“Esse é o pior governo para as populações indígenas, um governo que quer acabar de nos exterminar (…) É o pior cenário que eu já vivenciei. Estamos no pior cenário possível para nós”.
A enfática afirmação é de Gilza Ferreira de Souza, da etnia Kaingang, Terra Indígena São Jerônimo da Serra, no Paraná, ao comentar as políticas do governo Bolsonaro para os Povos Indígenas.
Em entrevista à Rede Jubileu Sul Brasil, Gilza, que é assistente social e mestra em Serviço Social e Política Social pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), critica também iniciativas legislativas em curso que ameaçam o direito dos Povos Indígenas à terra e ao território, a exemplo do Projeto de Lei 490/2007 e da tese defendida por ruralistas de um “marco temporal”.
“Esse território já era nosso antes dos colonizadores chegarem, não tem uma data. São medidas que vêm justamente para afrontar ainda mais os nossos direitos, para ampliar a falta de demarcação das terras indígenas”, frisa.
As avaliações de Gilza convergem com um relatório lançado esta semana pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), que visa ampliar a disseminação de informações sobre a agenda anti-indigenista que avança no país.
No documento, direcionado à denúncia em órgãos internacionais sobre o genocídio indígena promovido pelo atual governo brasileiro, a APIB ressalta que “o mandatário [presidente da República] não poderia caminhar num sentido mais oposto do que aquele apontado pela Carta Magna, no entanto. Sua postura irresponsável e ilegal não somente afeta todo o arcabouço de proteção conquistado com muita luta pelos povos indígenas, como incentiva direta e indiretamente agressões de terceiros. Quando o exemplo da mais alta autoridade do país é de desprezo pelas leis e de ódio contra a humanidade, o que se pode esperar daqueles que se inspiram nessa figura abominável? Com isso em vista, a APIB tem lutado incansavelmente pelos direitos dos povos indígenas e, como parte de suas ações, protocolou denúncia contra Jair Bolsonaro por crimes contra a humanidade perante o Tribunal Penal Internacional em agosto de 2021”.
Confira abaixo a íntegra da entrevista com Gilza.
Organizações de Povos Indígenas da América Latina e do Caribe têm alertado para um genocídio indígena na região, pela ausência de políticas públicas de prevenção à Covid-19 nestes territórios. Aqui no Brasil, qual a situação atual e quais os principais impactos da pandemia nos Povos Indígenas do Brasil?
É gravíssima a situação dos Povos Indígenas, justamente pelo esquecimento do Estado. Esse é o pior governo para as populações indígenas, um governo que quer acabar de exterminar.
Ao longo da história, desde a colonização, muitos povos foram dizimados. Nessa pandemia, além da questão da saúde tem a questão da pobreza, porque muitos indígenas estão sem trabalho e sem renda. A saúde mata, mas a fome e a pobreza também matam.
E a orientação deste governo é de ausência de políticas públicas voltadas para os Povos Indígenas. Não há políticas que contribuam com a nossa existência e atravessamos uma realidade de vulnerabilidade econômica e social.
Então, a situação da Covid-19 é ainda pior para os Povos Indígenas porque temos um governo que não nos respeita, nos ignora, não nos escuta.
Alguns Povos têm denunciado também a invasão de grileiros, madeireiros e o favorecimento de megaprojetos em áreas indígenas. De que forma iniciativas legislativas, como o PL 490, tendem a aprofundar esta realidade de violação de direitos contra Povos Indígenas e de ameaça do direito à terra e ao território?
Mesmo na pandemia, temos visto o avanço da grilagem, do desmatamento, das expulsões de terra. O contexto para os Povos Indígenas é extremamente difícil porque não conseguimos alcançar as nossas pautas, não conseguimos avançar nas nossas demandas. É o pior cenário político que eu, com 33 anos, já vivenciei. Estamos no pior cenário possível para nós.
E o PL 490 está aí ameaçando ainda mais, colocando um marco temporal no nosso território. Esse território já era nosso antes dos colonizadores chegarem, não tem uma data. Esse PL vem justamente para afrontar ainda mais os nossos direitos, para ampliar a falta de demarcação das terras indígenas. A possibilidade de não termos mais terras demarcadas é real com este projeto.
Como os Povos Indígenas, que se relacionam a partir de valores da colaboração e da coletividade, estão se ajudando nesta pandemia em termos de cuidados de saúde?
Cada Povo tem uma cosmologia, um modo de organização, temos as nossas práticas de cuidado, temos nossos remédios tradicionais. É fortalecendo esses aspectos que vamos tentando afastar a pandemia para o mais longe possível da gente.
Fechamos nossas entradas, muitos territórios indígenas ainda estão fechados como uma medida para que a doença não avance dentro das nossas comunidades. Muitos de nós precisamos sair para trabalhar e ao voltar para os territórios precisamos cuidar dos nossos.
O Governo não reconheceu, por exemplo, indígenas que estão em contexto urbano. Então só houve vacina para os que estão nos territórios e isso gera muita vulnerabilidade para indígenas que estão nas cidades. Mas, nós que vivemos nas cidades, não deixamos de ser indígenas.
Quem elaborou os protocolos de vacinação dos povos indígenas desconsiderou a nossa diversidade de 305 etnias diferentes, com suas culturas, seus modos de organização social. Quem está no comando do Governo não compreende essas especificidades e colocou todo mundo num mesmo barco, com o objetivo de exterminar mesmo.
Mas estamos nos organizando e nos fortalecendo, tanto entre nós Povos Indígenas quanto com a solidariedade e apoio de muitos movimentos sociais e organizações não-governamentais não-indígenas.
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