Depois de 12 anos de um governo golpista e ditador, Honduras volta à democracia e à esquerda com Xiomara Castro, primeira mulher presidente no país, do partido Liberdade e Refundação (Libre).
A vitória de Xiomara Castro à presidência de Honduras é o resultado de um trabalho de formiga no país para uma perspectiva de vida diferente para o povo. Com ela, a cidadania hondurenha, as comunidades tradicionais e ancestrais triunfam e é um vento de esperança para as forças progressistas do continente, pois reflete a rejeição majoritária da população à classe política corrupta, a 12 anos de autoritarismo e um regime de narcoditadura.
Com Castro sendo a candidata mais votada na história eleitoral hondurenha e a primeira mulher a ocupar esse cargo, renasce a esperança de um novo caminho para rejeitar o modelo neoliberal, patriarcal e extrativista na região mesoamericana.
Um momento de homenagem à semeadura de Berta Cáceres, sempre presente e que, junto com seus ancestrais lencas, também celebra a vontade de mudança, a determinação de construir uma outra realidade e o desejo de Honduras de deixar para trás a oligarquia eleitoral, criminosa e entreguista.
Mesoamérica e seus desafios comuns
Fazendo uma leitura necessária e crítica dos processos em desenvolvimento, denunciamos a cumplicidade entre os governos da Nicarágua e de Honduras, que é totalmente condenável. Não podemos comemorar um governo que recebe narcoditador, isso sem contar os acordos que fazem, tanto para criminalizar as migrações quanto em matéria de investimentos. A questão migratória se agudiza ainda mais, afeta sobretudo hondurenhos, salvadorenhos e guatemaltecos com instrumentos de dominação e controle do Norte global, além de tornar ainda mais vulneráveis os setores mais pobres.
Caribe: agroecologia e consulta popular
A pandemia em Cuba quase fez a economia rachar nestes últimos dois anos. Afetou fortemente a alimentação, aumentou as migrações e a manipulação midiática internacional que repercute no povo caribenho. São problemas que a sociedade cubana tem, mas no enfrentamento à Covid-19 não se pode esquecer que a medicina de Cuba fez o que muitos outros países não fizeram. Vacinas desenvolvidas, mais de 50% dos 82% de vacinados com três doses vão agora receber uma quarta dose de reativação, as aulas e o trabalho presencial estão retornando, da mesma forma o turismo.
Cuba trabalha ainda com um plano alimentar e práticas agroecológicas, e o governo busca ampliar a participação popular. Um exemplo é o atual debate sobre o Código de Família, numa visão que rompa com estereótipos, com a cultura patriarcal, que traz novos conceitos como a família dos afetos, homoparental, que proteja idosos e pessoas vulneráveis perante a lei.
Em Porto Rico, a luta segue até que o conselho de controle fiscal se manifeste sobre o plano de ajuste da dívida, que pode deixar os aposentados sem pensão digna e acabar com os fundos para a universidade pública porto-riquenha. O povo reage nas ruas diariamente, os estudantes fizeram greve de fome e fecharam a Universidade de Porto Rico contra a privatização.
A situação haitiana é de crise política aguda, com um governo ilegítimo e ilegal designado pelas Nações Unidas sem acordo político; com divisões internas e disputa de poder no governo. A onda armada é usada como justificativa para escalada de violência e sequestros de opositores. Frente ao cenário, a proposta defendida pela Plataforma Haitiana de Ação por um Desenvolvimento Alternativo (PAPDA), membro do Jubileu Sul/Américas, e por mais de 700 entidades e organizações, é o Acordo de Montana, um mecanismo para preencher o vazio político e entrar numa transição que permita organizar eleições. Por isso, além da solidariedade ativa às vítimas do terremoto, é importante dar visibilidade também à crise política no Haiti.
Atenção ainda à situação vivida pelos dominicanos de ascendência haitiana e à comunidade haitiana na República Dominicana, onde o governo tem expulsado migrantes grávidas e com recém-nascidos.
Andina: eleições no Chile afetam toda a região
O resultado eleitoral do 1º turno presencial no Chile, com maioria dos votos ao candidato de ultradireita José Kast, mostra uma sociedade muito polarizada, acendendo um alerta porque o que acontecer atinge a situação política de toda a região. Embora sempre tenha havido um absenteísmo alto, a votação em Kast supera a do atual presidente Sebastián Piñera.
Colapso na saúde e demissões de funcionários públicos, flexibilização no setor privado; desemprego, subemprego. O povo equatoriano vive situação económica grave, aumento do endividamento público e dos combustíveis. O presidente banqueiro Guillermo Lasso está envolvido nas denúncias de paraísos fiscais divulgadas nos Pandora Papers, mas perdeu pouco desprestígio, seja pelas medidas que adotou no país contra a Covid, como a rápida imunização da maioria dos equatorianos, seja porque as pessoas estão mais dedicadas ao dia a dia do que em reagir.
No Peru, as mudanças esperadas estão tomando outros rumos. Continua a polarização, há protestos pela retirada de Pedro Castillo e a direita cresce. Membros do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial integram o governo peruano, no qual Castillo preside longe do partido, com a família e parentes, de mãos dadas com o extrativismo e propagando uma perspectiva de distribuição de “lucratividade social” que o povo não acredita.
A fome e pobreza extrema afetam 20 milhões de pessoas no Brasil. Nas cidades avança a vacinação contra a Covid, no campo milícias armadas atacam assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. No Congresso brasileiro, ao mesmo tempo que acaba com as políticas sociais, Jair Bolsonaro compra aliados com “orçamento secreto” e a liberação de verbas para os deputados sem precisar indicar qual o destino dos recursos, um total de R$ 16,8 bilhões. Com a piora da fome e o desemprego, a aprovação de Bolsonaro caiu para 19%, mas a reação popular está muito local, não se expressa nacionalmente.
De Foz do Iguaçu, a reflexão de que os conflitos territoriais têm muita a ver com a disputa energética, responsável por muitas dívidas socioecológicas, violações dos corpos e territórios. Saímos com vários aprendizados deste seminário sobre soberania elétrica realizado pelo Jubileu Sul/Américas, e a expectativa é seguir fortalecendo as articulações.
Reconhecemos que, mesmo com todas as situações muito difíceis que temos que viver, sempre há algo para avançar, sempre há esperança e também o compromisso pelo qual devemos seguir em frente. Por isso, o desafio para o próximo ano é renovar o compromisso hoje mais do que nunca: fazer do combate à dívida algo diário, uma ação na prática e não apenas ao nível das grandes teorias.
Aí está a riqueza e o sentido desse embate: o que somos como coletivo. Toda essa experiência que estamos compartilhando nesses 22 anos da Rede não é possível se não colocarmos realmente nosso ser, coração e espírito em primeiro lugar, o que somos como pessoas, não só o que acumulamos de informação, mas como nos colocamos a serviço de contextos melhores.
Não devemos, não pagamos!
Somos os povos, os credores.
Coletivo de Coordenação Operativa (CCO) da Rede Jubileu Sul/Américas
29 de novembro de 2021