Brasil ocupa o 3º lugar em ranking global de assassinatos de defensores do meio ambiente. As denúncias serão apresentadas em audiência pública nesta sexta-feira (22). Estado brasileiro deve prestar esclarecimentos.
Nesta sexta-feira (22), organizações da sociedade civil brasileira participarão de audiência pública na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para denunciar as violações de direitos de defensores de direitos humanos e do meio ambiente no Brasil. A audiência terá início às 10h e poderá ser acompanhada pelo Facebook (@CIDH.OEA) e Youtube (@ComisionIDH). O evento ocorre no contexto do 181º período de audiências públicas, que vem sendo realizado entre 18 e 29 de outubro de 2021. A Rede Jubileu Sul Brasil integra a Plataforma de Direitos Humanos (DHESCA Brasil).
A audiência tem como objetivo apresentar a situação de perseguição e criminalização perpetrada pelo Estado Brasileiro contra defensoras de direitos humanos e ambientais. As denúncias serão apresentadas oralmente por representantes da Plataforma Dhesca, Justiça Global, Rede Brasileira de Justiça Ambiental, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) e Comissão Guarani Yvyrupa (CGY). Uma representação do Estado também deve estar presente e prestar esclarecimentos sobre as denúncias levadas. Após recolher informações, a CIDH deverá emitir recomendações.
A delegação da sociedade civil brasileira será composta por: Antônio Neto, da Justiça Global e integrante da Plataforma Dhesca, Cristiane Faustino, do Instituto Terramar e integrante da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, Karaí Okaju – Ilson Soares, liderança da aldeia Tekoha Y’Hovy (PR) e da CGY, Ivo Fonseca, da CONAQ MA e Anacleta Pires, liderança do quilombo Santa Rosa dos Pretos.
Acompanhe a audiência na CIDH
Escalada de violações, ameaças e perseguições
De acordo com o relatório da Global Witness, o Brasil figura entre os países mais perigosos para os defensores ambientais, ocupando o 3º lugar no ranking de assassinatos de ativistas. Em 2019, o volume de ocorrências por conflitos por terra – que envolvem casos de pistolagem, expulsão, despejo, ameaça de expulsão, ameaça de despejo, invasão, destruição de roças, casas, bens – foi o maior registrado desde 1985 e 57,6% mais elevado que em 2018.
“O Brasil tem vivido processos de flexibilização e enfraquecimento dos órgãos de controle, assim como de lentidão nos processos de demarcação de territórios de povos e comunidades tradicionais nas gestões passadas. Esse processo se intensificou a partir de 2019, com um intenso desmonte das normas e instituições socioambientais, que aumenta exponencialmente a violência contra defensores e defensoras ambientais”, analisa a delegação brasileira em documento enviado à Comissão.
“O governo vem retirando direitos e garantias socioambientais, consagrados na Constituição Federal de 1988 e na Convenção OIT 169, por meio do sucateamento e da militarização de instituições públicas voltadas à defesa do meio ambiente e dos direitos dos povos comunidades tradicionais, da alteração e extinção de normas ambientais e conselhos participativos, da omissão na fiscalização e no combate a ilegalidades e crimes e do caráter racista explícito nos discursos e práticas estatais”, completa.
No que tange aos direitos territoriais dos povos indígenas, as entidades alertam que a gestão de Bolsonaro não só não demarcou nenhuma Terra Indígena, como tem solicitado a reanálise de processos demarcatórios. Entre quilombolas, o total de movimentações de processos de titulação pelo Incra no biênio de 2019-2020 é o menor desde 2005. Em 2020, houve queda de 69% em comparação à 2019, que, por sua vez, já havia apresentado uma queda de 71% em comparação a 2018.
