“No contexto do que o professor Pedro Serrano define como autoritarismo líquido, o poder penal torna-se instrumento de perseguição política e ideológica”.

Arte divulgação: Talita Ai Lô | Jubileu Sul Brasil

Por Redação | Jubileu Sul Brasil

No cenário de criminalização do advogado José Vargas Júnior, responsável pela defesa das vítimas do caso conhecido como Massacre de Pau D’Arco, que vitimou 10 trabalhadores e trabalhadoras rurais em 2017, no interior do Pará, a Comissão Pastoral da Terra, apoiada por diversas organizações, entre elas a Rede Jubileu Sul Brasil, divulgou nesta quinta-feira (1) nota pública para a afirmação e fortalecimento do direito de defender direitos.

“Atuando como advogado popular na defesa de povos indígenas e trabalhadores/as rurais sem terra no sul do Pará, José Vargas é vítima de um histórico de perseguição. Em 2017 foi inserido no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, devido às ameaças em retaliação ao seu trabalho no Caso Pau D’arco. Em 2017 foi forçado a retirar sua família da região, bem como deixar a cidade por alguns períodos conforme o agravamento das ameaças. Nessa época, no ano de 2017, teve sua casa invadida, e em 2019, seu escritório foi alvo de um atentado a bomba”, destaca o documento.

Leia a Nota Pública na íntegra:

Em maio de 2017, nove trabalhadores e uma trabalhadora rural foram executados pelas forças policiais do Estado do Pará no interior da Fazenda Santa Lúcia, município de Pau D’Arco (PA). Esse poderia ser o resumo de mais um caso de violência policial no campo brasileiro, mas a história vai além. A partir de Pau D’arco enxergamos um horizonte repleto de violências, violações da dignidade humana e omissões que envolvem toda a estrutura desse Estado e revela sua ineficiência em garantir os direitos mais fundamentais ao seu povo. A esse povo é negado o direito à terra, à vida, à voz; e aos seus defensores é negado o direito de defender direitos.

Foi nesse contexto que José Vargas Júnior passou a ser ameaçado, perseguido e criminalizado. No dia 1º de janeiro de 2021, o defensor de direitos humanos e advogado das vítimas do Massacre de Pau D’arco foi injustamente detido depois de ser acusado de envolvimento no desaparecimento de Cícero José Rodrigues de Souza, militante e candidato a vereador em Redenção. José Vargas ficou 25 dias detido em prisão preventiva, e depois foi transferido para a prisão domiciliar, onde permanece há 143 dias.

Atuando como advogado popular na defesa de povos indígenas e trabalhadores/as rurais sem terra no sul do Pará, José Vargas é vítima de um histórico de perseguição. Em 2017 foi inserido no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, devido às ameaças em retaliação ao seu trabalho no Caso Pau D’arco. Em 2017 foi forçado a retirar sua família da região, bem como deixar a cidade por alguns períodos conforme o agravamento das ameaças. Nessa época, no ano de 2017, teve sua casa invadida, e em 2019, seu escritório foi alvo de um atentado a bomba.

Agora, vítima de criminalização em um inquérito marcado por falhas e inconsistências, José Vargas teve sua prisão, indiciamento e denúncia efetivados por algo que foi dito em conversa reservada e não pelo que realmente fez. A participação de Vargas no crime de homicídio foi deduzida pela leitura seletiva de mensagens de WhatsApp trocadas entre ele e Marcelo Gomes Borges, advogado da Associação presidida por Cícero, e que à época, dividia escritório com Vargas. As mensagens foram acessadas pela Polícia Civil (PC) e Ministério Público (MP) a partir da apreensão do aparelho celular de Marcelo Borges. Dentre um universo de mais de 2.278 mensagens trocadas, sejam de áudio ou escritas, a Polícia elegeu 12 mensagens que, em sua ótica, revelariam a participação de Vargas no crime, embora, segundo a subseção de Redenção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) o conteúdo integral das mensagens não deixam pairar dúvidas sobre a inocência de Vargas e o seu não envolvimento no crime.

Conforme previsão na Constituição Federal de 1988 em seu Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Os advogados e as advogadas exercem a defesa dos direitos de pessoas objetificadas, e cumprem um dever prestacional de assistência jurídica quando demandado para atuar na resolução de uma lide.

O desprezo cotidiano de alguns agentes do sistema de Justiça pelo direito de defesa é potencializado pelo silêncio condescendente das instituições a que estão vinculados. Cada medida abusiva não repreendida institucionalmente reverbera na crueldade naturalizada rotineiramente contra advogados e advogadas populares.

Em muitos dos casos a perseguição dos advogados/as acontece por alegados “crimes contra a honra de autoridades do sistema de Justiça” ou por “atuação engajada nos processos que tratam de direitos coletivos de populações vulnerabilizadas”, um rótulo que mal disfarça o evidente abuso de autoridade contra advogados que honrosamente primam pela justiça.

No contexto do que o professor Pedro Serrano define como autoritarismo líquido, o poder penal torna-se instrumento de perseguição política e ideológica. Nesse sentido caminha a justiça criminal brasileira, passos largos rumo a um autoritarismo cada vez mais explícito.

Também uma peça chave no caso Pau D’arco, Fernando dos Santos Araújo, sobrevivente e testemunha no processo criminal de Pau D’arco foi assassinado na Fazenda Santa Lúcia no dia 26 de janeiro de 2021. Vítima de ameaças de morte proferidas por policiais militares envolvidos no Massacre de Pau D’arco, uma das pessoas que Fernando procurou para orientá-lo na realização das denúncias foi José Vargas. Transcorridos 5 meses desde seu homicídio, a Polícia Civil e o Ministério Público do Estado do Pará ainda não apresentaram qualquer resultado sobre as investigações.

Segue assim, o Estado brasileiro premiando mandantes e executores com a impunidade, enquanto persistem as estratégias de perseguição, silenciamento e até mesmo o assassinato de lideranças envolvidas no caso.

A prisão e o processo de criminalização enfrentado atualmente pelo advogado José Vargas somente pode ser compreendida a partir da análise de um amplo contexto de violações de direitos humanos que envolvem o Caso Pau D’arco e reflete um amplo contexto de ataques e violações de prerrogativas constantemente praticadas contra advogados/as populares no Brasil. Como advogado popular e defensor de direitos humanos buscam silenciá-lo e retirar-lhe o direito fundamental de defender direitos.

Brasília, 01 de julho de 2021.


Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares – RENAP

Comissão Pastoral da Terra – CPT – Regional Pará

Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH

Articulação das CPT’s da Amazônia

Movimento Pela Soberania Popular na Mineração – MAM

Federação de Estudantes de Agronomia do Brasil – FEAB

Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB

Associação de Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania – ADJC – Núcleo Pará

Associação de Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania – ADJC

Fórum Regional de Educação do Campo do Sul e Sudeste do Pará – FREC

Instituto Zé Claudio e Maria – IZM

Rede Jubileu Sul Brasil

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