Por Cristina Fontenele – Agência Adital
O Projeto de Lei 2016/15, que tipifica o crime de terrorismo no Brasil foi aprovado no último dia 24 de fevereiro pela Câmara dos Deputados e, agora, segue para sanção presidencial. Embora o texto final aprovado, do relator Arthur Maia (Partido Solidariedade – Bahia), exclua os movimentos sociais desse tipo de crime, organizações de direitos humanos, movimentos sociais e sindicais, receberam a notícia com preocupação. As entidades entendem a aprovação como um retrocesso e avaliam o texto como amplo e ambíguo.

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Para Henrique Apolinário, advogado do Programa de Justiça da Conectas, o projeto é inócuo e representa um retrocesso para a democracia do país.

À Adital, Henrique Apolinário, advogado do Programa de Justiça da organização Conectas Direitos Humanos, explica que a aprovação do PL significa um grave retrocesso para a democracia brasileira, pois, além de inócuo em proteger o país de ataques, é redundante, ao prever crimes já descritos pelo Código Penal. Para o advogado, o novo texto limita garantias constitucionais fundamentais, como a liberdade de expressão e de reunião, colocando em risco a atuação de movimentos sociais e organizações que lutam por direitos no país.
Apolinário considera que esses segmentos poderão ser alvos de acusações por atos preparatórios ou por fazerem apologia ao terrorismo, respondendo a processos, até que um juiz decida aplicar a salvaguarda, sofrendo assim uma acusação extremamente grave, até que provem sua inocência. “A Lei é extremamente aberta e, logo, passível de diversas interpretações pelos que a aplicarão – policiais, promotores e juízes. A história recente demonstra que, em geral, dispositivos legais e constitucionais são instrumentalizados de maneira extremamente negativa para reprimirem protestos indesejados”.
Sob a justificativa de que a tipificação do terrorismo atenderia à recomendação do Gafi (Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo), o governo brasileiro estaria sofrendo pressão internacional e por isso teria urgência na aprovação da pauta. Porém, Apolinário acredita que a alegação não procede. “Primeiramente, porque não são claras as sanções que tal órgão pode aplicar no país, ou mesmo a maneira como suas recomendações são criadas, em um ambiente sem nenhuma transparência. Além disso, o órgão requeria tão somente o controle do país sobre o financiamento internacional de terrorismo – algo que o país já fez com a aprovação da Lei 13170/2015”.
O advogado destaca que, como o Projeto é de iniciativa do Poder Executivo, com pedido de urgência assinado pela presidenta Dilma Rousseff [Partido dos Trabalhadores – PT], a proposta passou, em poucos meses, pelo Congresso, sem qualquer possibilidade de debate público. Apolinário prevê que seja pouco provável o veto presidencial, mesmo com todas as pressões dos movimentos sociais e organismos internacionais.
No entanto, o advogado aponta que há a expectativa de que possa haver vetos parciais, já que o projeto sofreu graves mudanças no Congresso, aumentando as penas, expandindo as condutas previstas como “de terrorismo” e até incluindo disposições completamente alheias ao assunto inicial.

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Segundo a secretária geral da rede Jubileu Sul Brasil, Rosilene Wansetto, a nova lei vai inibir as liberdades individuais, a livre manifestação, os direitos constitucionais.

Rosilene Wansetto, secretária geral da rede Jubileu Sul Brasil, declara à Adital que o Projeto nunca deveria ter sido concebido e muito menos votado e aprovado, pois coloca em risco a democracia e a luta dos movimentos sociais. “Na verdade, são leis que privilegiam a condenação de quem luta por direitos. Sem dúvida, é um retrocesso democrático. Esses atores sociais já são penalizados e criminalizados com a atual legislação, não é necessária mais essa lei para tal finalidade”.
Lembrando os protestos na pré-Copa do Mundo de Futebol, em 2013, no Brasil, e durante a própria Copa, em 2014, Rosilene acredita que, certamente, aqueles jovens seriam enquadrados como terroristas, à luz da nova Lei. Assim como as manifestações pelo Passe Livre [no transporte público], as ações dos povos indígenas, ao ocuparem espaços públicos para acelerarem o direito pela demarcação de suas terras, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), ao ocupar espaços urbanos pelo direito à moradia, ou ainda o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que usa a ocupação como estratégia de pressão para a Reforma Agrária.
Como o Brasil não tem histórico de terrorismo, Rosilene questiona o que estaria por trás dessa lei. “É uma lei que vem para proteger o que? Para conter o que mesmo? Quem serão as maiores vítimas dessa lei, quando em vigor? Vem para inibir as liberdades individuais, a livre manifestação, direitos constitucionais”. Quanto à expectativa de veto, Rosilene espera que a “sensatez” e a resistência da presidenta Dilma falem mais alto no momento em que estiver com a caneta nas mãos.
Ações de repúdio
De acordo com o Escritório para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), o Projeto de Lei Antiterrorismo brasileiro é ambíguo e impreciso. Segundo Amerigo Incalcaterra, representante do ACNUDH na América do Sul, “o Projeto de Lei inclui disposições e definições demasiado vagas e imprecisas, o que não é compatível com a perspectiva das normas internacionais de direitos humanos”. Incalcaterra destaca que as ambiguidades podem dar ampla margem na hora da aplicação da lei, o que pode causar arbitrariedades e um mau uso das figuras penais.

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A hashtag #SouTerrorista está sendo usada nas redes sociais em protesto ao projeto de lei de antiterrorismo.

Em nota, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) classifica o projeto como “desnecessário e inconsequente”, e que se soma a outras iniciativas de setores conservadores do Congresso Nacional. “Vivemos tempos em que tudo é criminalizado. Jovens pobres e negros são os maiores alvos da violência e de um sistema de justiça criminal seletivo e com claro recorte de classe.”, denuncia o Movimento.
Entidades ligadas às igrejas, entre elas o Conic (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil) e o Cimi (Conselho Indigenista Missionário), lançaram um Manifesto de repúdio à tipificação do terrorismo. Para as organizações, a proposta incrementa o Estado Penal “segregacionista” e funciona como mecanismo de contenção das lutas sociais democráticas. “Assim, fica claro que este dispositivo, caso seja aprovado, será utilizado pelos setores conservadores contra manifestações legítimas dos diversos movimentos sociais, já que tais lutas são realmente capazes de trazerem indignação para quem há muito sobrevive de privilégios sociais”.
Uma petição pública está recolhendo assinaturas para pedir que a presidenta vete o Projeto de Lei e “honre sua biografia”, garantindo um Brasil mais democrático. Também foi lançada a hashtag #SouTerrorista, para ser usada nas redes sociais em protesto contra o projeto.
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