Exigimos a aparição, com vida, dos quatro garífunas da comunidade de Triunfo de la Cruz
Dirigido ao Governo de Honduras:
Todos que assinam logo abaixo expressam nossa preocupação, indignação e repúdio pelo sequestro de Alberth Snaider Centeno Tomas – presidente do Patronato de Triunfo de la Cruz –, Milton Joel Martínez Alvarez, Suami Aparicio Mejía e Albert Sentana Thomas.
Como é de seu conhecimento, os membros da comunidade Triunfo de la Cruz, da cidade de Tela, e parte da Organização Fraternal Negra de Honduras (OFRANEH), foram sequestrados de suas casas no dia 18 de julho por homens fortemente armados e trajados com coletes da polícia nacional que apresentavam a insígnia do Departamento da Polícia de Investigação (DPI).
Desde então, e a despeito das reiteradas denúncias de organizações e movimentos nacionais e internacionais, não recebemos nenhuma informação ou resposta efetiva sobre as investigações que estão sendo realizadas para determinar o paradeiro das quatro pessoas sequestradas.
É do conhecimento público que a comunidade indígena garífuna, em Honduras, sofre ataques sistemáticos há vários anos, perpetrados por empresas do agronegócio, entre outras, e, mais recentemente, por empresas que desenvolvem empreendimentos imobiliários e turísticos.
O exercício democrático e legítimo de defesa do território levado a cabo pela OFRANEH, bem como a sua denúncia permanente das violações dos direitos dos povos e dos seus direitos humanos, tem feito dos membros desta organização alvos de diversos ataques. Repetiram-se situações em que sofreram ameaças, perseguições, assassinatos e ações repreensíveis como a que denunciamos hoje, a saber, o sequestro de quem se opõe ao modelo neoliberal de privatização e comercialização de territórios e bens naturais, os quais possibilitam a subsistência da comunidade.
De acordo com as informações que coletamos e analisamos nas últimas semanas, o complexo hoteleiro INDURA, situado no litoral norte de Honduras, e o parque nacional PUNTA IZOPO, no município de Tela, foram denunciados por moradores da área por usurpar terras e expulsar a população local. Da mesma forma, foi feito um alerta acerca da posse ilegal de terras por parte das empresas imobiliárias e incorporadoras MACERICA e IDETRISA.
Entendemos que, em nenhum dos projetos que essas empresas desenvolvem, os povos garífunas foram consultados, o que constitui um aspecto obrigatório do cumprimento do Direito à Consulta Prévia, Livre e Informada que os povos indígenas têm no mundo, estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e ratificado por Honduras, em 1995.
O notável aumento das agressões desde 2015, quando a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) ordenou a devolução de terras e a reparação dos danos à comunidade de Triunfo de la Cruz, constitui um agravante adicional. No dia 8 de outubro de 2015, a CIDH emitiu uma condenação contra o Estado de Honduras por todos esses atos de violação dos direitos territoriais e coletivos da comunidade de Triunfo de la Cruz. Essa sentença estabelece as responsabilidades do Estado e sua obrigação de garantir os direitos da comunidade, reparar os danos causados e assegurar os mecanismos adequados para evitar a repetição desses eventos. Porém, até o momento, quase cinco anos depois, a sentença não foi cumprida, a comunidade continua sendo violada e, no ano passado (2019), 17 pessoas foram assassinadas, sendo 11 homens e 6 mulheres.
Ha vários anos e no passado recente, organizações nacionais e internacionais denunciaram a violência brutal sofrida por organizações, movimentos sociais e comunidades em Honduras. Reunimos informações, documentamos denúncias e deixamos um registro ético e histórico da terrível situação a que está sendo submetido o povo garífuna, sem nenhuma ação contundente por parte do Estado e do governo hondurenho para enfrentar esse terrível contexto.
Diante da intensificação da criminalização contra esse povo nativo e da combinação de todas as estratégias de desapropriação da comunidade e violação de seus direitos, reiteramos nosso repúdio e denúncia concernentes ao sequestro daqueles que lutam pela comunidade garífuna. Outrossim, rejeitamos todos os crimes contra líderes e lideranças comunitárias, sujeitos políticos esses que resistem ao modelo de extermínio, saindo em defesa de seus territórios ancestrais; homens e mulheres que são fundamentais para a dignidade de vida da classe popular.
Denunciamos com veemência a violência sistemática que se exerce contra o povo hondurenho e que, a cada dia, acarreta mais vítimas, mais mulheres e homens assassinados, e mais famílias que não conseguem suprir suas necessidades básicas. Enquanto isso, o neoliberalismo priva territórios para favorecer corporações transnacionais que, no momento, lucram com a pandemia que suas ações irresponsáveis e criminosas contribuem para agravar.
Dada a impunidade que prevalece em Honduras, que denunciamos por meio deste comunicado, nos associamos às organizações sociais desse país para exigir do governo nacional:
* O aparecimento imediato, com vida, dos quatro garífunas sequestrados da comunidade de Triunfo de la Cruz, entre eles o Presidente do Conselho Curador da comunidade e um membro da OFRANEH.
* A contenção imediata da violência sistemática e pontual contra o povo garífuna.
* O urgente cumprimento da decisão da CIDH em que o Estado, entre outros atores, foi ordenado a separar, titular e demarcar 2.840 hectares que correspondem ao território ancestral, além de devolver à comunidade de Triunfo de la Cruz, sendo ela a legítima proprietária, 22 hectares de terras em poder do Sindicato dos Trabalhadores do Município de Tela, bem como 98 hectares que se encontram, ilegalmente, em posse das empresas MACERICA e IDETRISA, as quais executam os projetos habitacionais de Marbella e Playa Escondida.
Somos solidários com a OFRANEH e com todas as organizações e movimentos sociais e populares hondurenhos. Continuaremos na Solidariedade internacionalista até que os reféns apareçam vivos, e até que cesse a violência sistemática e qualquer atentado contra nossos povos.