Desde o dia 28 de abril, estudantes do Centro de Atenção Integrada à Criança e ao Adolescente (CAIC) Maria Alves Carioca iniciaram uma ocupação exigindo melhorias no local. Situada no bairro Bom Jardim, considerado uma das maiores periferias de Fortaleza (Ceará), o Caic precisa de melhor estrutura para atender bem seus alunos.
A ocupação vem acontecendo com várias atividades, como oficinas de fanzine, palestras sobre gênero, direitos humanos, conjuntura política, entre outros. Hoje, professores enviaram uma nota de apoio aos estudantes. Confira.
SIM, NÓS APOIAMOS NOSSOS MENINOS E MENINAS!
Não, nós não queríamos estar em greve. Nós queríamos estar em sala de aula, ensinando, aprendendo, cumprindo nosso planejamento para o ano letivo de 2016. Quem está diariamente em sala de aula, ensinando nossos meninos e meninas a interpretar, calcular, refletir e pensar certamente o faz porque ainda carrega acesa a centelha da educação em sua alma e não está satisfeito por estar de braços cruzados.
Não, nós não queríamos que nossos meninos e meninas estivessem ocupando a escola. Queríamos que elas e eles estivessem em suas casas, desfrutando da tranquilidade de suas camas e redes e da companhia dos seus. Não, nós não queríamos que nossos estudantes estivessem dormindo desconfortavelmente em salas de aula e preocupados se mais uma noite vai transcorrer em paz. Não, nós não queríamos que nossos alunos e alunas – a maioria delas e deles que já conhecemos e com quem temos convivido há bastante tempo – estivessem dia e noite preocupados com o que vão comer e beber porque, nesses tempos de ocupação, estão na dependência da boa vontade das pessoas para receberem provisões. Boa vontade essa que tem chegado diariamente de todos os lugares da nossa cidade. Nosso agradecimento a todos e todas que tem contribuído.
PORÉM (em letras maiúsculas mesmo), há uma distância gigantesca entre a utopia e a vida real. Existe um hiato descomunal entre o que nós queríamos e o que acontece de fato no dia a dia das escolas estaduais e – suponho poder generalizar – do serviço público, gratuito e de qualidade (oi?) ofertado pelo governo do nosso estado.
Aprender demanda um grande gasto cognitivo, é o cérebro funcionando a todo vapor para assimilar novas informações. Agora imagine ter que aprender com fome e com calor. Imagine ter que estudar numa sala com janelas caindo ou faltando, lousas estragadas e lâmpadas queimadas. Imagine que seu professor não pode dar a aula do dia porque a escola não recebeu dinheiro para comprar a tinta do pincel. “Gente, não vai ter prova parcial porque não chegou o dinheiro para comprar papel oficio” – quem é estudante do CAIC certamente ouviu essa frase mais de uma vez esse ano. Imagine também ter que adquirir novos conhecimentos sem vários professores importantes para o funcionamento da escola simplesmente porque foram demitidos ou devolvidos. Imagine aquele estudante que tem dificuldades em uma determinada matéria não poder mais contar com um auxílio extra porque os laboratórios de sua escola já não podem funcionar como antes.
Não, nós não queríamos que nada disso estivesse acontecendo. MAS, está. Nossa realidade é bem diversa daquela apresentada nas propagandas oficiais, em que meninos e meninas alegres e satisfeitos estudam e aprendem porque dispõem de todas as condições necessárias para isso. Não, nós não dispomos das condições mínimas para que nossos estudantes aprendam. Por isso nossos estudantes ocuparam a escola, com o intuito de pressionar o governo a investir em educação. Porque cansaram de esperar que alguém resolva por eles. Esse alguém jamais apareceu. Ensinamos tanto em nossas salas de aula o tal protagonismo juvenil que eles aprenderam, tomaram seus destinos nas mãos e resolveram ser protagonistas de suas próprias histórias. Nota 10 pra eles.
Face todo o exposto acima, o corpo docente do CAIC Maria Alves Carioca, apresenta seu total apoio ao movimento de ocupação escolar deflagrado por nossos meninos e meninas na noite da última quinta-feira (28/04/16). Reconhecemos a total legitimidade do movimento #ocupacaic, sendo esta uma ação de estudantes, com e para os estudantes, sem a interferência de qualquer entidade, movimento social ou partido político. Esta característica confere ao processo de ocupação do CAIC ainda mais transparência e lisura, uma vez que, segundo nossos alunos e alunas, apenas os estudantes secundaristas tem poder de voto nas reuniões e assembleias.
Enquanto educadores e amigos, estamos acompanhando todo o processo de perto, a fim de que sejam garantidas a integridade física e moral de nossos estudantes, além de apoiá-los em suas demandas materiais e intelectuais. Não se enganem, achando se tratar de um movimento de jovens “idealistas e desocupados”, como tanto temos ouvido nos últimos dias. Nossos meninos e meninas estão meticulosamente organizados, têm muita clareza em sua pauta de reivindicações e contam cada vez mais com o apoio da comunidade. Aqueles que criticam antes de conhecer o movimento de ocupação do CAIC deveriam vir à escola e passar um tempo com nossos alunos e alunas. Certamente terão uma aula de política e cidadania.
Esperamos que muito brevemente as reivindicações do movimento sejam contempladas para que possamos voltar à rotina de funcionamento da escola. Certos, entretanto, de que jamais seremos os mesmos. O tempo não retrocede e o que está feito está feito. Nossos alunos e alunas fizeram história, transformando o CAIC num símbolo de luta, resistência e emancipação intelectual. O caminho foi traçado, certamente outros os seguirão ocupando mais escolas e fazendo com que suas vozes sejam ouvidas.
Professores e estudantes, estamos todos no mesmo barco. Somente através da luta não vamos deixá-lo afundar!
Atenciosamente,
Professoras e professores do CAIC Maria Alves Carioca
Fortaleza, 03 de maio de 2016.