Por Karla Maria | Rede Jubileu Sul
Há cerca de 60 anos, Brasília sedia discussões centrais em torno dos rumos do país, de seu povo. No último período, a cidade que carrega os traços do urbanista Lúcio Costa e do arquiteto Oscar Niemeyer vem debatendo e colocando em risco um dos pilares da Constituição Federal de 1988 e da vida do trabalhador e da trabalhadora brasileira: o direito à aposentadoria.
Esta é a avaliação crítica que fazem as entidades de 15 estados brasileiros e cinco diferentes países da América Latina que participam do seminário “Desmonte da Previdência Social no Brasil: a quem interessa?”, promovido pela Rede Jubileu Sul, que começou nesta segunda-feira, 27, e vai até o dia 29, em Brasília (DF). “O governo mente e parte de uma premissa falsa. Diz que vai combater privilégios, mas não é verdade. Os ricos não vão pagar mais, ao contrário, essa aposentadoria vai tirar mais dos mais pobres”, disse Floriano Martins, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip).
Martins citou, por exemplo, os trabalhadores que terão a alíquota da contribuição diminuída de 8% para 7,5%, mas que deverão contribuir mais cincos anos para poderem atingir o período mínimo de 20 anos de contribuição. “Então, na verdade, esse trabalhador vai acabar pagando mais, e é isso que a gente precisa explicar para as pessoas”, disse o presidente da Anfip.
A crítica de Martins encontrou aliados. Para a deputada federal Talíria Pontes (PSOL), a PEC 06/2019, que reforma a Previdência, é a continuidade de um desmonte de direitos que se iniciou com a PEC dos gastos, que limitou os investimentos em Educação, Saúde e Cultura. “Vemos o desmonte dos direitos que estão inseridos na nossa Constituição. Os ataques estão se materializando em nosso país e a crise se manifesta nos corpos”, disse a parlamentar, lembrando a situação das mulheres negras, das trabalhadoras domésticas que terão de trabalhar mais tempo para poder se aposentar, se conseguirem, levando em consideração o trabalho informal.
“Mesmo anunciando que podem tirar algumas mudanças do cenário há dois elementos que permanecem muito graves: o aumento do tempo de contribuição e a capitalização. Como querem que o trabalhador poupe, em um país em que as pessoas estão cozinhando com carvão? Que trabalhadora e que trabalhador que vai economizar para a aposentadoria? A capitalização é isso. É entregar o direito à aposentadoria para a lógica dos bancos”, disse a deputada.
Para Maria Lucia Fatorelli, a proposta de Bolsonaro é cruel com os mais pobres. “Quem escreveu essa reforma não enxerga pessoas. Ela é um desmonte total do Estado brasileiro, tanto é que o (presidente da Câmara, deputado Rodrigo) Maia tirou tudo da pauta para encaminhar isso”, disse, referindo-se à celeridade da proposta na Casa.
Para ela, está claro que a proposta da reforma é mais um mecanismo do governo para pagar a dívida pública, ou seja, repassar dinheiro para os bancos detentores de títulos da dívida. “A chamada dívida pública tem sido a justificativa para todo tipo corte e para todas essas ‘reformas’. Se as pessoas lerem a exposição de motivos que acompanha a PEC 06, em vários momentos o ministro (da Economia) Paulo Guedes e o Bolsonaro falam que tem que diminuir o gasto com os benefícios sociais para pagar dívida”.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) também marcou presença neste primeiro dia de seminário. Dom Roberto Francisco Ferrería Paz, bispo da Diocese de Campos (RJ), colocou-se contra a proposta do governo de Jair Bolsonaro (PSL). “Há uma queda de braço e é fundamental não deixar passar essa reforma, essa violência contra os trabalhadores. Não é só a Previdência Social que será desmontada. O sistema social cada vez mais vai depender das entidades de caridade. Com tudo isso, cabe um repúdio e também mobilização”.
No dia 1º de março, a CNBB manifestou-se contra a Reforma da Previdência do ministro Paulo Guedes. “Na Evangelium Gaudim, o papa Francisco lembra que na primazia do lucro sobre a vida não interessa mais a pessoa humana, ela é descarte. Dizemos também que é idolatria. Com o trabalho informal, com que salário o trabalhador vai conseguir se aposentar? São os grandes bancos que vão ganhar com o sistema da capitalização. Como cristão e cidadão eu não posso referendar essa política criminosa, antipatriota, que é exploradora da dignidade da pessoa humana”, concluiu o bispo.
Para Sandra Quintela, economista da Rede Jubileu Sul, entidade que promove o seminário, o governo Bolsonaro quer colocar em curso o tripé da maldade. “Primeiro foi a PEC dos gastos, depois a Reforma Trabalhista e agora essa da Previdência. Não podemos nos calar e precisamos apontar os caminhos possíveis. Por isso estamos aqui”, disse Sandra, que defende uma reforma tributária que inclua a taxação de grandes fortunas.
O seminário segue até o dia 29, com debates sobre o regime de capitalização e a experiência no Chile, a Reforma Trabalhista, a terceirização e os impactos na Previdência Social, buscando, assim como Sandra, alternativas.
Confira as apresentações do primeiro do seminário:
Apresentação_Auditoria da Dívida Cidadã Apresentação_ ANFIP
Apresentação_Auditoria da Dívida Cidadã