Voluntário do mutirão de construção dos tanques de peixe do Sisteminha integrado de produção de alimentos, Pedro Fernandes defende a partilha para “desenvolver a vida” e superar a crise sociossanitária trazida pela Covid-19 construindo um outro modelo de desenvolvimento
Por Flaviana Serafim – Jubileu Sul Brasil
No mês de agosto, foram inaugurados dois tanques de criação de peixe nas comunidades do Conjunto Palmeiras e Raízes da Praia, em Fortaleza (CE), dando início ao Sisteminha de produção integrada de alimentos, que visa à soberania e segurança alimentar, além de promover e incentivar um outro modelo de desenvolvimento, com foco na partilha do que é produzido coletivamente.
A iniciativa é liderada pelo Movimento dos Conselhos Populares (MCP) e pelo Instituto Negra do Ceará (Inegra), integra a ação “Comunidades articuladas para velhos e novos enfrentamentos”, realizada pelo Jubileu Sul/Américas e pelo Jubileu Sul Brasil como parte do projeto Protagonismo da Sociedade Civil nas Políticas Macroeconômicas, cofinanciado pela União Europeia, e surgiu a partir dos anseios das famílias frente às dificuldades de emprego e renda decorrentes da pandemia de Covid-19 (leia mais). O Sisteminha também conta com apoio da da Cafod, da DKA e da Bé Ruys Fonds.
Morador da comunidade Serviluz, em Fortaleza (CE), Pedro Fernandes é um dos responsáveis pelo fomento à implementação do Sisteminha, trouxe à proposta as comunidades articuladas pelo MCP e também foi voluntário nos mutirões de construção dos tanques de peixe.
Nessa entrevista ao Jubileu Sul Brasil, Fernandes conta o surgimento da proposta, os desafios e impactos do Sisteminha, e ressalta: “Temos que partilhar a vida de uma forma solidária, colaborativa, porque do jeito que está não dá para ficar”.
Como vocês conheceram o Sisteminha?
Conheci num encontro do grupo Crítica Radical com a Confederação dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar (Confetraf) no Sítio Brotando a Emancipação, em Cascavel, na Região Metropolitana de Fortaleza. Lá nós fizemos a instalação de três tanques, também com a produção de vegetais, e tivemos a honra de conhecer no sítio o professor Luiz Carlos Guilherme, que foi idealizador do Sisteminha e que nos auxiliou na implementação. Trouxemos a ideia junto com o pessoal do Movimento dos Conselhos Populares (MCP), que conseguiu apoio do Jubileu Sul Brasil e potencializou a implementação nas comunidades Raízes da Praia e Conjunto Palmeiras.
Além da relevância para a segurança alimentar, para você qual a importância do Sisteminha para as comunidades?
É um projeto fantástico e traz a questão da emancipação das pessoas em relação ao mercado e ao dinheiro para poder acessar um bem tão elementar à vida, que é o alimento e que hoje em dia está contaminado com agrotóxicos. O Sisteminha traz a possibilidade de a gente produzir a nossa própria vida, de produzir aquilo que é o mais importante, que é a nossa alimentação.
Na sua avaliação, quais os desafios para implementação do projeto?
O desafio do Sisteminha é fazer com que as pessoas entendam a importância de estarem juntas numa outra construção, partilhando desde a produção do alimento a outras coisas para desenvolver a vida, a alegria, o lazer, a diversão para podermos vencer esse momento tão difícil da humanidade e numa crise que a cada dia se aprofunda.
E o desafio tão lindo de tocarem a própria vida e construírem uma independência, uma outra possibilidade nesse mundo de marasmo e crise, de estarmos sonhando juntos numa outra relação humana, onde as pessoas não sejam guiadas, mediadas pela forma do dinheiro que sabemos o quanto causa exclusão.
E quanto ao impacto político do Sisteminha?
A política está atrelada ao mercado, funciona como um braço do mercado. São similares e não querem que as pessoas sejam emancipadas, livres. O mercado é irracional, só pensa no lucro, em gerar dinheiro mesmo nem que para isso tenha que destruir toda a floresta amazônica, que tenha que aterrar todas as lagoas, poluir todo mar com petróleo, matar toda a vida na Terra. O que conseguimos notar na atualidade é um regresso da humanidade, infelizmente.
Para construir uma nova história, de um mundo humanamente diverso e socialmente igual, vamos precisar juntar todas as pessoas em um entendimento de que nada nada possa ser mercadoria, de que os bens necessários à vida, moradia, alimentação, saúde, educação, o amor, o cuidado, o carinho, tudo que é necessário à vida tem que ser partilhado, distribuído de forma gratuita para todas as pessoas.
Sabemos que temos que partilhar a vida de uma forma solidária, colaborativa, porque do jeito que está não dá para ficar.