Por Assessoria de Comunicação do CIMI
Desde a manhã do dia 7 de março, o cacique Babau Tupinambá e seu irmão, Teity Tupinambá, estão presos em uma sala isolada no presídio estadual de Ilhéus, na Bahia. A detenção de ambos, ontem, ocorreu de forma arbitrária e cercada de ilegalidades, havendo, inclusive, a denúncia de um flagrante forjado contra os indígenas. Na avaliação de observadores de direitos humanos, caso do grupo Tortura Nunca Mais, da Bahia, Babau e Teity correm risco de morte caso sejam encarcerados na região.
Babau e Teity teriam uma audiência de custódia com o juiz Lincoln na manhã de hoje, na qual os indígenas seriam ouvidos para apresentar sua versão dos fatos. O juiz, entretanto, se negou a ouvir os indígenas, cancelou a audiência e determinou, pelo telefone, o envio dos Tupinambá para o presídio. Cacique Babau integra o Programa de Defensores de Direitos Humanos da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. Como o governo baiano é conveniado ao programa, a segurança do cacique é de responsabilidade da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Governo da Bahia.
Os indígenas Tupinambá foram presos, no final da manhã de ontem (7), com a justificativa de um flagrante de posse ilegal de duas armas, uma delas de uso exclusivo da Polícia. Babau e Teity Tupinambá haviam ido até a aldeia Gravatá, na Terra Indígena (TI) Tupinambá de Olivença, para conferir a situação da comunidade indígena local, que sofre com a extração de areia por mineradoras, após a execução de uma violenta reintegração de posse. A autuação em flagrante ocorreu no município de Olivença, a 10 km da aldeia Gravatá, o que dá indícios de que Babau e o irmão caíram em uma arapuca.
Além da acusação inicial de porte ilegal de duas armas – as quais, segundo os indígenas, foram plantadas em um flagrante forjado, sendo uma delas de uso exclusivo da polícia – pesam agora sobre as lideranças Tupinambá outras quatro acusações: de lesão corporal contra um dos trabalhadores do areal; de ameaça de agressão contra trabalhadores e policiais; de resistência à prisão e, por fim, de desacato à autoridade.
Todas as denúncias foram feitas a partir do depoimento dos policiais que prenderam Babau e Teity no município de Olivença, a cerca de 10 quilômetro da aldeia Gravatá, e o trabalhador que, segundo a polícia, teria sido agredido pelos indígenas ainda não foi localizado. Os Tupinambá negam todas as acusações.
Prisão ilegal e arbitrária
Embora o flagrante de porte ilegal de armas tenha sido a justificativa para manter os indígenas presos na delegacia da Polícia Federal até a manhã desta sexta (8), os autos da prisão em flagrante foram lavrado apenas hoje. Ou seja, durante quase um dia inteiro, Babau e Teity Tupinambá permaneceram detidos sem uma justificativa formal.
Pela manhã, ao determinar a transferência de Babau e Teity Tupinambá para o presídio Ariston Cardoso, a delegada da Polícia Federal que recebeu a ligação do juiz Lincoln chegou a afirmar que a prisão preventiva de ambos estava decretada. Entretanto, tal decreto só foi formalizado pelo juiz no final do dia de hoje, de maneira que os indígenas permaneceram no presídio com sua liberdade cerceada ilegalmente.
A defesa de Babau avalia que não existe razão para que os indígenas sejam presos preventivamente, pois o caso deles não atende aos requisitos expressos no artigo 132 do Código Penal para que se exija prisão preventiva, como, por exemplo, a tentativa de impedir as investigações ou de fuga. Na decisão, o juiz acusa Babau de “comandar grupo armado” e “provocar o conflito na região”.
Demarcação como solução
A trama envolvendo a prisão de cacique Babau e Teity se relaciona diretamente com a demarcação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, cuja publicação aguarda a vontade política do governo federal desde 2012. A aldeia Gravatá, cenário do desenlace da recente criminalização, é uma das áreas exaustivamente exploradas por mineradoras da região de Ilhéus.
Os Tupinambá inúmeras vezes alertaram o governo brasileiro para o crime ambiental em curso, e avisaram que não tolerariam a continuidade da retirada de toneladas de areia da terra indígena. Razão essa que motivou a decisão dos indígenas pela retomada da área degradada pelas mineradoras, a aldeia Gravatá, reintegrada por decisão do juiz Lincoln nesta quarta-feira, 6.
“Tivemos reuniões em Brasília onde sempre frisamos que apenas a demarcação pode colocar um fim a esses conflitos, e os Tupinambá acabam sempre criminalizados, ameaçados de morte e assassinados”, declarou Ramon Tupinambá à Victoria Tauli-Corpuz, durante a visita da relatora da ONU para direitos indígenas à terra Tupinambá de Olivença no final de março deste ano.
Nas sucessivas reintegrações de posse ocorridas contra as aldeias Tupinambá, desde 2008, se constata a ocorrência de boa parte das criminalizações contra as lideranças. Ocasiões onde também as forças policiais buscaram garantir a entrada na terra indígena de interesses privados; seja pelo cacau, seja pelo gado, seja pelos minérios.
Desta vez não foi diferente: o comando da PM celebra um acordo pela suspensão da execução da reintegração da aldeia Gravatá ao mesmo tempo em que despeja os Tupinambá e cumpre ordem do mesmo juiz Lincoln para escoltar os caçambeiros de areia no fluxo de idas e vindas para a retirada de areia do interior da terra indígena. Mais uma vez, a trama desemboca na prisão de lideranças indígenas acusadas de terem cometido inúmeros crimes aleatórios.
Não sem efeito, o juiz Lincoln – que determinou o despejo dos Tupinambá e a escolta aos caçambeiros – manda cacique Babau e Teity para um presídio em Ilhéus, mesmo alertado para os riscos de morte que os indígenas correm caso sejam aprisionados com pistoleiros e capangas de grupos que já chegaram a oferecer até dinheiro pela cabeça de Babau.
Com a recente prisão, de 2008 para cá o cacique Babau Tupinambá amarga sua terceira detenção. Na primeira ele foi retirado de sua casa, à força, durante a madrugada por agentes da PF encapuzados e portando metralhadoras. Teity acabou preso também nessa ocasião. Na segunda, em 2013, o indígena estava a caminho de um encontro com o Papa Francisco, no Vaticano, e já tinha até tirado o passaporte quando foi impedido de viajar e teve a prisão decretada por inquéritos arquivados por falta de provas.
Teity Tupinambá foi preso depois em 2009, por dirigir uma caminhonete da Funasa, repleta de cestas básicas. O desembargador Cândido Ribeiro, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região não encontrou justificativa na ordem de prisão, vinda também da Justiça Federal de Ilhéus. Em 2011 outros cinco Tupinambá foram presos e torturados. Outros caciques do povo, como Gildo e Valdelice Tupinambá, também foram presos nos últimos anos.