A Coordenação Nacional da Rede Jubileu Sul Brasil, reunida desde o dia 21 em São Paulo, emite nota em solidariedade aos povos, animais e biomas da Amazônia. Repudia veementemente ações do governo de Jair Bolsonaro e aponta caminhos civilizatórios mínimos para a proteção da Amazônia.
“O acordo UE-Mercosul não é solução, é antes parte do problema da devastação da Amazônia. Caso queiram proteger a Amazônia, que aprovem requisitos civilizatórios mínimos para suas empresas e seus investimentos, como o tratado vinculante sobre violações de direitos humanos que está sendo negociado no âmbito da Comissão de Direitos Humano da ONU”.
Confira a nota na íntegra:
Amazônia e os povos da floresta gritam: não passarão!
Mudar o sistema para não mudar o clima!
Nosso abraço e solidariedade profunda aos povos da floresta, aos rios, às árvores, aos animais da Amazônia que sangram. Suas dores são nossa dor!
O início desse ciclo apocalíptico de desmatamento e queimadas da Amazônia pode ser localizado no momento em que o Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, indicado pela bancada ruralista, foi à região amazônica se solidarizar com os agentes depredadores que tinham sido multados e que tiveram seus equipamentos apreendidos pelo IBAMA. Em seguida, técnicos do órgão foram desautorizados e alguns exonerados. O sinal dado, em consonância com as ordens emanadas pelo presidente Bolsonaro de que “nada pode fazer o agronegócio parar”, foi claro e rapidamente entendido na região. É preciso destacar ainda que, em 2019, o IBAMA sofreu profundos contingenciamentos orçamentários e ainda teve redução de sua já restrita equipe de campo em função da ideologia da austeridade e dos imperativos do rentismo para o pagamento dos juros da dívida pública. Em junho deste ano, mês em que as queimadas começaram sua escalada na Amazônia, foram destinados R$17 bilhões para o pagamento de juros e amortização.
O pano de fundo desse desastre intensificado na Amazônia é o modelo neoextrativista que sintetiza biomas e modos de vida neles fundados, modelo que é sustentado por cadeias de valor globais e transnacionais, principalmente norte-americanas, europeias e chinesas. O desmatamento sempre foi um vetor de valorização que se incrementa com a especulação no mercado de terras na Amazônia. Historicamente, o agronegócio brasileiro recebeu toda sorte de incentivos tributários e creditícios. No acumulado em 15 anos chega, esse valor passa de R$ 3,997 trilhões, disponibilizando um arsenal de novas tecnologias, e em resposta a todo esse suporte público e estatal, o setor aprofundou sua lógica de expansão territorial a todo custo, fez uso máximo de de transgênicos e agrotóxicos e recorreuàs condições de trabalho análogas à escravidão. A produtividade do agronegócio brasileiro depende da destruição, mais rápida ou mais gradual, da Amazônia e dos povos que dela e nela vivem.
Além disso, observando mais detidamente os focos mais intensos de queimadas na Amazônia nos últimos meses, pode-se notar que grande parte deles se concentra nas últimas frentes de expansão criadas por megaprojetos de infraestrutura (Belo Monte e Jirau/Santo Antônio e BR 163) e mineração (Região de Carajás Serra Sul e do rio Trombetas). Esses projetos contam a participação de grandes conglomerados controlados por bancos brasileiros e transnacionais. Hipocrisia, portanto, que Governos que sediam essas empresas apresentem-se como defensores de uma região cuja destruição vem rendendo volumosas remessas para suas empresas.
O acordo UE-Mercosul oficializa a desindustrialização do continente e aprofunda nossa especialização em commodities, tendo a Amazônia como o principal “estoque”. O acordo UE-Mercosul não é solução, é antes parte do problema da devastação da Amazônia. Caso queiram proteger a Amazônia, que aprovem requisitos civilizatórios mínimos para suas empresas e seus investimentos, como o tratado vinculante sobre violações de direitos humanos que está sendo negociado no âmbito da Comissão de Direitos Humano da ONU.
Não é apenas a biodiversidade que é marcada para morrer, mas também os povos da floresta (povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos) que estão sendo desterritorializados e violentados em suas ancestralidades, ficando os remanescentes forçados a migrar, principalmente para as periferias das grandes cidades, desestabilizando ainda mais os centros urbanos.
Não será com intervenções do G7 ou do imperialismo norte-americano, nem com a militarização da região Amazônica, que encontraremos caminhos para a solução desses problemas causados pela sanha do capital em crise permanente. A soberania dos povos há de se impor!
As análises apontam que para deter essa devastação em grande escala da Amazônia é preciso estabelecer espaços de diálogo e incidência conjunta para identificação e punição dos maiores responsáveis e pactuar horizontes de auto planejamento dos povos da região sobre seu destino. As soluções não são isoladas. Passam pelo entendimento de que tudo está interligado: os biomas e os povos amazônicos que não são apenas brasileiros. Qualquer solução depende da aceitação, do acolhimento, da escuta dessas múltiplas conexões.
A travessia passa por uma nova institucionalidade internacional ambiental que supere a lógica da economia verde e dos regimes climáticos que servem para legitimar a ideia de que a natureza é uma mercadoria. Na linha da incidência com confronto, dentro/fora, devemos denunciar os rumos do Acordo de Paris e das COPs, exigindo a precedência de fala e de decisão aos representantes dos povos da floresta e o estabelecimento de mecanismos cooperativos de proteção e estímulo de seus modos de vida, integrados ao infinito fio da vida tecido e retecido pela Pachamama.
Somos os povos credores das dívidas ambientais, sociais e financeiras!
Não devemos! Não pagamos!
A vida acima da dívida!
Reparações Já!
São Paulo, 24 de agosto de 2019