Filhos de militantes de todo o país e 400 educadores vão se reunir em Brasília de 23 a 26 de julho para discutir temas como educação e alimentação. Não vão faltar oficinas culturais e brincadeiras

Entre os temas principais da pauta está a educação. Mais de 30 mil escolas do campo foram fechadas desde 2002

“Venha logo criançada, vamos ver no que que dá. Joga bola, pula corda, põe o pião pra rodar. Joga água na roseira pra rosa desabrochar. Põe o milho pras galinhas, não deixa a preguiça chegar.” A canção de abertura do documentário Sem terrinhas em Movimento, realizado em 2009 (assista abaixo), para as comemorações dos 25 anos da criação do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), expressa em verso e prosa a concepção de educação e infância para esses camponeses: o ser criança, o brincar e o estudar ao mesmo tempo em que dividem com os pais, familiares e companheiros o protagonismo na luta pela garantia do direito à terra para produzir alimentos de qualidade para a subsistência e também para a mesa dos brasileiros.
É para celebrar tudo isso e fortalecer a auto-organização infantil nos assentamentos de diversas regiões do país que o MST está preparando o primeiro encontro nacional dos sem-terrinha, como são chamados os filhos dos militantes do movimento.  “O objetivo é proporcionar um espaço para a troca de experiências vivenciadas por essas crianças e seus familiares”, explica a integrante do coletivo de Educação do MST, a educadora Márcia Ramos.
A programação inclui oficinas, atividades culturais e muita brincadeira para as mais de mil crianças de 8 a 12 anos que estarão reunidas de 23 a 26 de julho no Pavilhão do Parque da Cidade, em Brasília.
Segundo Márcia, este primeiro encontro nacional é resultado da própria história do movimento. “É uma pauta que a gente tem. É a própria concepção de que as crianças convivem com a luta diária, em uma relação de vida concreta”, explica.

Educação no campo

Para além da luta pela reforma agrária, entre os principais temas da pauta dos sem terrinha está a luta pela educação, que reivindica a oferta de escolas no campo, para que as crianças não tenham mais de passar na estrada tempo maior do que passam em sala de aula, como acontece atualmente.
De acordo com o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação no Campo (Gepec), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), já foram fechadas mais de 30 mil escolas rurais em todo o país desde 2002. Por causa disso, os pais são obrigados a mandar seus filhos para escolas distantes de casa, em viagens longas e arriscadas, em estradas e veículos mal conservados, sem a presença de um monitor para cuidar da segurança. Muitos desses alunos ainda são crianças pequenas.
Cansadas, com poucas horas de sono e sem alimentação adequada, não têm o rendimento que poderiam ter se estudassem perto. Desencorajados, muitos camponeses desistem de dar estudo aos filhos.
“O encontro nacional será também um momento de discussão, à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), do direito de estudar na própria comunidade. E os sem terrinhas vão poder falar sobre o que estão vendo em seus estados, os problemas nas escolas, a falta de merenda escolar. E nessa perspectiva atual, de um estado de exceção, com democracia em risco, é fundamental poder discutir com eles, trazer também esse debate sobre direitos e alimentação saudável. Afinal, a alimentação perpassa educação e toda uma filosofia de vida na qual eles devem ser  protagonistas e aprender a lutar pelos direitos”, explica a educadora.

Construção

A etapa nacional, cujo documento-base ainda está sendo finalizado, vai seguir o mesmo formato das etapas estaduais realizadas nos estados em que o MST está organizado. Nesses eventos, as crianças se encontraram para brincar, para contar suas experiências e, mais do que isso, para pautar prefeituras e governos estaduais. 

Em 2017, foram organizadas diversas atividades, como participação em audiências públicas, que envolveram mais de 10 mil crianças. Em uma delas, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), mais de 200 sem-terrinha foram reunidos para debater educação do campo.
“Foi quando tiramos delegados para este primeiro encontro nacional. A ideia, agora, é levar um menino e uma menina para participar da coordenação nacional do MST. Há todo um processo em construção de fazer da criança um sujeito político, histórico e de direito”, diz Márcia Ramos.
concepção de infância no movimento, ainda em processo de construção, é pautada em princípios filosóficos e pedagógicos seguidos pelo próprio movimento camponês de luta pela reforma agrária. E por isso, segundo Márcia, tem de ser uma educação crítica.
“Não pode ser dissociada. As bases da nossa pedagogia fazem parte do movimento social, da luta política. O trabalho é importante, e não pode ser alienado. A cultura é um elemento fundamental, assim como a agroecologia. Nessa perspectiva, a criança é central, fazendo parte da organicidade forjada nas marchas do movimento e na reivindicação que ela ajuda a construir.”
Como lembra ainda a educadora, muito se fala sobre as crianças. Mas pouco se faz junto com elas, para que aprendam desde cedo a construir – o que não é simples. “Elas são camponesas, têm capacidade. Não é fácil, mas é possível.”

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