Enquanto a pandemia aprofunda a crise sanitária, alimentar e o desemprego na América Latina e Caribe, governos de vários países não só continuam sem agir para socorrer a população vulnerável, como aumentam as violações de direitos dos povos e da natureza, e ainda tentam desviar a atenção de seus atos. Apesar do cenário de desalento, as organizações e movimentos populares têm ampliado a resistência, com mobilizações crescendo nas ruas mesmo na pandemia.
Na região do Cone Sul, a corrupção se escancara no governo brasileiro do presidente Jair Bolsonaro com a denúncia de superfaturamento e corrupção na compra de vacinas contra a Covid-19, com propina de US$ 1 por dose. Depois de quase um ano e meio de pandemia que ultrapassou 520 mil mortos, a adesão ao governo vem caindo, a fome, o desemprego e as denúncias envolvendo Bolsonaro fizeram a população brasileira voltar às ruas, com protestos maiores e mais frequentes desde maio em todas as capitais e centenas de cidades. O mesmo se vê com os protestos maciços dos povos indígenas contra um projeto de lei da bancada ruralista que tira direitos constitucionais sobre a demarcação de terras indígenas, numa tentativa criminosa de abrir ao agronegócio, mineradoras e construção de hidrelétricas.
Faltando apenas dois anos para a amortização das dívidas de sua construção, a Usina Hidrelétrica de Itaipu é parte do “pacote” da privatização da Eletrobrás, recém aprovada no Congresso Nacional brasileiro. A desestatização afeta Brasil e Uruguai, por isso segue o foco na luta e na discussão contra a entrega de patrimônio do povo, e contra as violações dos corpos e territórios pelo setor elétrico.
Moeda virtual, fome real
Na região da Mesoamérica, as salvadorenhas e salvadorenhos promoveram forte protesto em junho exigindo que o Congresso regulamente uma lei impedindo a privatização da água. O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, acaba de aprovar o uso de criptomoeda de forma oficial, fazendo do país o primeiro do mundo com esse bimonetarismo, mas sua população segue relegada à pobreza, sem acesso à eletricidade e à internet, com feminicídio crescente. Em vez de atender ao povo em dificuldades ainda maiores com a pandemia, Bukele promete extrair energia geotérmica dos 176 vulcões do país para fornecer a energia necessária ao uso de bitcoins.
No Panamá as mobilizações crescentes são contra as mineradoras, e na Guatemala pelo combate à pandemia no país afetado pela pobreza alarmante, sem vacinação e enfrentamento à Covid-19.
No contexto internacional, o fim do bloqueio estadunidense a Cuba foi novamente apoiado pela ampla maioria dos países, com 184 votos favoráveis na Organização das Nações Unidas, no último dia 23. Em quase 60 anos, o prejuízo a Cuba ultrapassa 140 bilhões de dólares, num embargo criminoso porque a tentativa de atacar o governo cubano afeta toda a população do país, sofrida pela falta de insumos que prejudicam o atendimento médico na pandemia, entre outros.
Dívida e patriarcado
Em Honduras, o julgamento de Roberto David Castillo Mejía como mentor intelectual do assassinato de Berta Cáceres somou quase 50 dias até este 30 de junho, mostrando uma rede de envolvidos no planejamento da morte da defensora. Membro da Rede Jubileu Sul, o Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (COPINH) reafirma que as provas não deixam dúvidas sobre a culpa de Castillo para o veredicto final, e o COPINH está apelando à comunidade nacional e internacional por proteção legal do processo contra interferências e corrupção (saiba mais).
Passados 12 anos do golpe de Estado que tirou o presidente hondurenho Manuel Zelaya, em 2009, o que se observa são mudanças na geopolítica de toda a região e não somente em Honduras.
Tanto no caso Berta Cáceres em Honduras, quanto no de Marielle Franco, no Brasil, os assassinatos não por acaso guardam a semelhança da violência perpassada por gênero, por classe, pelo sistema machista, pelo preconceito, a discriminação e o racismo. Mostram como o patriarcado, o modelo de endividamento e o capitalismo estão conectados para explorar e manter as desigualdades, mesmo que à custa da morte de defensoras e defensores dos direitos humanos e da natureza.
Não é possível falar de endividamento sem falar da construção da sociedade, de questões de gênero, racismo e branquitude, pois são fundamentais para refletir e aprofundar o tema da dívida histórica com os povos indígenas, o povo negro, as mulheres. Temos que pensar mais sobre a despatriarcalização das lutas, das relações de opressão entre homens e mulheres, ou não teremos avanço.
Não devemos, não pagamos!
Somos os povos, os credores.
Coletivo de Coordenação Operativa (CCO) da Rede Jubileu Sul/Américas
30 de junho de 2021