Ação de solidariedade em Porto Alegre. Fotos: Rede Emancipa

Santa Rosa de Lima, bairro da Zona Norte de Porto Alegre em que a renda média mensal das famílias é de R$ 580, pouco mais da metade do salário mínimo. Conforme dados do Observando Bairro, Santa Rosa de Lima possui taxas de analfabetismo, índices de mortalidade infantil e de vulnerabilidade social maiores que a média da capital gaúcha.

É nesse território marcado pela histórica ausência de preocupação do poder público que imigrantes contam como o apoio da Rede Emancipa, movimento de educação popular que desenvolve iniciativas de fortalecimento da solidariedade ativa e ajuda mútua entre migrantes e brasileiros/as, como ato de resistência a uma série de violências institucionais.

Segundo Fatima Cardoso, coordenadora do Emancipa Santa Rosa, mulheres, homens, idosos e crianças, especialmente do Haiti, Venezuela e Angola, chegam a Porto Alegre e sofrem constantemente com o descaso governamental. “Essas pessoas muitas vezes chegam sem documentação e enfrentam logo dificuldade de atendimento, tendo que elas mesmo irem aos órgãos para se legalizar”, frisa.

Como parte da ação de fortalecimento territorial da Rede Jubileu Sul Brasil ,com apoio da União Europeia, a Emancipa realiza o projeto “Migração sem fronteira: ações de acolhimento pelo direito à cidadania de pessoas em deslocamento” e adquiriu recursos que possibilitaram a ampliação de ações para garantia de direitos.

“Nossa proposta começou logo no início da pandemia, por meio de parceria com a Rede Beabá, quando atendemos 150 famílias, por três meses, por meio de doações de cestas básicas, materiais de higiene, verduras e hortifruti. Em seguida, fizemos uma inscrição em que o número de imigrantes foi muito maior do que esperávamos e focamos, então, na questão da alimentação e depois em outros atendimentos”, relata Fátima.

Além da doação de alimentos e materiais de higiene, a Rede Emancipa tem contribuído para o acesso dos migrantes aos direitos e atendimento nas redes de saúde e assistência social, bem como em orientações sobre a necessidade de proteção no contexto da Covid-19. Como exemplo da importância do trabalho desenvolvido pela Emancipa, Fatima Cardoso conta que “numa reunião com 75 haitianos, apenas cinco tinham Cadastro Único [instrumento de coleta de dados e informações que identifica as famílias de baixa renda no país para inclusão em programas de assistência social e redistribuição de renda]”.

Das violências de Estado

A solidariedade proposta pela Rede Emancipa é realizada também no enfrentamento ao abandono e opressão estatal, que se materializam de diversas formas, começando pela própria ausência de informações oficiais confiáveis sobre a presença de imigrantes na cidade.

A respeito disso, levantamento do Núcleo de Pesquisas em Migração do Centro Ítalo-Brasileiro de Assistência e Instrução aos Migrantes – uma instituição não-governamental, aponta que Porto Alegre possui cerca de 36 mil migrantes, sendo o maior percentual de haitianos, venezuelanos, angolanos e senegaleses. “Nem o governo nem a Prefeitura têm números precisos sobre isso. Não há um cadastro ativo nem transparência nos dados, o que só demonstra uma desorganização generalizada”, denuncia Fatima.

A coordenadora da Enancipa ressalta ainda que as violências de Estado se revelam também em outras medidas, como a demora na utilização de recursos para apoio aos migrantes ou em ações truculentas de órgãos de segurança pública.

Nesse sentido, Fatima Cardoso menciona que recursos recebidos pela Prefeitura de Porto Alegre, por meio da Portaria 369 (que estabeleceu diretrizes para o atendimento a migrantes e pessoas em situação de rua), ficaram muito tempo sem aplicação, colaborando para o aumento da fragilidade entre os imigrantes.

E como demonstração dos atos repressivos, Fatima relembra a violência praticada pela Brigada Militar no processo de reintegração de posse da Ocupação Progresso, em setembro de 2018. Na ocasião, mais de 150 famílias – em sua maioria de imigrantes haitianos e senegaleses – foram expulsas do local, sem qualquer garantia de teto. Algumas dessas famílias tiveram, inclusive, as suas moradias incendiadas. Uma reportagem do portal Sul 21, publicada à época, não deixa dúvidas sobre o que disse Fatima.

Mais do que episódios isolados, Fatima Cardoso entende que posturas como as ditas acima expressam uma concepção dos governos com o público migrante. No que diz respeito à Prefeitura de Porto Alegre, por exemplo, ela avalia que “a gestão de Nelson Marchezan Jr simplesmente ignorou a questão da imigração e condenou, expulsou e agrediu trabalhadores informais imigrantes principalmente no centro da cidade”.

Com a pandemia da Covid-19, todos os problemas que atravessam os migrantes foram apenas agravados. “Além das necessidades básicas de moradia e alimentação, os imigrantes estão tendo dificuldades para manter o distanciamento e cumprir as recomendações sanitárias, já que não têm qualquer assistência do poder público”, diz Fatima. Uma reportagem do jornal Brasil de Fato evidencia a situação de vulnerabilidade a que são submetidas as famílias migrantes.

Nesse cenário de aprofundamento das desigualdades e violências, trabalhos como o da Rede Emancipa – como apoio da Rede Jubileu Sul Brasil – afirmam-se ainda mais relevantes, afinal a solidariedade mútua tem sido um caminho encontrado por migrantes e brasileiros e brasileiras de Porto Alegre para superar as dificuldades dos tempos atuais.

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