movimentos parceiros foi essencial para a vitória em prol da ocupação, assim como outros avanços na luta por direitos das comunidades. No caso da ocupação Nova Vida, numa  aliança com o Fórum Amazonense de Reforma Urbana, a Habitat para a Humanidade e a Campanha Despejo Zero. 

Ação Mulheres na 15ª Marcha das Mulheres Negras, no Rio de Janeiro (RJ). Foto: Adriana Medeiros

No Rio de Janeiro (RJ), onde a Ação Mulheres é realizada com a CMP, essa assessoria jurídica e aliança estratégicas impulsionam avanços pelo direito à regularização fundiária às famílias da ocupação Vito Giannotti. Sem cumprir função social, o prédio no bairro do Santo Cristo estava há 10 anos abandonado pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS até ser ocupado, em 2016. Em maio de 2023, as famílias conquistaram uma recomendação favorável do Ministério Público Federal (MPF) para que o imóvel seja destinado à habitação de interesse social, e agora seguem no embate para que os moradores conquistem a posse efetiva.

Em Belo Horizonte (MG), a ação ocorre em parceria com a Rede Nacional Feminista de Saúde, e em Porto Alegre (RS) com o Emancipa. De uma aliança entre as duas parceiras, foi lançado um cursinho popular do Emancipa na ocupação Alto das Antenas, na capital mineira. Em Salvador, a parceria com a Cáritas Regional Nordeste 3 impulsiona a geração de renda às mulheres a partir da economia solidária. 

“A saída só será coletiva. A cultura no sistema capitalista em que vivemos diz que o indivíduo sozinho resolve tudo, mas não há saída individual para os problemas que vivemos no país. O direito para o povo preto e pobre no Brasil só foi conquistado na luta, não teve nada de graça”, ressalta a economista e educadora popular Sandra Quintela, que integra a coordenação da Ação “Mulheres por Reparação das Dívidas Sociais”. 

Sobre a importância dos processos coletivos para empoderar e fortalecer as mulheres, ela diz que “o exercício cotidiano do trabalho coletivo, da construção coletiva, do compartilhar, do estar juntas, do conversar, é fundamental para superar essa grave situação em que vive o povo brasileiro. Além disso, tem o fortalecimento dessa mulher, da pessoa como indivíduo, como sujeita portadora de direitos, merecedora de direitos”.  

Feijoada no cursinho popular da ocupação Alto das Antenas, em Belo Horizonte (MG). Foto: Raiz Policarpo

Articular, incidir, denunciar

Tão logo as atividades foram retomadas no início de 2023, membros da coordenação e articuladoras da Ação Mulheres foram à Brasília para uma série de reuniões nos ministérios, entre os quais o de Cidades, da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, das Mulheres e Povos Indígenas, para dialogar sobre as políticas públicas urgentes e prioritárias na atuação da Rede.

“Cada território da Ação Mulheres tem essa dimensão do trabalho de fortalecimento local e também o trabalho de denúncia no nível nacional, como as missões que denunciaram a situação das ocupações no país, as audiências públicas, parcerias com parlamentares, com Defensorias Públicas e Ministério Público, o que nos permitiu avançar na luta contra a desapropriação e à favor da moradia popular”, completa Sandra Quintela.

Em São Paulo, a ação ocorre articulada com a coordenação das ocupações Dom Paulo Evaristo Arns e Jean Jacques Dessalines, lideradas pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), e na Casa de Assis numa parceria com o Sefras – Ação Social Franciscana, organização membro da Rede JSB. Na capital paulista, a ação engaja sobretudo migrantes e refugiados na luta por moradia digna, fortalecendo lideranças e apoiando a incidência política.  

O Movimento de Conselhos Populares (MCP) é o parceiro em Fortaleza (CE), onde a ação também incide pressionando parlamentares e governos. Por emenda parlamentar na Assembleia Legislativa do Ceará, a proposta é transformar em política pública para bairros vulneráveis o “Sisteminha” de segurança e soberania alimentar para produção solidária e comunitária de alimentos. 

O episódio “Direito à moradia e segurança alimentar”, do podcast Ação Mulheres, mostra o Sisteminha na comunidade Raízes da Praia, na capital cearense. Assista:

Acesse o canal do Jubileu Sul Brasil para conhecer outros episódios da série.

Esta reportagem foi publicada originalmente na Revista Ação Mulheres de 2023confira a publicação na íntegra.

As iniciativas da Ação “Mulheres por reparação das dívidas sociais” contaram com apoio do Ministério das Relações Exteriores Alemão, que garantiu ao Instituto de Relações Exteriores (IFA) recursos para implementação do Programa de Financiamentos Zivik (Zivik Funding Program). Também integraram o processo de fortalecimento da Rede Jubileu Sul Brasil e das suas organizações membro, contando ainda com apoios da Cafod, DKA, e cofinanciamento da União Europeia.

O conteúdo desta publicação é de responsabilidade exclusiva da Rede Jubileu Sul Brasil. Não necessariamente representa o ponto de vista dos apoiadores, financiadores e co-financiadores.

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