Intensificando as lutas pelas vidas e pelos direitos, encontro contou com reflexões, homenagens poesia e música
Por Marcos Vinicius dos Santos* | Jubileu Sul Brasil
Internacionalmente conhecido como o Dia da Mulher da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, aqui no Brasil o 25 de julho também é reservado para homenagear a líder quilombola Tereza de Benguela, símbolo de luta do povo negro pelas duas décadas em que liderou a resistência contra a escravidão.
Centrada nessa memória, e de tantas outras mulheres negras, a Rede Jubileu Sul Brasil, a Cáritas Brasileira e o Movimento Graal organizaram uma roda de conversa no último dia 23 de julho. Entre as convidadas para compartilhar reflexões estava a socióloga Maria Sueli Rodrigues de Sousa, que atua como professora da Universidade Federal do Piauí, no Núcleo de Pesquisa sobre Africanidades e Afrodescendência – IFARADÁ e no Grupo de Pesquisa Direitos humanos e Cidadania (DiHuCi).
Margarita Valenzuela, guia espiritual Maya ficou com a responsabilidade de inspirar a todas e a todos com a mística de abertura. Em uma noite de lua cheia belíssima, a guatemalteca inspirou a buscar a força dos ancestrais que carregamos dentro de nós recitando versos de uma oração em homenagem a mãe terra.
A necessidade de transgredir
A fala seguinte a emocionante abertura foi de Marli Aguiar. A paulista é membra Coletivo de Mulheres da Rede Jubileu Sul além de parte atuante do coletivo “Carolinas e Firminas – Cada Dia Nasce Uma”, que fomenta a escrita para mulheres negras e indígenas. Em sua fala Marli reforçou a ideia da necessidade de transgredir em um sistema que tenta a todo o tempo silenciar as mulheres.
“Nós mulheres negras sustentamos essa pirâmide, nós temos o poder de sustentar as lutas e fazer a diferença, e fazer a mudança na solidariedade, na luta com as mulheres indígenas e com outras mulheres também”, Marli de Fátima Aguiar, poetisa e feminista.
Marli saudou Tereza de Benguela, rainha que liderou o Quilombo do Quariterê como símbolo do longo caminho já percorrido e que ainda vai continuar seguindo para muito longe, através das novas gerações que vêm surgindo. Em conclusão a esse pensamento, Marli recitou o poema “Transgressão”, presente em seu livro “(Des)Águas e Afluentes”.
“Palavras brotam de dentro de nós como brota água da fonte que sai do fundo da Terra, ebulição cristalina e fresca. / Palavras transgridem nesses tempos que insistem em nos calar. Nossas vozes, nossos corpos, nossos prazeres. / Não se cala uma mulher. / Não se cala uma mulher. / Não se cala uma mulher. / Pois nossas vozes. Nossas vozes. Nossas vozes, mulheres é ebulição, é transgressão”.
A importância da lembrança
Maria Sueli Rodrigues de Sousa, que atua como professora da Universidade Federal do Piauí, no Núcleo de Pesquisa sobre Africanidades e Afrodescendência – IFARADÁ e no Grupo de Pesquisa Direitos humanos e Cidadania (DiHuCi) seguiu o encontro com reflexões sobre o conceito de raça e as divisões irracionais que ele provoca na nossa sociedade.
Ela lembrou que este é um recurso usado desde os primeiros tempos, para dominar através da diferenciação do outro como um ser inferior. Retomando Sueli Carneiro, que em sua tese de doutorado discute o ser e o não ser dos povos Latino-Americanos, que sofreram muito sob a desculpa de ‘não serem’, ou serem menos, humanos do que os colonizadores e sua cultura europeia. Esses padrões de afirmação da cultura ocidental se mantém até hoje, medindo toda a sociedade em uma régua que só serve para perpetuar as pressões capitalistas de competitividade.
“Quem é a pessoa que mais aparece nos piores indicadores do Brasil, ou de qualquer lugar, da América Latina, da África e toda a Europa? Quem é? São as mulheres negras, essas mulheres negras elas expressam a cultura ocidental e que a gente se encanta com essa cultura Ocidental, achando que a gente se a gente se esforçar a gente vai vencer na vida. Muito bom poema lido antes. A gente precisa é desobedecer a essa cultura ocidental, e a gente precisa desobedecer em todos os lugares”, falou Maria Sueli.
A professora reforçou que não existem lugares em nossa sociedade nos quais a cor da pele vai ser ignorada. Para ela é preciso que o movimento feminista acolha a demanda da diversidade das mulheres negras e indígenas aqui no Brasil. Que se construa uma outra memória coletiva, na qual essas mulheres sejam incluídas nesse novo pacto de nação.
O samba e as suas raízes
Como um gesto na direção dessa reconstrução, a roda de conversa seguiu com a retomada da memória das principais sambistas brasileiras. O samba, que por muito tempo foi reprimido, excluído e criminalizado é uma das principais forças da cultura brasileira. E, ainda quando aceito, relegava as mulheres negras, resultando em um apagamento de suas histórias, como explicou Mary Guimarães, integrante do Movimento do Graal no Brasil que foi responsável por essa pesquisa sobre o samba brasileiro.
“Somos também compositoras, instrumentistas, cantoras esse é um grande avanço. E aí nós vamos encontrar, e eu quero homenagear nessa noite as nossas ancestrais e entre elas que já não estão conosco, mas viraram estrelas estão encantadas: a Tia Ciata, Dona Ivone Lara, Clementina de Jesus, Jovelina Pérola Negra, Clara Nunes. E nós temos aqui com quem nos inspirar, porque estão conosco e fazem do nosso repertório mais rico: Leci Brandão, Alcione Martinália, Elza Soares, Teresa Cristina, Mariene de Castro, Nilze Carvalho, Dona Inah, Geovana, Gloria Bomfim, Fabiana Cozza e a lista poderia prosseguir com certeza”, destacou Mary Guimarães.
Mary ainda comentou sobre a origem do samba, ritmo que nasceu aqui no Brasil, mas tem as suas referências todas trazidas com os povos vindos do Congo, Angola, Moçambique, Guiné, pessoas que chegaram aqui em Pernambuco, na Bahia, no Rio de Janeiro e que trouxeram além da força de trabalho a sua cultura a sua forma de oração a sua forma de celebração a sua forma de fazer festa.
A atividade aconteceu pela plataforma Zoom, com tradução simultânea em espanhol e português. Você pode assistir o evento na íntegra em nossa página do Youtube, seguindo esse link.
A “Roda de Conversa sobre a afirmação da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha” é parte da ação Protagonismo da sociedade civil nas políticas macroeconômicas que busca promover espaços de debate, ação e voz da sociedade civil junto a organizações de 10 países onde a Rede atua. A iniciativa tem cofinanciamento da União Europeia.
*Com supervisão de Jucelene Rocha