Além do desmonte das políticas e da ausência de demarcação, a delegação brasileira denuncia também um processo de perseguição. Em agosto deste ano, Jair Bolsonaro admitiu que as atividades do Sínodo da Amazônia, realizado em 2019, estavam sendo monitoradas pela Agência Brasileira de Inteligência. De acordo com o general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, o objetivo seria “neutralizar os impactos do encontro”. Agentes da Abin foram também enviados à Convenção do Clima da ONU (COP 25) para espionar a comitiva brasileira.
Quilombo Santa Rosa dos Pretos: conflitos agrários e violência institucional contra lideranças
Os conflitos agrários no Território Quilombola Santa Rosa dos Pretos em Itapecuru-Mirim (MA), que se desdobram há mais de quatro décadas, têm aumentado nos últimos anos. Em 2021, a duplicação da BR-135 e a compra e venda clandestina de lotes no interior do território recrudesceu os conflitos. Entre os meses de abril e maio, Anacleta Pires da Silva, Elias Pires Belfort e Joércio Pires da Silva, lideranças do Território Quilombola Santa Rosa dos Pretos, foram intimados três vezes a comparecerem à Delegacia Regional de Polícia Civil. Nas três intimações, não foram apresentadas justificativas, mas reforçava-se que o não comparecimento configura crime. Apenas quando prestaram depoimento é que foram informados do que se tratava a denúncia: estavam sendo acusados de destruir uma ponte que dava acesso a uma fazenda instalada de forma ilegal dentro do território quilombola, e de ameaçarem o suposto dono da propriedade e um dos seus funcionários. Mesmo com os devidos depoimentos prestados, as lideranças foram novamente convocadas a prestar esclarecimentos. No Termo de Ocorrência, entretanto, sequer consta a indicação de testemunhas que comprovem a participação dos acusados nos atos. A fazenda em questão está entre outras que foram desapropriadas em 2015, por meio de decreto presidencial, para fins de titulação do Território Quilombola Santa Rosa dos Pretos. A fazenda está dentro do território quilombola, e está sujeita ao processo de desintrusão.
Avá Guarani: identificação e delimitação anulada, assassinatos e prisão ilegal
Outro caso denunciado na audiência será a situação de extrema vulnerabilidade dos Avá Guarani no oeste do estado do Paraná. Quem relata o caso é Ilson Soares, membro da Comissão Guarani Yvyrupa e liderança do Tekoha Y’hovy – que, em 2020 sofreu a anulação, por decisão da Justiça Federal, do Relatório de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Guasu Guavirá, onde está localizada sua aldeia. Imediatamente após a decisão judicial, o presidente da Funai Marcelo Augusto Xavier da Silva anulou o estudo de identificação e delimitação.
Também em 2020, o Cacique Crídio Medina, da TI Tekoha Guasu Guavirá, da aldeia Ywyraty Porã (PR), foi preso ilegalmente pela polícia civil local, permanecendo na prisão por três dias. O dono da propriedade acionou a polícia que o acusou de acobertar um “crime” cometido pelas crianças da aldeia, que teriam recolhido espigas de milho não aproveitadas pela colheitadeira de uma fazenda ao lado do Tekoha.
Em 2019, Demilson Ovelar de 28 anos foi assassinado a pauladas próximo ao Tekoha Y’Hovy. No dia 8 de março do mesmo ano membros do Tekoha Itamarã, no município de Diamante D’oeste, Lairton Vaz, Everton Ortiz, Felix Benites e Virgínio Benites foram atacados por cinco pessoas, que desferiram golpes de facão e faca contra os quatro Guarani. Neste ataque o Virgínio acabou vindo a óbito. A Polícia Civil demorou 17 dias para iniciar a investigação, e coletar os depoimentos das vítimas.
Só no ano de 2021,o Avá-Guarani vem vivenciando uma epidemia de suicídios entre adolescentes e jovens, de março até hoje foram 9 suicídios, onde a média de idade são de 13 a 25 anos e 19 tentativas de suicídios, onde a média de idade é de 11 anos até 79 anos.